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Das narrativas materializadas O peso simbólico dos pavilhões

Capítulo 3 – Os espaços materiais de exposição: o Pavilhão Baiano em 1908

3.1 Das narrativas materializadas O peso simbólico dos pavilhões

No capítulo anterior analisamos a propaganda do Brasil e do Estado da Bahia através dos catálogos e publicações da exposição, enfatizando a legitimação da narrativa histórica pelo que parece simples descrição de produtos e de elementos constitutivos da terra (fauna, flora, clima, relevo) e do estado (órgãos públicos, escolas, transportes). A escolha da narrativa, no entanto, impulsionava o imaginário desejado e, tal como no Império76, alguns símbolos foram manejados habilmente para dar ao Brasil e à Bahia imagens mais próximas aos ideais pregados na República de que as Exposições, iniciadas desde o século XIX fora do país, prestaram-se a palco.

A narrativa histórica, factual e cívica defendida através dos textos elaborados não foi colocada apenas nos catálogos e demais publicações, mas em todo o evento. Em cada edificação, vitrine, produto ou expressão artística, as exposições, neste caso, as nacionais, se estabeleceram da mesma forma que os eventos no exterior, como entidade autônoma, criadora do próprio repertório de símbolos transpassados para os discursos, no cenário criado, nos pavilhões estrategicamente instalados em meio à grandiosidade e beleza que se queria impregnar.

O imaginário da República, como dito, foi igualmente defendido e reinventado nessas exposições. José Murilo de Carvalho (1990), em A Formação das Almas, argumenta que a república brasileira, instituída a partir de um movimento das elites e dos militares, não contava com legitimidade junto ao resto do país. Os agentes, mesmo que artificialmente, procuraram estabelecer os mitos de origem nacionais a partir de figuras históricas e simbologias importadas. Porém, os símbolos não foram adotados e aceitos em sua configuração original. Alguns foram repudiados, enquanto outros aproximados da cultura e religiosidade populares. A população transformou as alegorias, conferindo-lhes a versão necessária para a ligação afetiva: a figura feminina da Mariane revolucionária passou à Maria, mãe de Jesus; Tiradentes aproximado à Jesus Cristo; o hino republicano adaptado a partir do monárquico visto que possuía a força da tradição e, finalmente, a bandeira e as referências positivistas, expressão do projeto de estado nacional que os organizadores tencionavam.

76 Lilia Schwarcz (2007), em As Barbas do Imperador, nos mostra como D. Pedro II e seu gabinete sabiam

manejar com perfeição símbolos e estabelecer sobre a figura do Imperador a imagem de um cidadão cosmopolita, civilizado e moderno.

O Brasil e os estados, dentre eles a Bahia, pensaram o espetáculo da exposição com objetivos em dois níveis que se conectavam: os fundamentalmente materialistas - conquista de mercado, trocas técnicas, vendas e lucro -, e os simbólicos, de natureza ‘imaterial’, a exemplo do discurso do desenvolvimento e progresso, a modernidade como projeto social, a viabilidade da existência do povo. Essa a conjuntura geral em que se encaixavam os pavilhões conferindo visibilidade a ambos os objetivos.

Nas duas grandes exposições nacionais a Bahia atuou de maneira diferente. Em 1908, o estado construiu um pavilhão e investiu em uma publicação própria. Em 1922, talvez devido à menor disponibilidade de recursos e investimentos mais dirigidos ao Centenário da Independência da Bahia, o estado participou apenas com uma exposição preparatória em Salvador, e na Exposição Nacional do Rio de Janeiro, no Palácio dos Estados, com seus acervos distribuídos em vitrines e expositores.

Sobre o Pavilhão Baiano de 1908, consideramos necessário descrevê-lo e analisá-lo pela importância na elaboração da presença baiana no cenário nacional e por ser um investimento considerável em um contexto de crise na economia do estado, analisado em capítulo anterior. O Pavilhão será visto a partir das etapas de planejamento e execução, estilo arquitetônico, monumentalidade, distribuição das salas e da espacialidade, ou seja, a localização na área da exposição.

Primeiramente delimitamos o significado de alguns termos que usamos no decorrer do texto. Por pavilhão expositivo consideramos a edificação, construção circunscrita para abrigar e expor um dado acervo(s) ou tipo de acervo(s). Na exposição de 1908 foram os seguintes pavilhões gerais: Artes, Viaturas, Imprensa, Café e Cacau, Indústrias; e os pavilhões estaduais de Minas Gerais, Bahia, Distrito Federal, São Paulo, Santa Catarina e o internacional de Portugal. Consideramos, aqui, espaço expositivo todo o conjunto da infraestrutura que dava sustentação para a exposição, formado pelo grupo de elementos edificados, arruamentos, transportes e comunicações. Por acervo, os produtos expostos, sejam eles de arte, indústria, produtos agrícolas, enfim, todo objeto ou conjunto de objetos colocados a ver durante os certames, englobando, portanto, a variedade de materiais e produtos. Porém, em alguns momentos do texto, utilizamos a palavra produto ou matéria para designar um objeto específico.

Vale aqui apresentar o panorama geral (e sintético) sobre as diferentes narrativas materializadas desde o século XIX para, em seguida, comentar o Pavilhão da Bahia em 1908. A magnitude do espaço expositivo, a variedade de expositores e de produtos e a decoração faustosa serviam para fascinar o olhar e convencer o visitante a compartilhar do

entusiasmo promovido pela burguesia mobilizada pela pedagogia que, desde os primeiros eventos do século XIX, procurava instruir para o mundo do trabalho. As exposições de que tratamos replicam o padrão de fenômenos visuais, com grande poder de difusão de imagens, observado por Heloísa Barbuy nas mostras do XIX (1999, p.49). A ilustração abaixo, do Palácio de Cristal,77 (1851) da primeira Exposição Universal, em Londres, que difundiu o modelo para o mundo, nos serve para dar a ideia do impacto visual que causavam, imperando a grandiosidade das construções em ferro e vidro (à época), bem no espírito do domínio e excelência da técnica e tecnologia marcadas, no entanto, pelo efêmero, o passageiro, a rapidez característica dos tempos modernos. Cabe bem a expressão espetáculo – algo com começo e término.

Figura 9. Cristal Palace

Ficou como característica das exposições, desde a primeira mostra londrina78, a atenção para a construção de pavilhões imensos, instalados em enormes áreas (em quilômetros) rasgadas por grandes avenidas ocupadas por praças, restaurantes, equipamentos de lazer, estruturas de transportes e de entretenimento.

77 Cristal Palace Exposição Universal de Londres 1851. Fonte: Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=75946. Acesso em 07.03.2018

78 O Palácio de Cristal foi a primeira grande obra emblemática para a Grande Exibição dos Trabalhos da

Indústria de Todas as Nações, apropriadamente aberta em 1º de maio de 1851. Construído em ferro e vidro, luminoso e amplo (564 metros de altura por 124 metros de largura), projetado por John Paxton, antigo horticultor, jardineiro do Duque de Devonshire, vencedor do concurso para apresentação de projetos de edifícios. De origem humilde apresentou o uso inovador do ferro e do vidro, exemplo do self-made man (PESAVENTO, 1997, p.73-74).

Foi notável, nas mostras, o espírito competitivo de uma exposição para a outra em tentativas de superação de um país sede para o seguinte. França e Inglaterra se alternavam na organização de exposições internacionais e rivalizavam na apresentação de novas tecnologias. Ingleses liderando na produção de gêneros populares e franceses nos artigos de luxo. As disputas contradiziam o próprio título, “Arenas Pacíficas”, no século XIX, também proclamadas festas de paz e de concórdia entre os povos. Todavia, ocultando os embates de poder, prestígio e os ideológicos que de um modo ou outro acabavam por surgir até mesmo na rivalidade para definir a estrutura das classificações que seriam usadas na distribuição dos acervos79. Importava, acima de tudo, marcar presença, evento após evento, procurando

suplantar o anterior.

Os títulos das exposições eram pomposos e alicerçados em momentos significativos ou tecnologias ‘de ponta’. Exemplificamos: a “Porta do Oriente” em Viena (1873)80 com

destaque para a Roda Gigante (PESAVENTO, 1997, p.141-143); a do Centenário da Independência nos Estados Unidos da América (1876), apresentando maquinaria surpreendente, incluindo o telefone81, apoteóticas da tecnologia em glória à eletricidade (Paris, 1878), ou, ainda, em glória à República Francesa (Centenário da Revolução Francesa, em 1899) em demonstração da força e influência da França sobre os demais países, com a Torre Eiffel inaugurada, encimada pela bandeira republicana tremulando no alto.

Os pavilhões não eram simples bastidores dessas demonstrações. Ao contrário, cuidadosamente planejados, tornavam-se sustentáculos de parte significativa de uma artéria informativa e formativa a ser veiculada por meio de um conjunto plástico formado por elementos construtivos, escultóricos, pictóricos, elaborando uma ou mais versões da história oficial. Caminhar entre eles, entrar, passear, ver os armários, vitrines, admirar os produtos, ler as legendas, ouvir a música, sentir os aromas, além de rica experiência sensorial transformava o passeio em lição pedagógica onde se aprendia, complementarmente, o lugar ou papel que cada um deveria desempenhar na sociedade da época.

79

CUNHA, Cinthia da Silva As exposições provinciais do Império: a Bahia e as exposições universais (1866- 1888) / Salvador: UFBA, 2010.

80 Exposição Universal de Viena (1873) comemoração dos vinte e cinco anos do reinado do Imperador Francisco

José. Duas grandes críticas foram feitas à exposição vienense: seu cosmopolitismo acabou por confundir os visitantes e transformou a exposição numa Babel, onde o espectador pouco apreendia do que estava exposto. E as inovações técnicas que vinham da Inglaterra, deixando o país anfitrião como coadjuvante do próprio espetáculo (PESAVENTO, 1997, p.143).

81 Inaugurada pelo Presidente Grant e o Imperador Pedro II colocando para funcionar a máquina Corliss, com

um motor de 1.500HP, pesando 700 toneladas e ligadas a todas as máquinas do grande Machinery Hall. Pedro II fez o uso do telefone, invenção de Alexander Graham Bell.

Investir na transformação de grandes áreas, aplicar somas e esforços na construção de prédios e parques vai além, portanto, do objetivo de entreter ou de produzir lucro. A construção de pavilhões e espaços expositivos, a demonstração de técnicas e inovações aplicadas, coloca a arquitetura, no lugar de elemento-vitrine de ideologias nas exposições. Aliada à lógica da produção industrial, a arquitetura buscará seguir o mesmo conceito em sua viabilização construtiva, incluindo a estética dos artefatos edificados, tornando-se ela própria um produto mercantil e, como tal, contingente, transitória, efêmera.