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Das hipóteses de cabimento da prisão preventiva

No documento A banalização da prisão preventiva (páginas 40-43)

2.3 Distinções entre as prisões cautelares: flagrante, domiciliar, temporária e preventiva.

2.3.4 A prisão preventiva

2.3.4.1 Das hipóteses de cabimento da prisão preventiva

A admissibilidade da prisão preventiva encontra seu fundamento nos artigos 311 e seguintes do CPP (BRASIL, 1941): o artigo 311 trata do momento em que é cabível a medida, o 312 disserta sobre os pressupostos, que serão abordados em momento oportuno, enquanto o artigo 313 elenca os requisitos objetivos de cabimento.

Da leitura do artigo 313 se extrai um rol de requisitos para que seja possível a decretação da prisão preventiva. O inciso I estabelece que será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos5. Saliente-se que não há mais a diferenciação entre os tipos punidos com pena de reclusão ou detenção.

Cumpre ressaltar que para se determinar a pena máxima em abstrato do delito com a finalidade de verificar o cabimento da prisão preventiva devem ser consideradas as causas de aumento ou de diminuição da pena. Exemplificando, o crime de furto simples tem pena

5 Antes da Lei nº 12.403/2011 (BRASIL, 2011), o Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) admitia a prisão preventiva ordinariamente para os crimes punidos com reclusão (art. 313, I).

máxima de quatro anos, portanto, não é possível impor o cárcere preventivo ao furtador nesse caso. Contudo, se o agente cometer furto qualificado, previsto no artigo 155, § 4º, do Código Penal – Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (BRASIL, 1940), a pena máxima passa a ser de oito anos, tornando possível a decretação da prisão preventiva.

Do mesmo modo, a exasperação da pena em virtude de concurso de crimes ou de crime continuado (artigos 69 a 71 do Código Penal) deve ser estimada sempre em seu maior

quantum. Entretanto, para tal cálculo não são consideradas as atenuantes ou majorantes, uma

vez que não há critério legal para a determinação do quanto irão influenciar na dosimetria da pena. Explica Aury Lopes Jr.:

Ainda que os limites de pena sejam completamente distintos, os tribunais superiores já definiram a lógica a ser utilizada em situações similares, ou seja, no caso de concurso material de crimes, somam-se as penas máximas, e no concurso formal ou crime continuado, incide a causa de aumento no máximo e a de diminuição, no mínimo. Em qualquer caso, se a pena máxima obtida for superior a 4 anos, está cumprido este requisito. (LOPES JR., 2011, p. 81, grifo nosso).

O dispositivo do artigo 313, inciso I, expressamente menciona a admissibilidade da medida apenas para crimes dolosos. Deve-se asseverar que em qualquer conjectura, mesmo no caso da preventiva decretada em face do descumprimento das demais cautelares, é vedada a imposição da prisão preventiva para os crimes culposos e também para os crimes que não são punidos com pena privativa de liberdade. Isso porque a imposição de tal gravame afronta qualquer critério de proporcionalidade ou razoabilidade/necessidade, haja vista tratar-se de medida excepcional.

No caso dos crimes culposos, fere frontalmente o postulado da proporcionalidade a decretação da prisão cautelar, uma vez que em sua maioria não sofrem condenação de penas restritivas de liberdade, e, quando isso acontece, o regime inicial de cumprimento dificilmente será o fechado. Assim, em consonância com a vedação ao excesso, a proibição evita que uma medida cautelar seja mais onerosa que o resultado final do processo.

A norma também é razoável ao afastar a aplicação da prisão preventiva aos crimes punidos com pena máxima em abstrato de até quatro anos, porquanto não possuem o condão de sujeitar o agente, se condenado, ao cárcere. Repise-se que as condenações desses crimes, via de regra, são objeto de conversão em penas restritivas de direitos (v. artigo 43 do Código Penal), ou de cumprimento de pena em regime aberto (v. artigo 33, § 2, “c”, do Código Penal) (BRASIL, 1940).

De outro modo, é admissível a prisão preventiva para os reincidentes. Institui o inciso II do artigo 313 do CPP (BRASIL, 1941) que a prisão preventiva é admitida para

aqueles que tiverem sido condenados por outro crime doloso. Denota que o suspeito de crime doloso que previamente tenha sido condenado com trânsito em julgado por outro crime doloso pode ser preso preventivamente, independentemente da pena privativa de liberdade em abstrato, observado o prazo de cinco anos para efeitos de reincidência (v. artigo 64 do Código Penal). Ressalve-se que o crime anterior não pode ter natureza militar ou política, do mesmo modo com arrimo no artigo 64 do Código Penal (BRASIL, 1940).

O inciso III do artigo 313 do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941) alberga a possibilidade da prisão preventiva para os crimes que abarcam violência doméstica e familiar, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A hipótese foi inicialmente apresentada pela Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) em seu artigo 42. A novidade da Lei nº 12.403/2011 (BRASIL, 2011) consistiu em enquadrar novas vítimas - criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência - em situação de violência doméstica e familiar, ao lado da mulher, desde que num contexto de familiaridade, afetividade ou coabitação.

Nesses casos, por conseguinte, mesmo que se trate de infração punida com pena restritiva de liberdade inferior a quatro anos, desde que privativa de liberdade (artigo 283, § 1º, Código de Processo Penal), a prisão preventiva pode ocorrer para garantir a execução das medidas protetivas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 (BRASIL, 2006a).

O parágrafo único do artigo 313 do CPP (BRASIL, 1941) prevê que, independentemente da pena, a prisão preventiva pode ser imposta quando houver dúvida sobre a identidade civil do indivíduo ou quando ele não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, exceto se for recomendável a manutenção da cautelar por outra hipótese.

Pondere-se que essa regra deve ser interpretada em consonância com a Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009 (BRASIL, 2009b), que regulamenta a identificação criminal, prevista no artigo 5º, LVIII, da Constituição Federal (BRASIL, 1988).

Tal medida se justifica pela necessidade de o Estado individualizar a pessoa contra quem provavelmente será intentada a ação penal. Assim, havendo dúvidas sobre a identidade civil da pessoa, ela poderá ser preventivamente custodiada para que se aclare sua qualificação. Dessa forma, evitam-se os erros judiciários que eventualmente podem mover a persecução penal contra um homônimo do autor do crime. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu sobre a matéria no acórdão do HC nº 255.833/SP (BRASIL, 2014a), ocasião em que assentiu que inexiste constrangimento ilegal na prisão preventiva decretada para o esclarecimento da identidade do suspeito.

Somente se justifica a prisão preventiva sob esse argumento quando esgotadas as diligências empreendidas para esse fim. E a prisão só pode ser mantida enquanto for estritamente necessária para a colheita de informações sobre o sujeito.

Finalmente, destaque-se que os requisitos da prisão preventiva do artigo 313, além de serem alternativos (não se aplicam concomitantemente), não são tratados tão somente nesse dispositivo do Código de Processo Penal (BRASIL, 1941).

No documento A banalização da prisão preventiva (páginas 40-43)

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