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O RELATÓRIO STERN

4.2.3 Danos climáticos

O calcanhar de Aquiles do relatório Stern não é o procedimento de desconto, como apontou a imensa maioria dos analistas, mas dois outros fatores que praticamente não foram questionados: a maneira como os custos de mitigação são comparados com os danos estimados, e o tratamento do crescimento econômico51. Ambos os temas são detalhados

neste item e nos dois que o seguem.

O Capítulo 6 do relatório apresenta o modelo formal de cálculo dos danos agre- gados das mudanças climáticas. Depois de uma breve revisão dos três principais IAMs gra- dualistas do final dos anos 1990, o relatório conclui que os modelos convencionais apresen-

tam importantes limitações, entre as quais a falta de contabilização de uma série de impac- tos de fora do mercado, e a exclusão de impactos catastróficos – mas não analisa o modelo de Cline (1992), que apesar de defasado, teve bem mais influência sobre o trabalho de Stern e da corrente precaucionista. Alerta, então, para a urgência de uma perspectiva mais realista quanto aos riscos envolvidos e às maneiras de se evitá-los.

O modelo inclui impactos de mercado sobre os setores agrícola, de energia, e de zonas costeiras, e impactos de fora do mercado sobre ecossistemas e mortalidade. Inclui também, com probabilidades subjetivas, a possibilidade de eventos climáticos extremos. Para calcular o valor dos impactos relativamente ao PIB, Stern utiliza a seguinte função:

W =

t=0 2200 nt ln

ct eρt

[

nT  ln cT  ρnT  g ρ2

]

eρT (18)

Onde: W = bem-estar intergeracional agregado; n(t) = população na data t; c(t) = consumo per capita; T = horizonte de tempo considerado pelo estudo.

Até o ano de 2200, os danos são calculados de acordo com as equações do PAGE-2002 (Anexo 6); depois disso, são zerados e a economia passa a crescer sem novas restrições climáticas. Ou seja, os danos da Equação (37) são subtraídos da variável c(t) até t = 2200, a partir de quando o problema das mudanças climáticas é considerado resolvido (danos iguais a zero), e a economia passa a crescer à mesma taxa que teria crescido na au- sência de qualquer restrição climática. A taxa média de crescimento do consumo per capita no cenário base, em que não há aquecimento global, é de 1,3% (1,9% do PIB menos 0,6% da população), mesmo valor que o modelo exibe de 2200 em diante.

Para calcular o cenário base (curva A da Figura 9) o setor de danos do modelo é desligado, e simula-se a economia como se não existissem mudanças climáticas – sem da- nos decorrentes do aquecimento, e sem gastos defensivos. Os resultados servem de contra- factual para a estimativa da magnitude das perdas derivadas das mudanças climáticas. Por

exemplo, uma segunda rodada do modelo liga o setor de danos e simula o cenário BAU, em que nada é feito para mitigar as emissões – curva B da Figura 9. A diferença entre o cenário base e o cenário BAU representa as perdas estimadas para o caso da inação.

A curva B capta os gastos defensivos que são realizados naturalmente pela eco- nomia (adaptação), mesmo num cenário laissez-faire, para evitar as piores consequências das mudanças climáticas, e que têm efeito positivo sobre o produto. A diferença entre o ce- nário base e a curva B, descontada a cada período a uma taxa r e acumulada por todo o ho- rizonte do modelo, é o valor que Stern chama de perda do PIB (mais precisamente, do Ba- lanced Growth Equivalent – BGE) “agora e para sempre”52 decorrente da inação.

A Equação (18) explicita o problema que se identificou no tópico anterior: um modelo com horizonte infinito e com ρ pequeno tenderá a ser dominado por acontecimen- tos de períodos muito distantes no futuro. O lado esquerdo da equação contabiliza os danos agregados até 2200, que nada mais são do que a integral descontada da curva A (Figura 9) menos a integral descontada da curva B, entre a origem e t = 2200. Já o lado direito da equação, entre colchetes, contabiliza os danos depois de 2200, que na Figura 9 são repre- sentados pela diferença entre as integrais descontadas das curvas A e B.

Assim, mesmo que depois de 2200 não se contabilizem no modelo ulteriores impactos das mudanças climáticas, o nível do consumo per capita do cenário BAU já terá ficado comprometido, e os danos estimados continuarão crescendo à medida que se estende o horizonte do modelo. É por isso que, segundo os cálculos de Nordhaus (2008), mais de metade dos danos estimados por Stern referem-se ao período posterior ao ano 2800.

52 Essa expressão, ainda que conceitualmente correta, passa a idéia equivocada de que os custos da inação começam agora e se mantém para sempre no mesmo valor. Mas os custos são pequenos nas primeiras décadas e crescem à medida que se aproximam do final do Século. Os números de 5% e 20% são uma média descontada e calculada em termos de Balanced Growth Equivalent (BGE). BGE é o valor do consumo per capita em 2000 que, crescendo a uma taxa constante g = 1,3%, daria o mesmo valor de utilidade agregada que o cenário BAU. Uma perda de 20% do BGE corresponde a uma perda de igual magnitude do consumo per capita começando em 2000 e se estendendo até o infinito (STERN, 2007: 185). Pode ser entendida como um imposto aplicado para sempre cuja receita é destruída.

FIGURA 9 – curvas hipotéticas de PIB base (sem aquecimento global), PIB com mu- danças climáticas sem gastos defensivos no cenário BAU (business as usual), e PIB com mudanças climáticas com gastos defensivos no cenário BAU.

Curva A – PIB no cenário base, em que não há aquecimento global; curva B – PIB no cenário

BAU, em que há mudanças climáticas, não se tomam medidas de mitigação de emissões, mas há gastos defensivos; curva C – PIB no cenários BAU, com mudanças climáticas, sem medidas de mi- tigação e sem gastos defensivos.

A Tabela 7 sintetiza os cálculos do relatório Stern. Para estimar os danos das mudanças climáticas ele trabalha com dois grandes cenários de laissez-faire, apresentados nas colunas do meio da tabela, chamados de IPCC e high climate. O primeiro reproduz as características do cenário A2 do IPCC, um dos mais pessimistas, e o segundo incorpora in- formações mais recentes que apontam para um quadro ainda mais pessimista em termos de sensibilidade climática e de impactos do aquecimento. Já o cenário “controle”, da coluna da direita, deveria refletir a trajetória do PIB no caso de implementação das medidas de miti- gação propostas (item 4.3), mas não é calculado. As linhas representam a inclusão de dife- rentes conjuntos de impactos nos cálculos (danos de fora do mercado, possibilidade de ca- tástrofe, ponderação para a igualdade, fdps de caudas longas).

tório Stern estão destacados em negrito e itálico: 5% e 20%. O primeiro é a média das 1.000 rodadas de Monte Carlo do PAGE-2002 no cenário BAU IPCC em que se conside- ram apenas danos de mercado e se inclui a possibilidade de catástrofe. O último inclui da- nos de fora do mercado, o procedimento ad hoc para a contabilização de ponderação para a igualdade, e um procedimento ainda mais arbitrário para a consideração da possibilidade de as fdps dos parâmetros incertos terem caudas longas (simplesmente se aumenta o custo de 13,63% para 20%, dizendo-se apenas muito vagamente como isso foi feito).

Este último procedimento indica o grau de arbitrariedade a que um modelo pode recorrer para legitimar uma determinada visão, ou talvez apenas para chegar a um nú- mero redondo – por outro lado, o modelo formal permite, pelo menos, que se identifique a arbitrariedade. Stern realiza cálculos complexos, discute profundamente o tema da taxa de desconto, segue um método preciso de modelagem da incerteza, e no final, de maneira sufi- cientemente escondida no texto para que quase ninguém a tenha notado, aumenta a sua esti- mativa de custos em 46,75% para fazer jus ao “fact that we are unsure of which probability distribution to use” (STERN, 2007: 187).

Três conjuntos de problemas fazem com que os números da Tabela 7 sejam muito pouco confiáveis para a elaboração de políticas públicas: (i) o fato de que a maior parte dos danos estimados seja do período posterior ao ano 2200; (ii) as grosseiras arbitrari- edades a que se recorreu para obter-se o valor de 20%; e (iii) o fato de o modelo não incluir tecnologia endógena, o que certamente teria diminuído os custos estimados da inação.

Talvez prevendo que os analistas se dariam conta desses problemas (o que, no final das contas, não aconteceu, devido ao domínio da discussão da taxa de desconto), Stern fez inúmeras ressalvas durante o texto: “(...) these are highly aggregative and simplified models and, as such, the results should be seen as illustrative only” (ibidem: 124). “These models should be seen as one contribution to that discussion. They should be treated with great circumspection. There is a danger that, because they are quantitative, they will be taken too literally. They should not be” (ibidem: 167).

TABELA 7 – perda de valor presente do BGE (Balanced Growth Equivalent)1 em dife-

rentes cenários futuros – ano 2000 até o infinito.

1 – Valor do consumo per capita em 2000 que, crescendo a uma taxa constante g = 1,3%, daria a

mesma utilidade agregada que o cenário BAU. Uma perda de 20% do BGE corresponde a uma per- da de igual magnitude do consumo per capita começando em 2000 e se estendendo até o infinito (STERN, 2007: 185). Pode ser entendida como um imposto aplicado para sempre cuja receita é des- truída; 2 – o cenário IPCC corresponde ao cenário A2 do terceiro relatório do IPCC, que é o segun - do mais pessimista de seis cenários (ver Anexo 8) – as análises científicas recentes corroboram a observação de que as previsões mais pessimistas do terceiro relatório são as mais prováveis; 3 – o cenário mais pessimista, chamado de high climate, se baseiam em trabalhos mais recentes e em duas importantes hipóteses: a de que haverá maior enfraquecimento dos sumidouros de carbono de- vido ao aumento da temperatura do que antes previsto, e a de que as emissões de metano do perma- frost serão superiores às previsões anteriores; 4 – o cenário controle é aquele em que são aplicadas as medidas de mitigação e adaptação invocadas pelo relatório; 5 – o procedimento de ponderação para a igualdade não é integrado no modelo quantitativo, mas aplicado de maneira ad hoc: simples- mente se aumenta o valor estimado da perda de BGE em 25%, de acordo com o benchmark da lite- ratura; 6 – a incerteza quanto à forma das funções densidade de probabilidade dos 31 parâmetros in- certos leva Stern a aumentar a perda do BGE de 13,63% para 20% no cenário BAU base, mas o re- latório não informa como isso foi feito.

Fonte: adaptado de Stern (2007: 186).

Mas com os “números mágicos” de 5% e 20% presentes no sumário para toma- dores de decisão, em praticamente todas as resenhas feitas do relatório, e nas falas de Ni- cholas Stern, não era de se esperar que as ressalvas fossem levadas a sério. Pior do que isso, todavia, foi a comparação dessas estimativas com o terceiro “número mágico”, de 1%.

Cenários Média 5% 95% Média 5% 95% _

Mercado, sem catástrofe 2,1 0,3 5,9 2,5 0,3 7,5 ?

Mercado, com catástrofe 5 0,6 12,3 6,9 0,9 16,5 ?

Mercado + não mercado, com catástrofe 10,9 2,2 27,4 14,4 2,7 32,6 ?

13,63 _ _ 18 _ _ ?

20 _ _ ? _ _ ?

BAU base2 BAU pessimista3 Controle4

Mercado + não mercado, com catástrofe, com ponderação para a igualdade5

Mercado + não mercado, com catástrofe, com ponderação para a igualdade, com funções densidade de probabilidade de caudas longas6