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Das demais críticas à independência do banco central

3 DOS BANCOS CENTRAIS NO DIREITO COMPARADO

4.1 Da independência dos bancos centrais

4.1.2 Das demais críticas à independência do banco central

Fora as críticas tecidas sob o ponto de vista da Teoria Geral do Estado e do Direito Constitucional, a tese da independência dos bancos centrais também sofre de diversos problemas de outras naturezas, em especial concernentes às áreas econômica e prática.

O pressuposto teórico de que a moeda é neutra, base para que se atribua à política monetária apenas o controle da inflação, sem preocupações de longo prazo com outros objetivos, que fundamenta a independência dos bancos centrais, não é correto.

O capitalismo, enquanto sistema econômico, busca o aumento da riqueza, e os agentes econômicos sempre desejam acumulá-la da forma mais ilimitada possível, independentemente de qual seja seu conteúdo concreto. Essa riqueza precisa ser avaliada e expressa de alguma forma, e esta é a moeda.

A moeda, como representativa da riqueza, consiste no ativo de maior liquidez. Afinal, ela permite comprar tudo em todo lugar e a qualquer tempo, sendo assim desejada na busca da liquidez. A alocação e a busca de riquezas podem conduzir ao desemprego ou ao aumento nos níveis de emprego, dependendo da atuação dos agentes econômicos, ou porque sua demanda por liquidez reduz a demanda por bens e serviços, quando preferiram valorizar a riqueza em ativos financeiros, ou porque optaram por proceder inversamente. Tem-se aí a lógica do equilíbrio com desemprego, de Keynes.

A criação endógena da moeda explica como se dá a captação e a aplicação de recursos pelo sistema bancário. Todo ativo que atinja condições de mercado, de ser convertido em outro, torna-se moeda. E a política monetária tem o poder de alterar a rentabilidade dos ativos.

Assim, a política monetária produz grande impacto sobre a economia real e desempenha um papel estabilizante, não sendo inferior nem independente em relação às demais políticas econômicas, mas devendo atuar para atingir os objetivos em comum. Conforme Crocco e Jayme Jr.:

Aceitar que a política monetária possa afetar permanentemente o nível de atividade econômica implica também aceitar que é necessária uma coordenação entre esta e a política fiscal. Esta não coordenação pode determinar o surgimento de duas situações altamente prejudiciais ao desempenho da economia. Em primeiro lugar, poderia surgir uma situação de conflito entre a política monetária e a fiscal. Por exemplo, poderia ocorrer do executivo estar conduzindo uma política fiscal expansionista, enquanto, no mesmo momento, o Banco Central estaria implementando uma política monetária contracionista. Este cenário, passível de ocorrer em um ambiente com Banco Central Independente/Autônomo, seria extremamente danoso para a economia, uma vez que gera incertezas em relação ao futuro comportamento desta. Um exemplo típico neste caso é o de uma política monetária baseada em taxas nominais de juros elevadas (como o que ocorre no Brasil atualmente) que conduz a um desequilíbrio fiscal estimulado fundamentalmente pelo custo de rolagem da dívida mobiliária. Neste caso, a relação dívida líquida/PIB tende a aumentar, a menos que se produzam superávits primários crescentes ou que o PIB cresça acima do crescimento da dívida líquida, o que é virtualmente impossível sob uma política monetária contracionista. Torna-se fundamental, neste caso, uma coordenação de políticas onde não haja dominância fiscal (a política monetária sendo determinada pela política fiscal) ou dominância monetária (o inverso), sendo as duas utilizadas, articuladamente, para a obtenção de estabilidade e crescimento.156

Sobre esse problema da coadunação entre a política do governo e a atuação de um banco central independente, disse o ex-presidente do Banco Central do Brasil, Paulo Hortêncio Pereira Lira, que o choque entre uma política governamental desenvolvimentista e a atuação conservadora do banco central, acabaria por criar mais problemas do que soluções, sendo impossível conciliar as duas.

Quanto à taxa natural de desemprego, o ponto de equilíbrio defendido pela Escola Neoclássica, ela é falaciosa. Raros os momentos da história do capitalismo em que a economia tenha operado na sua taxa natural de desemprego, sendo “amplamente conhecido o fato de que não existe um mecanismo automático de ajuste que reduza, ou aumente, os salários reais de acordo com a oferta e a procura por mão de obra”157. Há, em todo canto, trabalhadores desempregados que aceitariam laborar por um salário inferior aos praticados no mercado, mas se encontram desempregados porque os empregadores não estão dispostos a contratar, ainda que por um salário inferior, no que se percebe que a situação não decorre de uma falha de mercado, e sim porque a contratação decorre da expectativa de demanda pelos empregadores, e não em função de seus custos. Não

156 CROCCO, Marco; JAYME JR. Frederico G. Op. cit. p. 11/12. 157 CROCCO, Marco; JAYME JR. Frederico G. Op. cit. p. 10.

há, pois, o livre mercado que equilibre ofertantes e demandantes, a permitir uma alocação ótima dos recursos.

Outro pressuposto da teoria dos bancos centrais independentes destaca que a estrutura da economia é completamente conhecida, de modo que as políticas econômicas adotadas pelo governo seriam frustradas pelo mercado quando este identificasse o ponto de equilíbrio estável. Ocorre que tal conhecimento não existe na prática, nem mesmo o ponto de equilíbrio, como antes explicitado.

A idéia de que a inflação é um fenômeno meramente monetário, isto é, decorrente da quantidade de moeda posta em circulação, fundamenta-se no equilíbrio dinâmico da taxa natural de desemprego. Uma vez que essa premissa não é correta, as conclusões tendem a não ser também. Há que se encontrar outras razões para determinar a inflação, como o conflito distributivo, por exemplo.

Empiricamente, não há como se falar em taxa natural de desemprego. Assim, surgiu o conceito de “NAIRU” – non accelerating inflation rate of employment

– definindo a taxa de desemprego que não geraria inflação; mas mesmo ela é falha,

por estar sujeita a constantes modificações, de forma que qualquer nível de desemprego seria compatível com ela, ao menos em princípio.

Acerca da independência de metas, a delegação da política monetária ao banco central independente não resolveria o problema da inconsistência dinâmica, mas simplesmente a realocaria. Nada há que prove ser tal delegação mais crível do que a própria política em si.

Conforme já mencionado, as evidências empíricas que sustentam a independência dos bancos centrais devem ser vistas com muita reserva, pois se houve um surto inflacionário nos países desenvolvidos na década de 70, da mesma forma se verificaram, ali, baixas taxas de inflação nos anos 80, independentemente da situação de independência/autonomia de seus bancos centrais, o que reflete, segundo Posen, um conjunto de interesses antiinflacionários. A propósito, Maria Cristina Penido de Freitas lembra que:

Ao contrário do que sugere a teoria convencional, os bancos centrais não assumiram, quando do seu surgimento, a responsabilidade pela manutenção da estabilidade dos preços nem foram instituídos exclusivamente com essa função, a qual só ganhou maior importância relativa a partir do final da década de 1920. A exceção é o alemão Bundesbank, em virtude da existência de um consenso social em torno da estabilidade, construído após o traumático processo de hiperinflação nos anos 1920.158

Sobre a discussão entre regras e discricionariedade, Eduardo Lundberg adverte que, com o fim do padrão-ouro, surgiu a indagação de saber qual dessas duas linhas se deve adotar. Embora Kidland e Prescott tenham demonstrado a preferência pela consistência das regras à inconsistência da discricionariedade, aquela se ligando a políticas consistentes e esta a políticas ótimas, por gerarem as regras previsibilidade da política monetária, não existe consenso quanto à definição de uma regra particular.

As novas democracias, em geral, são dependentes dos humores do mercado internacional de capitais para poder manter a estabilidade econômica. As crises ocorridas na Rússia, Tailândia, México e Brasil, na década passada, demonstraram essa verdade. Com tal premissa, a necessidade de credibilidade da política econômica torna-se ainda maior do que sugerem os neoclássicos, para obtenção da estabilidade da moeda, vindo a constituir-se numa prioridade política. Ocorre que, na maioria das vezes, os arranjos monetários que existiam em tais países não se mostraram adequados para atingir essa estabilidade, tornando-se a reestruturação da autoridade monetária uma necessidade, para aumentar a credibilidade. Porém, as novas democracias não teriam como criar uma estrutura completamente independente, por uma questão de coerência no plano interno. Seguindo esse raciocínio, Laurence Whitehead conclui que “de alguma forma esse sistema deveria responder aos eleitores, seja através do Congresso, do Executivo eleito, dos tribunais ou mesmo do recurso a uma instância de auditoria ou controladoria”159. Quer parecer que um banco central independente não responderia às expectativas dos eleitores, pois sua diretoria não seria escolhida por eles, nem

158 FREITAS, Maria Cristina Penido de. Op. cit. p. 281.

159 WHITEHEAD, Laurence. “O delicado equilíbrio entre credibilidade financeira e responsabilidade

política – reestruturando a autoridade monetária em novas democracias”. Tradução de Lourdes Sola.

in SOLA, Lourdes; KUGELMAS, Eduardo; WHITEHEAD, Laurence (orgs.). Banco central: autoridade

sua política precisaria identificar-se com aquela escolhida pelo povo nas urnas, compondo uma estrutura antidemocrática e fora dos poderes tradicionais do Estado, até porque apenas prestaria contas de suas ações. Aplicam-se, também, a esse caso os comentários do tópico anterior.

Há um argumento fortíssimo a ser levantado, qual seja o do choque entre o papel do banco central como guardião da estabilidade da moeda e o de lender of

last resort, pois é certo que as crises econômicas, por mais que se atue no sentido

de preveni-las, acontecem. Ocorridas as crises financeiras, elas rapidamente contaminam a economia produtiva, reduzindo a pó empresas e capitais, de modo que a moeda, quer direta quer indiretamente, sofre perda absoluta ou relativa de valor, do que, “diante de um tal cenário, a corrosão do valor da moeda passa necessariamente para segundo plano”160.

Nesse ponto, com um BC emprestador de última instância, residem também os argumentos de alguns monetaristas, como Friedman, de crítica ao papel prioritário da busca da estabilidade de preços pelo banco. Para ele, a política monetária tem como principal objetivo manter a economia funcionando bem, daí que o banco central nessa função estaria colaborando na garantia da liquidez do sistema, devendo ele atuar de forma a evitar oscilações repentinas na política monetária. Nessa direção, ensina Friedman que:

A norma mais freqüentemente sugerida por pessoas de convicções liberais é a da norma do nível do preço; isto é, uma diretriz legislativa às autoridades monetárias para manterem um nível de preço estável. Acho que se trata de uma norma errada, por ser estabelecida em termos de objetivos para cujo alcance as autoridades não dispõem de poderes claros e diretos. E conseqüentemente sobrevém o problema da dispersão das responsabilidades, deixando as autoridades muito à vontade. Há de fato uma conexão estreita entre ações monetárias e nível de preço. Mas essa conexão não é tão invariável ou tão direta que o objetivo de alcançar um preço estável possa constituir uma direção apropriada para as atividades diárias das autoridades. (FRIEDMAN, 1985, p. 56, grifo meu)161.

160 FREITAS, Maria Cristina Penido de. Op. cit. p. 283. 161 MENDONÇA, Helder Ferreira de. Op. cit. p. 116-117.