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2 SELEÇÃO, REGISTRO E PROTEÇÃO DE BENS CULTURAIS NO MUNICÍPIO DE

2.4 A importância do Patrimônio Cultural Imaterial no COMPATRI de Ouro Preto: um

2.4.4 Das finalidades do Conselho: entre o oficial e o real

Deixar as finalidades do Conselho como último ponto foi proposital. É mesmo nossa intenção demonstrar que o caráter do COMPATRI não foi traçado apenas em função daquilo que o Conselho julga ser175, mas também daquilo que a pesquisa percebeu que o Conselho significa, a partir da análise de suas instituições e membros, e sem perder de vista a questão central, isto é, a imaterialidade do COMPATRI.

Esse é o princípio básico da pesquisa. Colocar um espelho sobre o objeto de estudo e a partir disso demonstrar o que de fato está sendo refletido, ainda que o reflexo real da imagem gerada destoe da imagem projetada, idealizada. Aquilo que o COMPATRI julga ser, baseado em uma legislação escrita, não se concretiza por completo na vida real, porque o Conselho oficial é diferente do Conselho real. O cotidiano do órgão extrapola o documento no qual estão afixadas suas normas internas e legais. Captar a personalidade do Conselho, portanto, exige mais da observação da rotina de suas atividades no exercício da lei.

E a rotina do COMPATRI está centrada basicamente nos encontros mensais entre os conselheiros, onde são discutidas as pautas das reuniões e a partir delas são articuladas as deliberações cabíveis ao órgão. As atividades do Conselho são determinadas durante as reuniões que atualmente ocorrem toda primeira quarta-feira do mês no auditório Creize Viviane Neves. Apesar do local das reuniões ter apresentado variações ao longo dos anos, os encontros sempre ocorreram no centro histórico de Ouro Preto. E do total de 150 reuniões apenas 12 aconteceram fora do distrito sede.

A centralização das reuniões é estratégica e busca facilitar o deslocamento dos conselheiros até o COMPATRI. Além disso, o prédio da SMCP, onde se situa o auditório Creize Viviane Neves, propicia uma maior proximidade geográfica e administrativa entre os órgãos auxiliares do Conselho, que encontram-se alocados também no centro histórico da cidade. Tal centralidade, no entanto, não garante visibilidade ao órgão e muito menos acessibilidade ao Conselho, que não consegue criar um canal mais explícito de comunicação que incite a participação da população residente no município. Para muitos moradores o

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Conselho passa despercebido, de modo que a população não se faz presente durante as reuniões.

A tomar por base a baixa frequência mensal das reuniões que atingem regularmente o número mínimo do quórum, pode-se inferir que o alcance populacional do COMPATRI é

bem limitado e pouco diversificado. Geralmente as reuniões não contam com pessoas “extra oficiais”, mantendo o número de participantes corrente – conselheiros, donos de empreiteiras

ou pesquisadores esporádicos. É como se o pertencimento acerca da existência e das atividades do Conselho ficasse restrito à rede de instituições ligadas ao órgão e de pessoas que passaram a conhecer o COMPATRI integrando-o, seja por meio de outros Conselhos da cidade, seja por meio de convite enviado pelo próprio órgão à instituição componente. Em função disso, os próprios conselheiros qualificaram a visibilidade do COMPATRI como ruim, tal como ratificado nas respostas para a pergunta de número 28 do “Questionário”.176

Essa realidade agrava-se na medida em que os distritos do município são considerados, pois o distrito mais próximo da sede, que é o município de São Bartolomeu, está localizado a uma distância de cerca de quinze quilômetros do centro. Para além da distância que vem a ser um empecilho à participação efetiva no Conselho, não há dentro do órgão uma iniciativa que vise trazer a população para o COMPATRI. Fala-se muito em

“participação da comunidade” nas reuniões, porém não foi identificada nas atas nenhuma

proposta mais consistente que desse conta de trazer uma solução para o problema da visibilidade e, consequentemente, da representatividade da sociedade ouro-pretana no Conselho.

Por mais que os conselheiros tenham qualificado a intensidade da participação da comunidade no Conselho como mediana,177 muito se questiona sobre a quantidade e a qualidade dessa atuação, que na realidade carece de envolvimento. Já que a presença das pessoas e entidades vai muito além de fazer solicitações de tombamento ao Conselho. Não obstante, no dia a dia a participação ocorre de forma pontual, normalmente nos casos em que a rotina do cidadão é diretamente prejudicada por empresas de extração mineral, que em nome da modernização interferem na paisagem cultural, provocando mudanças bruscas e negativas na vida econômica, social e cultural da comunidade ao entorno.

Reconhece-se que é uma preocupação dos conselheiros do COMPATRI inserir a comunidade nas discussões do órgão, ainda que na maioria das vezes isso não aconteça, salvo

176 A pergunta de número é 28: “Como o(a) Sr.(a) qualifica a visibilidade e atuação/trabalho do COMPATRI pela sociedade ouro-pretana?”.

177 A pergunta de número 27 é: “Com que intensidade o(a) Sr.(a) avalia a participação da comunidade ouro- pretana nas decisões relativas ao patrimônio cultural dentro do COMPATRI?”.

em situações isoladas e extremas como essas das mineradoras. A materialização dessas

repetidas falas de preocupação pronunciadas pelos conselheiros está no “item 11 – participação da população” do “Gráfico 1”, no qual foi registrado um índice elevado para o

critério que obteve 90 entradas, mas que na verdade diz respeito às vezes que os conselheiros mencionaram a expressão participação da comunidade/sociedade/população e indagaram-se acerca da importância de trazer a comunidade para o COMPATRI, e não das vezes em que isso ocorreu de fato.

Conclui-se, dessa maneira, que os procedimentos decisórios do COMPATRI são verticalizados e privam a população do exercício da cidadania contrariando aquilo que o Conselho indica ser e objetiva ser. A escolha das instituições que integram atualmente o órgão, assim como a composição da mesa diretora e a participação da sociedade nas deliberações que envolvem o patrimônio cultural da cidade, resultam basicamente de ações

“de cima para baixo” e não de meios horizontais de construção das políticas culturais.

É primordial que o corpo do Conselho consiga definir uma estratégia coletiva e de atuação compatível com sua realidade, sem perder de vista, contudo, o bem estar social. Porém, para que o fazer cultural e cotidiano do órgão seja conduzido de maneira inversa, isto é, de baixo para cima, não basta pensar numa elaboração coletiva do regimento interno da instituição. É preciso dar voz a população, envolver as pessoas que vivem na cidade instigando-as a construir caminhos que as possibilitem cuidar e preservar aquilo que confere sentido e significado às suas vidas.