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Capítulo I: Fundamentação teórico-metodológica

1.5 Das categorias teórico-metodológicas

A orientação analítica do corpus de pesquisa baseia-se na observação das bases da análise semiológica dos discursos, em que a relação entre as instâncias de produção e recepção entram em comunicação por meio de bases textuais. E por justamente por serem o eixo que possibilita a comunicação entre essas duas instâncias, é que essas bases textuais tornam-se o centro de interesse nessa pesquisa. A relação entre as duas instâncias, a que denominamos sujeitos de enunciação, é possibilitada pelos investimentos estratégicos feitos sobre essa matéria textual que lhes serve de suporte comunicacional, no caso, o telejornal.

Por um lado, da perspectiva da instância produtiva é necessário tornar o texto o mais atrativo possível de modo a captar o público de interesse (VERÓN, 1989). Situada nesse objetivo ela investe em estratégias das mais diversas sobre os textos informativos audiovisuais dos telejornais. Ou seja, toda a construção e as estratégias investidas no texto audiovisual

estarão em conformidade com a representação que o enunciador é capaz de traçar a respeito do enunciatário, representado aqui pela materialidade do telespectador.

Assim, é firmada a primeira das três relações discursivas envolvendo a mensagem: a do sujeito com o texto em construção. A segunda relação, será a do telespectador com o referido objeto textual construído com vistas justamente a ele, o pretenso público da mensagem formatada. E a terceira relação abrange, finalmente, a instância da produção e da recepção (vide gráfico na p.10). Vejamos como – para que as três relações semiológico- discursivas aconteçam – é fundamental a base material sobre a qual se depositam suas atenções es esforços. Por esse motivo, destaco e justifico o objetivo de me concentrar na análise do dado, da matéria textual a que tem acesso qualquer televisor sintonizado nas Redes Bandeirantes e Globo nos seus respectivos horários.

É nos meandros dessa matéria textual de cada telejornal que estão articuladas as estratégias investidas pela enunciação, e é ali, portanto, que se devem aplicar os critérios analíticos para o desvelamento desses investimentos. De pronto, antes mesmo da obtenção dos resultados mais precisos a partir da pesquisa empírica, é interessante observar que a proposta de funcionamento dessas estratégias é justamente passar despercebidas ao olhar do telespectador comum, basta que nos demos conta de que, desprovidos de maiores critérios analíticos, as construções textuais audiovisuais nos parecem “redondas”, “plenamente convincentes” ou mesmo “literais”, ou seja, como se mostrassem “a vida como ela é”.

E devido à experiência de análise discursiva sobre matéria empírica impressa feita durante a graduação em jornalismo, observo como é mais complexo manter essa postura analítica rígida frente a um objeto em que a dimensão textual cinética tanto se articula no sentido de persuadir sobre a verdade discursiva que movimenta por meio de cores e formas em iconizações, que plasmam com cada vez mais fidelidade a realidade da vivência diária dos fatos.

Assim, no intuito de proceder a uma pesquisa de natureza qualitativa, em que é especialmente valorizado o contexto dos acontecimentos representados (GOMES, 2007), torna-se forte a carga interpretativa dos dados. Por isso, diante da problemática da objetividade, compreendida em oposição à da subjetividade – e acrescida das características dramáticas da apresentação de histórias do cotidiano representadas através de recortes imagéticos conduzidos no uso de determinadas regras de produção e leitura – o melhor

caminho é partir das categorias complexas dos efeitos de enunciação e de realidade. Eles passam, gradativamente, por detalhamentos.

Num primeiro detalhamento, a macrocategoria dos efeitos de enunciação subdivide-se nos efeitos de afastamento e aproximação do enunciador com relação ao texto. Num segundo momento, nos níveis verbal e icônico, os efeitos de afastamento do enunciador com relação ao texto são relacionados à objetividade, e os efeitos de aproximação relacionados à subjetividade. Daí parto para um terceiro detalhamento. Nesse patamar, a objetividade aparece representada por elementos como verbos em terceiras pessoas e verbos indicadores de estado ou impessoais, além de tomadas nos planos geral ou médio-frontal. A subjetividade é observada através dos verbos em primeiras e segundas pessoas, dos pronomes possessivos, demonstrativos, advérbios (especialmente os de modo), pelos ajuizamentos, efeitos de interlocução (quando ocorre uma espécie de chamamento junto ao enunciatário, de modo a prendê-lo à narrativa), além das tomadas em closes, em plongée ou contre-plonglée e dos movimentos de câmera ou de lente (zoom in / out).

Já os efeitos de realidade, utilizados quando o enunciador “procura apoiar a narrativa sobre sentidos já construídos na experiência do destinatário” (PERUZZOLO, 2004, p. 166), também podem ser observados a partir de uma primeira grande divisão, que resulta na observação das duas principais variáveis do texto audiovisual – o texto verbal e o icônico. Tomando como parâmetro essas duas vertentes, será constatado, ao longo das análises seguintes, que a ancoragem na experiência, no mundo vivido, visto e sentido pelo leitor/observador é largamente utilizada para conferir realidade, plausibilidade aos textos nos produtos audiovisuais.

Já partindo para um segundo detalhamento dentro dos efeitos de realidade, observam- se recursos como atrelar o dito a pessoas, a espaços geográficos, datas e idades, além de gráficos e simulações. Observe como as imagens em si já funcionam, portanto, como fortes recursos de referencialidade, especialmente nos produtos telejornalísticos. E por fim, num último desdobramento aqui considerado em termos de efeitos de realidade, vem a observação da elaboração da narrativa em seus fluxos temáticos (motivos, cadeias e desdobramentos de idéias) e figurativos. Nessa etapa, têm fundamental importância os conhecimentos acerca da compreensão da imagem como discurso.

Após todos esses critérios analíticos traçados, tornou-se necessária a esquematização do desdobramento das categorias teórico-metodológicas agrupadas como ferramentas em torno da presente pesquisa, de acordo com o conjunto representado pelas tabelas 1 e 2, a seguir. Elas foram elaboradas levando em consideração a necessidade de subdivisão dos efeitos de enunciação, ligados às condições objetivas e subjetivas do texto, como também dos efeitos de realidade, ligados às linguagens verbal e icônica dos textos telejornalísticos, de modo a organizar a linha de raciocínio analítico de modo mais produtivo.

Tabela 1: Categoria teórico-metodológica dos efeitos de enunciação, aplicada à pesquisa empírico-analítica telejornalística

Categoria complexa 1º detalhamento 2º detalhamento 3º detalhamento

(plano mais concreto)

Efeitos de afastamento

Efeitos de objetividade

- Verbos em 3ª pessoa e impessoais - Tomadas em plano geral ou médio (de preferência frontal)

Efeitos de Enunciação Efeitos de aproximação Efeitos de subjetividade - Verbos em 1ª e 2ª pessoas - Pronomes possessivos e

demonstrativos, advérbios (tempo, lugar e, principalmente, modo) - Efeitos de interlocução

- Tomadas em closes, em plongée ou contre-plongléee dos

movimentos de câmera ou de lente (zoom in/ out)

Tabela 2: Categoria teórico-metodológica dos efeitos de realidade, aplicada à pesquisa empírico-analítica telejornalística

Categoria complexa 1º detalhamento 2º detalhamento 3º detalhamento

(plano mais concreto)

Efeitos de referencialidade e

tematização

Verbal

- Atrelar o dito a elementos do mundo natural, como pessoas, animais, espaços geográficos, números e datas.

- Fluxos temáticos (motivos, cadeias e desdobramentos de idéias) e figurativos (personagens) Efeitos de Realidade Efeitos de figurativização Icônico

- Atrelar o mostrado a elementos do mundo natural (tais como os acima citados, incluindo cores,

infográficos, mapas e simulações.) - Fluxos temáticos e figurativos

É importante destacar que, embora organizados em tabelas diferentes, os efeitos de enunciação e realidade interatuam, permeando-se, de modo a produzirem os sentidos localizados e globais nas narrativas audiovisuais analisadas. Comprovarei que é na coexistência e mútua influência – segundo a linha metodológica adotada nessa pesquisa – que essas duas classes de efeitos constroem o discurso no subgênero telejornalístico.

Assim, no próximo capítulo, parto da divisão entre os dois ramos de efeitos enunciativos, os de afastamento e aproximação. Dentro deles, é observada a atuação das categorias dos efeitos de realidade, que – seja no âmbito objetivo ou subjetivo – são amplamente utilizadas, de modo a apoiar os temas apresentados em dados palpáveis e/ou visualizáveis.

E veremos que esta eterna referência aos dados do mundo vivido atua com especial força no discurso telejornalístico, que – assim como qualquer outro suporte utilizado com fins informativos – busca ancorar-se no maior número possível de provas daquilo que traz à tona, devido aos assuntos freqüentemente se tratarem de temas polêmicos e/ou que envolvem o confronto de pontos de vista diversos tanto em relação às personagens nas tramas, quanto aos valores correntes nas comunidades discursivas participantes do jogo enunciativo.