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De que vale a preferência do Imperador?

No documento Um album imaginario = Insley Pacheco (páginas 61-64)

4. Os retratos de Insley Pacheco – entre a fotografia e a pintura

4.1. O retratista da Família Imperial

4.1.2. De que vale a preferência do Imperador?

Não se pode minimizar que a possibilidade de ter sua imagem registrada pelo mesmo retratista do Imperador, de freqüentar o mesmo estúdio, de adotar as mesmas poses, pode ser considerada um fator relevante para que os cidadãos da corte escolhessem o estabelecimento de Insley Pacheco para compor sua auto-imagem e sua imagem diante dos outros. Diante de suas lentes passaram um grande número de personalidades e integrantes das “boas” famílias fluminenses: José de Alencar, Machado de Assis, o pianista Arthur Napoleão, Gal. Osório e Visconde do Rio Branco são apenas alguns exemplos. Esta clientela também mereceu destaque em texto de Mello Moraes:103

E a família Imperial, individualidades políticas, as ilustrações do tempo, as moças mais formosas da aristocracia passaram ante as objectivas do atelier principesco, o mais notável do Rio de Janeiro, o mais completo da America do Sul.

A galeria de Insley Pacheco, em equivalência às de seus “mestres” de Nova Iorque, passa aos poucos a constituir a “galeria de brasileiros ilustres”, um pequeno panteão fotográfico, destinado a imortalizar algumas personalidades brasileiras para si mesmas, suas famílias e entre si.

Retomando o paralelo com a carreira de Mathew Brady, identificado como seu “mestre”, há outro aspecto comum a Insley Pacheco: a confiança conquistada junto ao chefe de estado. Em 1860, Brady produziu o retrato de Abraham Lincoln, utilizado em sua campanha presidencial. Mary Panzer comenta que visando melhorar a aparência de seu cliente, a imagem passou por alguns retoques para depois ser refotografada. A partir do novo negativo foram produzidos diversos cartões fotográficos, além da imagem ser reproduzida, através da xilogravura, nos cartazes de sua campanha. Existe uma anedota que, após a sua eleição, Lincoln havia dito “Brady and the Cooper Institute made me Presidente”.104 A partir de então, foram vários os retratos do presidente Lincoln produzidos por Brady ou por fotógrafos que trabalharam em seus estúdios de Nova Iorque ou Washington,105 dentre os quais, o igualmente conhecido, Alexander Gardner (c.1823- 1882).106

Tal proximidade com Abraham Lincoln possibilitou a Brady o acesso aos campos de batalha durante a Guerra Civil Norte-americana. Esta seria uma das primeiras guerras registradas pela fotografia, consagrando Mathew Brady e sua equipe de fotógrafos, como pioneiros da fotografia de guerra.107

104 PANZER, op. Cit. p. 58.

105 Em 1856, Brady abriu um novo estúdio em Washington, gerenciado por Alexander Gardner. Idem, p.10. 106 Alexander Gardner era irlandês e migrou para os Estados Unidos em 1856, aos 35 anos. Logo começou a

trabalhar no estúdio de Mathew Brady, introduzindo ali o uso da câmara solar, utilizada para a ampliação de retratos. Até 1862, dirigiu o estúdio de Brady em Washington e fez parte de sua equipe que cobriu a Guerra da Secessão. Após o rompimento com Brady, montou sua própria equipe para dar continuidade à cobertura da Guerra. Depois, inaugurou uma galeria própria em Washington e outra em Nova Iorque. Ao fim da Guerra, publicou seu Photographic Sketch Book of the Civil War, fechou suas galerias e partiu para o Oeste para fotografar a Union Pacific Railroad. Em 1873, volta para Washington, continuando em atividade até sua morte, em 1882. Informações obtidas em http://www.pbs.org/wgbh/amex/lincolns/atwar/es_camera.html

107 Anos antes, em 1855, Roger Fenton, como fotógrafo oficial, havia fotografado a Guerra da Criméia. Porém,

instruído “para não fotografar, os mortos, os doentes e os mutilados [...] não se acanhou de apresentar a guerra como uma honrosa excursão em grupo exclusivamente para homens”. In: SONTAG, S. Diante da dor dos outros. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 44.

Porém, este passo do mestre norte-americano parece não ter despertado grande interesse em seu discípulo. Apesar do Brasil ter se envolvido em conflitos em suas fronteiras ao sul, nas décadas de 1850 e 1860, os únicos registros feitos por Insley Pacheco, que fazem uma sutil referência à guerra, são dois retratos do imperador, tirados em 1865, ano em que, “em atitude inesperada”, “o imperador resolveu partir para a fronteira”108 para se juntar às suas tropas na Guerra do Paraguai. No caso de Insley Pacheco, a proximidade com D. Pedro II, fez com que ele se integrasse cada vez mais à vida da corte, abrindo assim as portas de seus salões. Com o título de cavalleiro, tornou-se um respeitável membro desta sociedade, denominado por Mello Moraes com o “aristocrata photographo”.109 Freqüentando saraus, acompanhado de artistas e letrados de seu tempo, chegou a participar de uma peça de Machado de Assis, escrita para um desses encontros, como se pode ver na apresentação, escrita pelo próprio autor.110

Esta comédia foi expressamente escrita para ser representada em um sarau literário e artístico dado a 22 de novembro do ano passado (1862), em casa de alguns amigos na rua da Quitanda.

Os cavalheiros que se encarregaram dos diversos papéis foram os Srs. Moraes Tavares, Manoel de Mello, Ernesto Cybrão, Bento Marques, Insley Pacheco, Arthur Napoleão, Muniz Barreto e Carlos Schramm. O desempenho, como podem atestar os que lá estiveram, foi muito acima do que se podia esperar de amadores. [...] O sarau era o sexto ou sétimo dado pelos mesmos amigos, reinando neste, como em todos, a franca alegria e convivência cordial a que davam lugar o bom gosto da direção e a urbanidade dos diretores.

Os saraus consistiam em espaços para se apreciar a boa música, escutar poesias, conversar sobre arte ou, como demonstra o texto, apreciar uma peça teatral. Tudo isto, permeado por discussões políticas e as mais recentes fofocas que circulavam na corte. No Segundo Reinado, os saraus, por vezes, organizados nos salões das residências ditas da alta sociedade, configuravam um momento a mais para os artistas exibirem seus talentos e se aproximarem de possíveis clientes. Porém, a freqüência não era aberta a todos. Tratava-se de um espaço para escolhidos, do qual Insley Pacheco parece ter participado, ao menos esporadicamente.

108 SCHWARCZ, L. op. cit., 299.

109 MELLO MORAES FILHO, A. J. op. cit.

Muitos dos promotores e freqüentadores destes saraus realizados na corte, passaram também diante das lentes de Insley Pacheco, fazendo-se representar no mesmo padrão e cenário que o Imperador. Ao que parece, Insley Pacheco não foi apenas mais um prestador de serviços da Casa Impe- rial. Ele reunia dois atrativos para a pessoa do Imperador: a fotografia, uma paixão desde a adolescência, e a pintura. D. Pedro II, que preferia desfrutar da companhia de artistas e pensadores aos negociantes e capitalistas,111 por diversas vezes visitou a galeria de Insley Pacheco, não apenas para ser fotografado, mas também para prestigiar alguns eventos artísticos organizados por ele. Estas visitas, sempre divulgadas pela imprensa, atribuíam maior credibilidade ao estabelecimento, aos eventos, e até, aos artistas cujos nomes se encontravam associados a ele.

No documento Um album imaginario = Insley Pacheco (páginas 61-64)