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1. HISTÓRIA E FILOSOFIA DA INFÂNCIA NO BRASIL: matrizes políticas e

1.3 A criança, a infância e a escola na sociedade industrial brasileira

1.3.2 De 1970 a 1996

O processo de industrialização brasileiro e o crescimento desorganizado das cidades deixavam claro que a opção capitalista ia condicionar o desenvolvimento da educação de forma profunda, na medida em que o capital burguês se fortalecia e precisava de mão de obra para a indústria.

Assim, a contradição entre a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista, estimulada pelo governo de Juscelino Kubitschek, e a doutrina da interdependência, postulada pela Escola Superior de Guerra, viria à tona

inevitavelmente a partir do momento em que a primeira fase da implantação da indústria de bens de consumo não duráveis – confecção e alimentação – para os bens de consumo duráveis – automóveis, eletroeletrônicos – chegasse ao fim, visto que todos os grupos envolvidos no processo de industrialização apresentavam, ao final do processo, perspectivas diferentes.

Dessa forma, diante do paradoxo existente entre as elites nacionais e os operários e as forças de esquerda, em 31 de março de 1964, foi desencadeado o golpe militar, de caráter político e não socioeconômico. Em consequência disso, a ideologia do nacionalismo desenvolvimentista foi trocada pela doutrina da interdependência. Logo, a LDBEN de 1961 e a educação como um todo permaneceram inalteradas, com exceção das:

[...] bases organizacionais, tendo em vista ajustar a educação aos reclamos postos pelo modelo econômico do capitalismo de mercado associado dependente, articulado com a doutrina da interdependência (SAVIANI, 2013, p. 364).

A nova LDBEN, Lei n° 5692, de 11 de agosto de 1971, procurava ampliar a vertente produtivista por meio da pedagogia tecnicista em todas as escolas do país, na tentativa de dar reposta ao modelo capitalista, aumentando a eficiência e a eficácia na educação (portanto, mudando seus objetivos, conteúdos, procedimentos e avaliação), criando sistemas de ensino rígidos, ensinando a aprender a fazer, além de tentar minimizar as interferências subjetivas e burocratizar em demasia a escola e o trabalho desenvolvido nela.

Exercendo uma forte resistência à hegemonia da pedagogia tecnicista, surgiu na década de 1970 uma tendência chamada de crítico-reprodutivista. Essa tendência denunciava sistematicamente a utilização da educação, por parte das elites, para impor a ideologia dominante, de forma autoritária e em defesa dos ideais capitalistas. Portanto, ela sustentava, teoricamente, a luta contra o regime de exceção, a crítica à pedagogia tecnicista e a possibilidade de desmistificar a ideia de que a educação operava à margem da sociedade (SAVIANI, 2013).

Agora, a década de 1980 podia ser considerada como aquela em que o movimento sindical e organizacional dos professores, em seus três graus, mais se desenvolveu.

A organização dos educadores na referida década pode, então, ser caracterizada por meio de dois vetores distintos: aquele caracterizado pela preocupação com o significado social e político da educação, do qual decorre a busca de uma escola pública de qualidade, aberta a toda a população e voltada precipuamente para as necessidades da maioria, isto é, a classe trabalhadora; e outro marcado pela preocupação com o aspecto econômico-corporativo, portanto, de caráter reivindicativo, cuja expressão mais saliente é dada pelo fenômeno das greves que eclodiram a partir do final dos anos de 1970 e se repetiram em ritmo, frequência e duração crescentes ao longo da década de 1980 (SAVIANI, 2013, p. 404).

Contudo, podemos observar que a transição democrática e, consequentemente, a educação construída no Brasil foi edificada a partir do olhar privilegiado das elites, ou seja, mais uma vez a massa popular oprimida e excluída não foi ouvida, sendo colocada no mesmo lugar que sempre ocupou, o lugar a serviço do capital. E tudo isso para se manter a ordem socioeconômica, novamente.

Dentro dessa perspectiva, a educação escolar foi valorizada, pois existia a crença de que uma educação polivalente, apoiada em conceitos abstratos e matemáticos, poderia contribuir para o processo econômico e produtivo de forma a não apenas mantê-lo, mas ampliá-lo significativamente. Porém, não basta ao estado assegurar o acesso e a permanência do sujeito na escola. Essa tarefa passa a ser também do próprio sujeito, que deve qualificar-se com a intenção de acessar o mercado de trabalho e lá permanecer. Ele deve construir a possibilidade, já que a garantia de emprego não existe mais nessa fase de desenvolvimento capitalista.

Nesse sentido, é fundamental perguntar: onde está a educação da criança e da infância nesse país? Ela estaria desconsiderada ou, pelo contrário, considerada nas entrelinhas da proposta educacional do/para o capital?

Conforme afirmam Paschoal e Machado (2009, p. 85):

Verifica-se que, até meados do final dos anos setenta, pouco se fez em termos de legislação que garantisse a oferta desse nível de ensino. Já na década de oitenta, diferentes setores da sociedade, como organizações não governamentais, pesquisadores na área da infância, comunidade acadêmica, população civil e outros, uniram forças com o objetivo de sensibilizar a sociedade sobe o direito da criança a uma educação de qualidade desde o nascimento. Do ponto de vista histórico, foi preciso quase um século para que a criança tivesse garantido seu direito à educação na legislação, foi somente com a Carta Constitucional de 1988 que esse direito foi efetivamente reconhecido.

Portanto, com o fim da ditadura militar, a nova realidade nacional culminou com o movimento da sociedade civil e do próprio governo, na Constituinte

de 1988, que determinava ser dever do Estado e direito da criança a Educação Infantil (artigo 208, inciso IV) em sua plenitude (PASSETTI, 1999).

Foi a partir da Constituição de 1988 que as creches, antes vinculadas à assistência social, que se preocupavam somente com o cuidado das crianças, passaram a ser de responsabilidade da educação e, portanto, iam além do cuidar. Era preciso, então, ter uma proposta pedagógica em consonância a um trabalho educacional.

Após dois anos da aprovação da carta magma da nação e em estreita ligação com ela, outro dispositivo legal também foi aprovado, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), expresso na Lei n° 8069 de 1990, que, ao regulamentar o artigo 227 da Constituição Federal, inseriu as crianças no mundo dos direitos humanos, assegurando o acesso às oportunidades de desenvolvimento físico, moral, mental, espiritual e social e em condições de liberdade e dignidade (DOURADO; DABAT; ARAÚJO, 1999; PASCHOAL; MACHADO, 1999; BARRETO; SILVA; MELO, 2010).

Seguindo adiante, no ano de 1993, surgiu a proposta lançada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) da construção do Plano Nacional da Educação Infantil, que tinha como intenção mostrar a realidade da Educação Infantil e propor ações de ampliação e qualificação do atendimento à infância.

Percebe-se que, na definição de suas diretrizes, todos os profissionais atuantes na Educação Infantil foram valorizados desde sua formação até sua prática com as crianças, inclusive no tocante ao plano de carreira docente. Que esses deveriam ter formação mínima de nível médio. E que esse profissional teria o dever de cuidar e educar as crianças numa perspectiva de integralidade.

Na sequência da aprovação do ECA, mais precisamente entre os anos de 1994 e 1996, o Ministério da Educação publicou uma série de documentos intitulados de Política Nacional de Educação Infantil. Esses documentos estabeleceram as diretrizes pedagógicas e de recursos humanos para a Educação Infantil (PASCHOAL; MACHADO, 1999).

Nesse contexto, declara Rizzinni (1999, p. 380): “Em 1995, o Brasil tinha aproximadamente oito milhões de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos trabalhando”.

Notemos que essa situação fere diretamente a Constituição Federal, na medida em que ela, em seu artigo 7° e inciso XXXIII, afirma “[...] proibição de

trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos” (BRASIL, 1988, p. 7).

Isso posto, a situação descrita acima arrebenta com a possibilidade de a criança viabilizar uma mudança de ordem qualitativa em sua vida, na medida em que, ao envolver-se com o trabalho no campo, quer seja na agricultura, quer seja na pecuária, na cidade, no comércio ou indústria, pelas próprias características dessa atividade laboral, ela paulatinamente retira-se da escola e rompe com seu processo educacional formal e sistematizado, condenando-se ou sendo condenada a essa vida futura. Todavia essa situação, infelizmente, também se aplica às meninas trabalhadoras domésticas, seja em sua casa, seja na casa da patroa, ou àquelas cooptadas pelo tráfico de drogas. Todos têm sua vida roubada e nem ao menos se dão conta disto. Dos motivos, dois são os principais: a miséria e/ou a necessidade de, juntamente com os pais e demais irmãos, cuidarem do pouco de possuem.

Podemos finalizar esse período com a seguinte ideia: apesar das conquistas de ordem legal e científica, a criança e a infância permanecem à parte da sociedade no que se refere à concreta efetivação de seus direitos, embora estes existam.