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A quinta Jornada perdurou por três encontros, começando neste dia, continuando por toda a aula seguinte, sendo finalizada apenas na outra semana ainda. Chamada pela professora Ida Mara de “Diagonal da Vida” 23 , a proposta é que cada um dos participantes dance, individualmente, toda sua vida enquanto atravessa uma diagonal da sala. Deve-se contar sua história de vida com movimentos, dançar do nascimento à morte (indo da memória à projeção) sem ensaios ou

23 A V e a VI Jornadas são inspiradas nos trabalhos da Escola de Centramento

Corpo-Mente (School for Body-Mind Centering) propostos por Bonnie Bainbridge Cohen (o mesmo da II e III Jornadas) somados à filosofia de Paul Tillich e proposições do psicanalista Rollo May. Paul Tillich, teólogo e filósofo da religião nascido no final do século XIX, debruça-se, entre outros temas, sobre “A Coragem de Ser”, falando sobre a importância de se compreender o conceito de “coragem” para uma melhor análise da condição humana, declarando que “Coragem é uma realidade ética, mas se enraíza em tôda [sic.] a extensão da existência humana e bàsicamente [sic.] na estrutura do próprio ser” (1976, p. 1). Enquanto isso, o psicólogo existencialista Rollo May, teórico que viveu até a década de noventa, vem contribuir com estas Jornadas principalmente com sua discussão sobre “A Coragem de Criar”. Inspirado pelo trabalho de Tillich, May (1982) declara que “não se pode ser dentro de um vácuo. Expressamos a nossa vivência criando. A criatividade é um a seqüência [sic.] natural do ser.” (p. 8, grifos do autor).

.A V Jornada é o momento no qual vamos contar a nossa história. As quatro Jornadas anteriores sensibilizam o corpo e dão elementos para o participante desenvolver a quinta. A professora Dr.ª Ida Mara Freire declara, em entrevista concedida à presente pesquisa, que originalmente a proposta de trabalhar com a história pessoal na dança proposta por Cohen é um processo que dura três meses, mas que ela o adaptou para que pudessem ser trabalhados no tempo de aula da graduação, nomeando este processo adaptado de “Diagonal da Vida”. A professora fala que o material dançado é aflorado do inconsciente – acesso já preparado pela Jornada anterior e que, nesta jornada, começamos também a ter contato com um material intersubjetivo, pois ao trabalhar com toda a nossa vida, do início ao final projetado, já mostramos elementos de quem é que é que está povoando a nossa vida (intersubjetividade), pois não vivemos sozinhos e a relação com os demais nos afeta.

A V Jornada é o momento em que a temporalidade fica mais evidenciada, onde o presente é atravessado tanto pelos condados do passado como pelos horizontes do futuro. A professora Ida acredita que a linha do tempo interno de Husserl está na V Jornada, ela é a que mais evidencia a Fenomenologia, ela é uma síntese da Fenomenologia.

elaboração de nada – a eleição dos momentos da vida que serão contados se dá improvisadamente, no momento no qual se está dançando. “Nesse processo, examina-se o tempo vivido como expressão e revelação criativa. Nesse momento, ocorre uma profunda desconstrução e uma busca de sentido existencial.” (FREIRE, 2014). Todos assistem à diagonal de todos. Não se comenta nada, apenas acolhe-se a dança apresentada.

Foi conversado e decidido por toda a turma que, por falta de tempo no cronograma da disciplina, não faremos a VI Jornada24 para que pudéssemos terminar a quinta sem pressa, respeitando o tempo necessário que cada um precisasse para dançar sua diagonal. Percebo a importância desta decisão, uma vez que, como nos lembra Schmidlin (2013), a arte

não celebra algo que já ocorreu ou retorna ao passado no presente atual, ao contrário, ela revela o tempo em sua essência, enrolado e complicado, que envolve todas as suas dimensões, tempo vertiginoso, fora dos eixos, Aion se opondo ao tempo sucessivo, Chronos, àquele que passa e que, em geral, perde-se. (SCHMIDLIN, 2013, p. 72).

A “Reinvenção da Diagonal da Vida “seria um espaço de recriação da história pessoal – Como poderia ter sido? Como eu gostaria que fosse? O que eu mudaria?... A proposta seria dançar uma nova diagonal na qual se modificaria momentos da história contada anteriormente, trabalhando artisticamente e esteticamente na reinvenção das narrativas pessoais. Após ter trazido à consciência os eventos livremente “escolhidos” na V Jornada, na sexta haveria espaço para

24 A VI Jornada é uma oportunidade para a pessoa recriar sua Diagonal da Vida,

é a possibilidade de rescrever sua narrativa e ressignificá-la. O que aconteceu não podemos mudar, mas podemos escrever uma coisa diferente com esse material. Em entrevista concedida à presente pesquisa, a professora Dr.ª Ida Mara Freire conta que da I à V Jornada é o momento do contato: "isso eu sou". A partir da IV entramos no território de “o que eu quero me tornar”, “o que eu posso ser”. Da percepção de nossa esfera vital, passando pelo retorno as nossas origens, sensibilização dos nossos sentidos, acesso ao no inconsciente através da dança, chegamos na narração da nossa história pessoal. Na IV Jornada começa o processo de criação. Citando Betinho, a professora Ida Mara diz a entrevista, que "o que eu sou é um presente que a vida me dá, o que eu me torno é um presente que eu dou à vida".

editá-lo, recortá-lo, colá-lo, invertê-lo, colori-lo... Mas esta reinvenção ficará para cada um fazer como e quando quiser, independente das aulas. No início do primeiro encontro em que trabalhamos com a V Jornada, a professora Ida adianta que certamente esta Jornada vai guiar a performance a ser desenvolvida por todos e apresentada no final da disciplina. Frisa que está é uma experiência estética e não terapêutica porque cada um vai transformar artisticamente o material de sua vida (“o que nós somos é um presente que a vida nos dá, o que nos tornamos é um presente que damos à vida”, diz ela). Ela diz que é uma cura estética porque trabalhamos sobre o material que temos e transformamo- nos em obra de arte. “Aqui nós vamos dançar a vida, transformá-la em dança!”.

Traçamos uma diagonal imaginária em nossa sala retangular com piso de madeira. Um por vez deve dirigir-se à uma das extremidades e narrar sua vida através da dança, do nascimento à morte, da memória à projeção. A orientação é que não se pense ou elabore nada antes, devemos deixar que o próprio corpo vá selecionando os episódios a serem contados conforme a improvisação vai acontecendo.

Imagens doces, imagens duras, promíscuas e religiosas, imagens lúdicas, energéticas, flutuantes... As imagens que se formavam pelas diagonais eram muito distintas umas das outras, por seus conteúdos e formas, bem como a vida daquelas pessoas. Depois de tecermos nosso casulo, de revisitarmos os movimentos ancestrais filo e ontogenéticos, de sensibilizarmos nossos sentidos e permitirmos o corpo dançar suas percepções do mundo, agora permitimos o corpo contar sua história, suas marcas. Como disse Merleau-Ponty (2011), nossas decisões retomam um sentido espontâneo de nossas vidas. Em nossa liberdade, decidimos que episódio vivido narrar em nossa dança conforme nosso próprio fluxo de vida, a decisão já está feita ao começar a dança. Ao dançá-los, os presentificamos. Ao dançá-los, também trazemos à consciência a importância destes eventos e trabalhamos esteticamente estas marcas; transformamo-nas, transformamo-nos.