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Das organizações de representação de interesses ao Congresso

1. O ruralismo e o Brasil a Geografia e o ruralismo

1.2. Das organizações de representação de interesses ao Congresso

dos ruralistas em torno de entidades de representação de seus interesses na condução de projetos para a agricultura.

Moraes (1987: 17-33) situa no período 1889-1930, o surgimento de algumas tentativas de organizações por parte dos fazendeiros; alguns clubes de Lavoura e da aristocrática Sociedade Brasileira para animação da Agricultura (com sede em Paris), até o aparecimento de um Partido da Lavoura. No período republicano, em 1897, a Sociedade Nacional de Agricultura (SNA), surgiu em São Paulo, com a participação do governo do estado, na organização da Sociedade de Agricultores Paulistas (SAP). Para o autor a finalidade destas entidades era de enfrentar o poder que as casas comissárias de café estavam assumindo na comercialização do produto, cuja influência do capital estrangeiro associado ao nacional, ou exclusivamente brasileiro, através da bolsa de comissários, já dominava o mercado e tendia a ter influência decisiva nos próprios negócios de Estado.

A partir do Clube da Lavoura surgiu o programa do Partido da Lavoura, que teve pontos bem definidos de promoção, cooperação e auxílio permanente da defesa dos interesses de comercialização, produção e acesso ao crédito agrícola para a lavoura de café. Porém, o partido não vingou e as reivindicações foram incorporadas pelo Partido Republicano Paulista (PRP), que por sua vez teve longa duração conseguindo organizar a defesa especifica dos interesses dos fazendeiros. De uma dissidência do

11 De maneira simplificada podemos entender a geopolítica como a política do Estado Nacional. O aprofundamento teórico e epistemológico nas questões de Geografia Política, na constituição do território e nas relações de poder, podem ser lidas nas referências: COSTA, Wanderley Messias da. Geografia Política e Geopolítica: discursos sobre território e poder. São Paulo: Hucitec Editora da Universidade de São Paulo, 1992 e RAFFESTIN, C. “Por uma Geografia do Poder”, Ática, São Paulo, 1993.

PRP, em 1926, surge o Partido Democrático (PD), cuja pretensão era também de defender os vários interesses urbanos e rurais.

A Sociedade Nacional de Agricultura (SNA) surgiu por iniciativa de integrantes da Sociedade Paulista de Agricultura (SPA), que integravam também a Secretaria de Estado de Agricultura. Também em São Paulo, criou-se a União dos Lavradores, a partir dos Clubes da Lavoura, apresentando-se como sindicato patronal.

Nas primeiras décadas (até os anos 20) do século XX, foi recriado o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, o Centro Agrícola Paulista e em, 1919, a fundação da Sociedade Rural Brasileira (SRB). Esta foi fundada com o intuito de proteger a produção e comercialização do mercado de carne e tem a participação de representantes de frigoríficos internacionais. Também na década de 1920 apareceu a Liga Agrícola Brasileira (LAB), que pretendia dar apoio aos pequenos produtores, propondo a criação de imposto territorial proporcional, em substituição ao imposto sobre as exportações, além de acabar com o latifúndio improdutivo.

Das associações e partidos políticos ligados aos interesses de proprietários rurais nos primeiros anos da República, o que Moraes (1987) apontou é que a totalidade das organizações visava à defesa da política do café, em torno de um só produto.

Em relação ao período compreendido entre 1930 e 1964, Moraes chama a atenção para as transformações do papel do Estado e predomínio da burguesia industrial com a colocação de novos produtos agrícolas voltados ao mercado interno e os prenúncios de uma industrialização acelerada. No âmbito da defesa dos interesses ligados à agropecuária, a burguesia agrária perde o seu papel praticamente hegemônico junto ao Estado brasileiro, não deixando, contudo, de participar do bloco do poder.

A Sociedade Paulista de Agricultura (SPA), a Liga Agrícola Brasileira (LAB) e a Sociedade Rural Brasileira (SRB) se reúnem em torno da última e são ligadas ao Partido Democrático, que foi constituído a partir da cisão do PRP que havia apoiado o golpe de 1930.

No período da ditadura de Getúlio Vargas até os anos 50, o governo enfatizou a transformação estatal, visando políticas sociais de cunho corporativista, além de apoio

à industrialização pesada, e no governo de Juscelino Kubistchek, o destaque foi para a indústria automobilística. Moraes (1987) coloca que nestes anos pouco se pode apontar de destaque na organização dos proprietários agropecuários. Segundo este autor:

O que, sem dúvida merece ser lembrado é a organização, agora a nível nacional, dos sindicatos e federações patronais da agricultura em torno da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), a partir das estaduais. A de São Paulo, a mais importante, surgiu em 1942 na cidade de Barretos com o nome de Federação das Associações de Pecuária do Brasil Central [...] (MORAES, 1987:23)

Esta instituição, após alterações de sede e nome foi reconhecida, então, como entidade sindical patronal, e passou a denominar-se por Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, em 1963.

Em seu texto, o mesmo autor enumera uma lista constando um número significativo de associações por produto, altamente especializadas, que começaram a surgir nas décadas de 50 e 60 e se acentuaram na década de 70, como por exemplo, as indústrias de insumos, maquinarias e processamento de matérias-primas. Dentre as entidades representativas das classes dominantes na agropecuária brasileira foi contabilizado, entre associações, organizações, federações, confederações e sindicatos um total de 207 entidades, estas foram subdivididas - por temas gerais (12); por multiprodutos (21); por produto (152); por insumos, máquinas e processamento (22).

Algumas pistas relevantes sobre a importância desta inserção já foram tratadas no trabalho anterior (Costa, 2007), quando, por exemplo, considerei que a territorialidade de maior influência ruralista no estado de Minas Gerais, foi das regiões produtoras de café do Sul de Minas e Triângulo Mineiro, da qual tem dois grandes líderes ruralistas mineiros ligados ao Conselho Nacional do Café (CNC)12.

12

CNC - é uma entidade privada que reúne produtores, cooperativas e associações de cafeicultores, o CNC é membro do Conselho Deliberativo da Política Cafeeira (CDPC) e faz parte da delegação oficial brasileira na Organização Internacional do Café (OIC). Por meio de acordos institucionais, trabalha integrado com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e com Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), representando-as em alguns fóruns, como o Rural Brasil. Fonte consultada: http://www.cncafe.com.br).

Outros autores tais como Ortega (1995); Antonio César Ortega (1998); José Graziano da Silva (1991); Charles Curt Mueller (1988) tentam resgatar o processo de organização das entidades representativas e corporativas na agricultura no Brasil.

A mobilização das organizações patronais, como representação de classe ficou evidente diante da proposta do I Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA), como escreveu Regina Bruno (2002);

A reação patronal partiu, fundamentalmente, das regiões Sul e Sudeste, em especial dos estados de São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, fazendo cair por terra a suposição de que viriam dos latifundiários “atrasados” do Norte e do Nordeste, as principais forças anti- reformistas. Da parte do INCRA E DO Mirad, havia a expectativa de que os latifundiários não contariam com o apoio do empresariado agroindustrial, preocupados com a produtividades e menos feito com a especulação fundiária. Nesse momento são os porta-vozes da Sociedade Rural Brasileira (SRB) e os representantes da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que mais aparecem na imprensa comandando a reação dos grandes proprietários de terra e empresários rurais, estabelecendo os parâmetros de argumentação e os orientando como agir. Pela SRB temos Flávio Teles Menezes, sem dúvida a figura mais importante de todo esse processo e o mentor ideológico da nova retórica patronal. Além dele vemos também, Renato Ticoulart e Ney Bitencourt de Araújo; esse último aparece na imprensa, ora como diretor de grão da SRB, ora como presidente da Agroceres.

Em nome da representação sindical patronal têm grande destaque na imprensa, Flávio Brito, Presidente da CNA, Ernesto de Salvo, da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg); Fábio Meireles da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo (Faesp) e Ari Marimon, da Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul) que, nos anos 70, havia passado por um intenso processo de renovação de seus quadros

Representando os usineiros do Nordeste temos Gilson Machado, “empresário rural e presidente de sindicato patronal”, (...) As modernas associações por produto e multiproduto e o cooperativismo empresarial se fazem representar pela Associação Brasileira de Óleos Vegetais (Abiove), por Roberto Rodrigues, então presidente da Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e a Cotriexport .

Finalmente, os tradicionais porta-vozes da pecuária brasileira, como por exempli, a Associação Brasileira de Gado Zebú (ABGZ) e José Resende Peres vêm a público marcar posição sobre a proposta do PNRA da Nova República (BRUNO, 2002: 78-79)

No contexto atual, a articulação ruralista em torno das entidades de classe utiliza uma retórica estratégica em defesa da elite agrária, através de um discurso e uma prática atuante e reacionária quanto às transformações urgentes para o campo no Brasil (reforma agrária, soberania alimentar, preservação dos domínios morfoclimáticos e ecossistemas e todos os recursos energéticos que abrigam). Basta, por exemplo, acompanhar as defesas em plenário e nas comissões, a favor da “classe dos

produtores”, do agronegócio, da alteração do Código Florestal (PL1876/99) realizadas, principalmente, pela Senadora Kátia Abreu PSD/TO, presidente da Confederação Nacional da Agricultura. O “Código Florestal Ruralista” pretendeu basicamente ao longo destes treze anos de tramitação, a expansão agrícola na Amazônia, a isenção da responsabilidade pelo desmatamento e transferência da recomposição de áreas para o Estado. Conforme decorreu na fase final em que a relatoria esteve sob o comando do ruralista mineiro, deputado federal e “produtor rural” Paulo Piau PMDB/MG e os lobbistas já anunciam que os desmatadores seriam anistiados e o ônus da recomposição das áreas desmatadas ficariam para o Estado. Após análise presidencial foi convertido em LEI ORDINÁRIA Nº 12.651, DE 25 DE MAIO DE 2012 que vetou 12 artigos e determinou 32 mudanças em trechos que, “em linhas gerais, buscam anular a anistia a desmatadores, beneficiar o pequeno produtor e favorecer a preservação ambiental” (Agência Câmara, 2012). A expectativa dos ambientalistas e da sociedade civil organizada é que o veto fosse total, uma vez que os vetos ainda serão analisados pelo Congresso, que pode derrubá-los. Além do mais os ruralistas terão a oportunidade de disputa a edição de mais uma Medida Provisória (MPV 571/2012) que regula sobre os pontos vetados.

A representação ruralista organizada tanto na Bancada Ruralista quanto nas entidades de representação conseguiu direcionar a política agrária no governo Luis Inácio de modo a realizar uma “contra reforma agrária”, como denominou Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2010: 287-328), através das já mencionadas MPs 458 e 422 institucionalizaram a grilagem de terras Amazônia.

Seguindo esta linha reacionária a União Democrática Ruralista recriada no Pontal do Paranapanema no interior de São Paulo, tem sede em Brasília no Distrito Federal conforme mostra a página eletrônica da entidade;

A União Democrática Ruralista (UDR) é uma entidade de classe que se destina a reunir ruralistas e tem como princípio fundamental a preservação do direito de propriedade e a manutenção da ordem e respeito às leis do País. O atual presidente da entidade é o agropecuarista, Luiz Antonio Nabhan Garcia, que preside as UDR's de São Paulo e a nacional em Brasília-DF.

A entidade teve sua primeira sede regional fundada em 1985, na cidade de Presidente Prudente - SP, e posteriormente no ano 1986, na cidade de Goiânia - GO, em seguida foi fundada a primeira UDR - Nacional, com sede em Brasília - DF. Os proprietários rurais sentiram a necessidade de se mobilizarem para

conscientizar o Congresso Nacional a criar uma Legislação que assegurasse os direitos de propriedade. Na época, uma ala política de esquerda radical queria acabar com esse direito com objetivo explícito de se implantar um sistema comunista no Brasil. A reação dos ruralistas foi imediata, decidiram então fundar a União Democrática Ruralista - UDR. Foi a maior mobilização do setor já visto neste país. Com isso, conseguiu-se colocar na Constituição de 1988 a Lei que preserva os direitos de propriedade rural em terras produtivas.

De 1994 a 1996 a UDR ficou desativada devido a desmobilização da classe, que sentiu-se mais segura após as conquistas na Constituinte e o afastamento dos riscos sobre o direito de propriedade. No final de 1996 a entidade foi reativada em Presidente Prudente-SP, região conhecida também por Pontal do Paranapanema.

Atualmente, a União Democrática Ruralista - Nacional, também foi reativada e tem sua sede em Brasília-DF. (UDR, 2012)

Através desta “Home Page” a UDR divulga informações sobre os principais acontecimentos no campo desapropriações, “invasões”, leilões, exposições, cotações e anuncia seus objetivos em torno da defesa incondicional da propriedade privada;

A União Democrática Ruralista (UDR) é uma entidade sem fins lucrativos, organizada para defender incondicionalmente os direitos e interesses do produtor rural brasileiro, patrocinando sempre que necessário a manutenção do Instituto de propriedade "imóvel rural" como direito privado, de acordo com a Constituição do País.

A UDR exerce um papel fundamental em promover, por todos os meios Legais, a conscientização em amplitude nacional de que a propriedade privada e a liberdade de produzir são direitos inalienáveis, como também manter fórum permanente de estudos jurídicos voltados para a formulação da política fundiária, inclusive da produção e comércio da agropecuária e do agro-negócio brasileiro, sempre defendendo a manutenção e aperfeiçoamento dos direitos e deveres junto aos Poderes Constituídos. (UDR, 2012 os grifos são nossos) Obviamente que as consequências históricas e embates sobre a UDR são bem mais complexas. No decorrer deste texto serão apontadas e indicadas bibliografias sobre a ação desta entidade.

O contexto atual tem sido de intensa mobilização dos ruralistas, sobretudo dos membros Bancada Ruralista, evidente que as lideranças estão atuando nas duas frentes de representação, tanto no Congresso Nacional quanto nas entidades de classe Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Organização das Cooperativas do Brasil (OCB) e União Democrática Ruralista (UDR) 13.

13 Outras produções que encontrei no estudo da CNA e UDR são as referências;

LEAL, Juliana Franco “Guardiões da propriedade : organizações da burguesia agraria e reforma agraria : um estudo sobre a Confederação da Agricultura e Pecuaria no Brasil - CNA (1995-2001)” / Giuliana Franco Leal. Orientador Lourenço, Fernando Antonio, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Campinas, SP: [s.n.], 2002.

Desse modo, ressalto a importância de identificar nos agentes da bancada ruralista, que ao mesmo tempo são participes dentro das referidas entidades, procurando destacar qual a relação entre estas estruturas de representação dos interesses patronais no Estado e na sociedade civil. E como porta vozes de uma estratégia discursiva destas entidades difundem a ideologia da classe, na mídia e nos debates e disputas travadas no plenário da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Tarefa que este estudo não deu conta de esgotar, embora identifique algumas lideranças protagonistas nestas agências.

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