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De Escola Primária à Escola de Ensino Médio

CAPÍTULO II ESCOLA AGRÍCOLA DE LAVRAS: OS PRIMEIROS

2.1 De Escola Primária à Escola de Ensino Médio

A EAL ministrou, desde sua fundação, ensino teórico-prático de agricultura. Seu início foi tímido, uma pequena escola agrícola de educação primária, que em 1912, sofreu transformações para atender ao decreto federal que regulamentava o ensino agrícola, passando a ser constituída como escola profissional de nível médio.

Em 1913, é o próprio Dr. Gammon quem esboça essas regulamentações: A “organização do curso da Escola Agrícola baseou-se no programma das Escolas Theorico Práticas, estabelecidas pelo Governo Federal com o Regulamento do Ensino Agronômico, de conformidade com o decreto 8.319, de 20 de outubro de 1910” (INSTITUTO EVANGÉLICO. Prospecto do Instituto Evangélico, 1913, p. 18).

De acordo com o Decreto, que regulamentou o ensino agrícola no Brasil, o governo Federal implantou em Minas alguns estabelecimentos com essa finalidade. Assim, foi na área do ensino prático que a presença federal marcou, com maior eficácia, criando e mantendo campos de demonstração, o qual mantinha um anexo à Escola Agrícola de Lavras.

Em 1908, o Reitor do Instituto Dr. Gammon e o Diretor da Seção de Agronomia, Benjamin Hunnicutt, apresentaram ao público um modelo de curso prático adotado pela instituição: “[...] todos os alumnos serão obrigados a dar uma hora por dia, pelo menos, aos trabalhos, aprendendo assim practicamente todo o serviço de manejo dos implementos e todos os serviços do Lavrador” (INSTITUTO EVANGÉLICO. Programa do Curso de Agronomia, 1908, p. 6). Para atender a tais objetivos, estes professores buscavam adotar métodos modernos de lavoura, utilizando maquinário, novas práticas de plantio, jornais e folhetos para divulgação de tais práticas. Ficava estabelecido um curso de quatro anos, que permaneceu sem modificações até a formatura da primeira turma de agrônomos em 1911.

O curso de agricultura abrangeria, ao ver destes precursores, todas as ramificações da vida do fazendeiro, ensinando a arte da agricultura e a ciência. Englobaria não somente o conteúdo a respeito da plantação, do cultivo e da colheita dos frutos, mas além disso, os princípios necessários para a criação de todas as espécies de gado e a depuração desta raça; o essencial da indústria de laticínios e da horticultura. Algumas mudanças foram observadas quanto ao estabelecimento das disciplinas para os anos posteriores, pelo menos até o período em que a escola se adequou às exigências da Lei Federal.

As disciplinas destacadas no quadro abaixo não apareceram no prospecto de 1909, outras sofreram modificações, talvez pelo próprio aprofundamento exigido pelo Decreto:

Sciencia da Agricultura é substituída por Agronomia. Animaes domésticos, sua criação e o modo de os melhorar, foi ampliada com o nome Zootechinia. Houve o acréscimo das seguintes disciplinas com seus respectivos anos: segundo ano: Phytotechnia; no terceiro ano: Botânica, Chorographia e Chimica e, no quarto ano: Historia Natural e Clinica Veterinária. Eis o programa geral das disciplinas da Escola Agrícola:

PROGRAMA DO CURSO DE AGRONOMIA – EAL 1908

I ANNO II ANNO III ANNO IV ANNO

Portuguez

Portuguez Portuguez Algebra

Geographia

Geographia Algebra Geometria

Arithmetica Arithmetica Geometria Trigonometria

Francez ou Inglez Algebra Trigonometria Litteratura

Desenho

Francez ou Inglez Francez ou Inglez Historia Uma hora por dia

na officina de sellaria

Desenho Desenho Francez ou Inglez

Trabalhos practicos de Agricultura.

Sciencia de

Agricultura Sciencia da Agricultura Desenho

Estudo practico e theorico de implementos agrícolas

Animaes domésticos, sua criação e o modo

de os melhorar

Sciência da Agricultura Drainagem agronômica Horticultura Lacticínios

Trabalhos practicos de Agricultura.

Trabalhos practicos

de Agricultura Sciencia veterinária

Uma hora por dia na officina de ferreiro

Trabalhos practicos de Agricultura Uma hora por dia nas officinas: um trimestre na

de sellaria, um na de carpintaria e um na de

ferreiro.

Quadro 2 - Programa do Curso de Agronomia – EAL 1908

Fonte: INSTITUTO EVANGÉLICO, Programa do Curso da Escola Agrícola, 1908, boletim nº 1, p. 5.

No prospecto de 1913, o Reitor fez uma análise dos quatro primeiros anos de funcionamento da escola e apontou a necessidade de oferecer um curso mais ampliado e modelado aos das Escolas Theorico-Practicas, estabelecido pelo Governo Federal no Regulamento de Ensino Agronômico nº 8.319, de 20 de outubro de 1910. Este Regulamento exigiu mudanças quanto ao aumento de estudos teóricos e sobre o ensino prático com o

objetivo de “proporcionar aos alumnos um preparo que os habilite tanto para trabalhos téchnicos como para a vida pratica de agricultor” (INSTITUTO EVANGÉLICO. Prospecto do Instituto Evangélico, 1913, p. 18).

Para atender as exigências, equiparou a escola para a transferência do nível de ensino elementar para o ensino médio, estabelecendo para admissão os primeiros três anos do curso do Ginásio, recebendo alunos acima de dezesseis anos de idade. Já a distribuição dos anos escolares era reduzida para três anos.

PROGRAMA DO CURSO DE AGRONOMIA – EAL 1913

I ANNO II ANNO III ANNO

Mathematica ... 3 Zoologia...3 Chimica Agrícola ...3 Physica... 3 Noções de Chimica

Orgânica e Analítica...3 Bromatologia ...3 Botânica...3 Horticultura...3 Lacticínios...3 Chimica Inorgan...3 Agronomia ...3 Agronomia ...3 Agronomia...4 Zootechinia...3 Noções de Veterinária ...3 Contabilidade...2 Agrimensura ...2 Geologia e Mineralogia ...3 Inglês...2 Mechanica Elem...2 Desenho de Construção...3

These Mensal Inglez...1 Pathologia Vegetal...3 Trabalhos práticos:

Na fazenda, 9 horas, nas officinas 5; nos laboratórios: Botânica

2, Physica 2, Chimica 2

These Bimensal These Trimensal

Trabalhos práticos: Na fazenda, 8 horas,

nas officinas 5;

nos laboratórios: Zoologia 3, Agrimensura 2, Chimica 2

Trabalhos práticos: Na fazenda, 3 horas;

nas officinas 5;

nos laboratórios: Pathologia Vegetal 2; Agronomia 3, Chimica 3, Lacticínio 3

Quadro 3 - Programa do Curso da EAL - 1913

Fonte: INSTITUTO EVANGÉLICO, Prospecto do Instituto Evangélico, 1913, p. 18.

Devido às exigências do Decreto Federal, a reorganização do tempo escolar passou por uma mudança quanto ao tempo cedido para os trabalhos práticos. Embora não esteja discriminado o tempo do horário prático de Agronomia no programa de 1908, a ordenação do tempo do programa elaborado em 1913 torna-se mais complexo, exigindo do aluno uma formação mais prática, gastando um tempo maior com a aprendizagem da terra, dos animais e das oficinas da escola. Consequentemente foram poucas as disciplinas que não exigiram trabalho de campo ou laboratório: Promatologia, Mechanica Elementar; Desenhos de Construcções; Zootechnia; Geologia; e Mineralogia. Para as demais foram exigidas, em média, 2 horas ou 3 horas de trabalho prático ou laboratório ou aulas práticas assistidas pelos alunos. Para a disciplina Machinas Agrícolas exigia-se para o primeiro ano 9 horas por semana de trabalhos, já para o segundo exigia-se 8 horas.

“these”. Para a turma do primeiro ano ela seria mensal, para o segundo ano bimestral e para o terceiro ano esta “these” seria trimestral. As “theses” eram consideradas como continuação do curso de português, pois o professor desta disciplina era responsável pela correção gramatical e textual. Assim, as “theses” eram julgadas pelo professor de português e pelo professor da cadeira a que pertencia o assunto discutido pelo aluno. De fato, é destacada a preocupação com o estudo da teoria e da pesquisa no currículo da escola.

Dr. Gammon, ao fazer a introdução dos prospectos da escola, apresentava o ensino das matérias caracterizado ao mesmo tempo como “practico e theorico”, o que reforçava a sua apresentação quanto ao objetivo do Instituto Evangélico: “[...] proporcionar os seus alumnos instrucção sólida, conhecimento completo das matérias estudadas, e desenvolvimento symetrico de todas as suas faculdades” (INSTITUTO EVANGÉLICO. Prospecto do Instituto Evangélico, 1913, p. 3). Esta instrução evidenciava o desenvolvimento físico, intelectual do homem, bem como o desenvolvimento de suas faculdades morais e de suas capacidades espirituais e religiosas. Estas baseavam-se nos princípios e exemplos encontrados nas “Sagradas Lettras”. Fica a observação no quadro das disciplinas estabelecidas pela direção da escola: Em todos os “annos” haverá duas aulas por semana de História Sagrada. Esta declaração ressaltava o caráter confessional do Instituto Evangélico.

Para entendermos os conteúdos trabalhados nestas matérias, é importante destacarmos as disciplinas do programa neste processo de ensino-aprendizagem, pois o próprio curso exigia do aluno “o colocar a mão no arado”:

DISTRIBUIÇÃO DAS DISCIPLINAS ESCOLARES - 1913

Disciplina Conteúdo

AGRONOMIA Agronomia Geral: 1º Anno – Estudo Elementar: definição; climatologia

agrícola, o solo; o seu melhoramento, e seu preparo physico e chimico; conselhos practicos sobre o uso de adubos.

Phytotechnia: propagação das plantas; afolhamento ou rotação das culturas;

cuidados culturaes; colheitas; preparo e conservação dos productos; exame das sementes; methodo de estudo para a cultura das plantas; classificação agrícola das plantas; particularidades do cultivo dos cereaes, leguminosas, gramíneas raízes, plantas têxteis; etc

Machinas Agrícolas: 1º Anno: Matérias primas de construcção, conservação

das machinas; ferramentas agrícolas para a pequena cultura; theoria do revolvimento das terras; estudo minucioso do arado em seus diversos typos; estudo das grades, cultivadores, semeadores. Ceifadores. Etc. com seus diversos typos de utilidades

2º Anno: Estudo mais desenvolvido. A relação da atmosphera com as plantas; o solo, seus typos e o modo de classifica-los; a planta; operações do solo, adubos, um estudo minucioso da cultura do trigo, do milho, do centeio etc.

Agronomia Especial: Estudo ampliado, especialmente das nossas principaes

culturas tropicaes, como café, canna de assucar, mandioca, etc. Também serão estudados os detalhes dos processos mais modernos de irrigação e drenagem.

HORTICULTURA Um curso geral: preparo do terreno para as hortas, propagação das plantas, enxertia, cultura das principaes hortaliças, trato e plantio do pomar, cultivo das principaes frutas, modos de aproveitar os mercados locaes e distantes.

BROMATOLOGIA Relação sobre a vida vegetal e a animal. Estudo das forragens próprias à nutrição doa animaes domésticos. Classificação dos alimentos. Processo de nutrição. Determinação de rações. Estudo das rações destinadas às diversas espécies de gado em relação ao trabalho.

LACTICÍNIO Divisão de Lacticínios. Escolha da raça leiteira. O leite, sua produção e composição, analyse commercial. Fabrico de manteiga e queijos. Methodos de classificação e exportação.

ZOOTECHNIA Leis biológicas. Methodos zootechnicos, elecção e cruzamento, selecção individual. Julgamento de animaes. Criação das espécies de animaes domésticos gado bovino para leite e para corte, gado cavallar, suíno e ovino. Avicultura.

VETERINÁRIA Em vista do estudo da anatomia dos animaes feito no curso de zoologia, no de veterinária o tempo todo é dedicado ao estudo das doenças e seu tratamento: doenças do cavallo, as dos órgãos digestivos, urinários, respiratórios e do systema nervoso; doenças principaes do boi e da vacca; idem do porco e do carneiro; moléstias parasitarias, applicação dos medicamentos, inoculação e vaccina. Não é mencionado no programa a clinica veterinária, mas sempre que houver casos para se tratarem, serão chamados os alumnos para assistir.

HISTÓRIA

NATURAL Phytologia: um curso geral, estudando a estructura das plantas, a sua physiologia e classificação. Começando com a cellulas, estudam-se os diferentes tecidos vegetaes, sua reunião em órgãos e as funcções destes órgãos; a relação da planta para com o solo, alimentos respiração, etc. da planta. Terminará o curso com o estudo das principaes famílias das plantas do Brazil.

Zoologia: Estudo da anatomia, physiologia, classificação, hábitos etc. dos

animaes tanto vertebrados como invertebrados, com referencia especial à agricultura e ao commercio. Daremos mais desenvolvimento ao estudo dos mammiferos, aves e insectos. No laboratório serão feitos estudos na anatomia dos principaes typos por meio de dissecções. Serão feitas collecções de insectos úteis e prejudiciaes à agricultura.

Pathologia Vegetal: estudo dos factores principaes que favorecem as

moléstias das plantas.

Geologia e Mineralogia: Um curso elementar estudando as condicções

physicas da terra, a natureza e disposição das massas mineraes, os phenomenos actuaes e suas causas e um resumo da historia da evolução da terra.

PHYSICA E CHIMICA

Physica Agrícola: physica elementar com estudo especial dos processos

mechanicos que podem ser úteis pra o agricultor. Forças e seus efeitos, hydrostatica, hydrodynamica, noções de meteorologia e de electricidade e suas applicações.

Chimica inorgânica: Estudo theorico e experimental dos elementos e

compostos de maior interesse para o agricultor. Água, ar e seus componentes; carbono, enxofre, phosphoro, sódio, potássio, chumbo, zinco, cobre, ferro e seus saes principaes.

Noções de Chimica orgânica e analytica: estudos dos principaes compostos

que são necessários para a vida das plantas e dos animaes. Este curso inclue também noções de vários processos de chimica industrial nos quaes são empregados productos agrícolas. Analyses simples.

Chimica Agrícola: Estudo theorico e experimental de adubos, alimentos e

solos. Analyses de solos para determinar os adubos que devem ser empregados.

AGRIMENSURA Medição pela cadeia, nivelamento, determinação de áreas e volumes. Levantamento de plantas.

MECHANICA ELEMENTAR

Resolução de problemas que se apresentam na vida agrícola.

DESENHOS DE CONSTRUCÇÕES

Plantas de casas, cocheiras e outras construcções ruraes.

THESES As theses são consideradas como continuação do curso de portuguez. Serão julgadas pelo professor de portuguez e pelo da cadeira a que pertencer o assumpto discutido.

Quadro 4 - Área das Disciplinas

Fonte: INSTITUTO EVANGÉLICO. Prospecto do Instituto Evangélico, 1913, p. 19-22

O currículo, por não ser um conjunto neutro de conhecimento “[...] abriga as concepções de vida social e as relações sociais que animam aquela cultura” (PEDRA, 2003, p. 45), possui história e vai se adaptando às transformações sociais, estabelecendo a relação de poder sobre o educando. De acordo com este conceito, entendemos que o currículo é o meio ou canal para transmitir conceitos e ideologia, pois reproduz identidades sociais e individuais, estabelecendo divisões, que separam e diferenciam grupos sociais em termos de classe, etnia e gênero. Daí a preocupação em entendermos a distribuição de aulas e conteúdos desenvolvidos pela escola.

Quanto aos primeiros tempos da escola, verificamos que as mudanças sofridas pelo programa evidenciavam a educação como meio e estratégia de integração e mobilização do aluno-trabalhador diante das mudanças sociais, implicadas no discurso religioso, pedagógico e político. Ao mesmo tempo em que a Escola correspondia a uma demanda social oriunda das implicações econômicas e políticas do Estado, atendia às estratégias religiosas da Missão Leste. Para o presbiterianismo a ação da Igreja na vida em sociedade é o resultado da fé em Jesus, pois esta fé implica amar a Deus e amar ao próximo, por isto a relevância social que as escolas assumiram neste contexto que reclamava a ausência de demandas sociais em função da educação.