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6. Da (In)Constitucionalidade do Prazo

6.2. Debate Doutrinal

A Doutrina tem vindo a debater este tema cada vez de forma mais acalentada. Inicialmente, a maioria dos autores pronunciava-se pela constitucionalidade do prazo de caducidade125. Nesse sentido vemos o parecer126 de Guilherme de Oliveira - que nos serve de exemplo paradigmático do acompanhamento do pensamento jurídico na sua constante evolução. Porém, no que se reporta a direito comparado, já em 1995, Pires de Lima e Antunes Varela apontaram que “avolumara-se já em alguns sectores da doutrina estrangeira a tese de que a investigação, quer da paternidade, quer da maternidade, por respeitar a interesses inalienáveis do cidadão, incorporados no seu estado pessoal, não devia ser limitada no tempo”127.

Com o decorrer do tempo começamos a aperceber-nos de grandes mudanças de pensamento. Vemos, desde logo, em Guilherme de Oliveira uma mudança drástica, sendo o próprio a apontar a sua diferença de reflexão atendendo a novos argumentos e às alterações entretanto ocorridas. Prima o Autor então, e contrariamente ao que fizera no passado, pela inconstitucionalidade do prazo de caducidade. É interessante esta alteração porque a maioria

123 A favor deste juízo de inconstitucionalidade encontramos as posições de Pereira Coelho e Guilherme de

Oliveira, Curso de Direito da Família cit., pp. 252 e 253; Rafael Vale e Reis, Filho depois dos 20…!, in Lex Familiae Nº1, Ano 1, n.º 1, 2004, pp. 130 e 134; Jorge Duarte Pinheiro, Inconstitucionalidade do artigo 1817.º, nº 4, do Código Civil cit., pág. 69;

124 No sentido de que os prazos de caducidade configuram uma restrição desproporcionada do direito à identidade

pessoal e historicidade pessoal veja-se Jorge Duarte Pinheiro, O Direito da Família Contemporâneo cit., pág. 172.

125Alguns Autores nem colocavam a questão, como Tomás Oliveira e Silva, Filiação, Constituição e Extinção do

Respectivo Vínculo, Coimbra, Livraria Almedina, 1989, pp. 271 e ss., limitando-se a descrever os prazos existentes no sistema jurídico. Em abordagem semelhante encontramos José Neves e Norberto Martins, Direito da Família e dos Menores, Projecto Apoio ao Desenvolvimento dos Sistemas Judiciários, INA, 2007.

126 Cfr. Guilherme de Oliveira, Critério Jurídico da Paternidade, cit., pp. 465 e ss,

127 Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, artigos 1796.º a 2023.º, Vol. V, Coimbra, Coimbra

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dos Acórdãos128 que defendiam a conformidade constitucional do prazo suportava-se nas palavras deste Autor.

Mais recentemente Guilherme de Oliveira pronunciou-se sobre a relevância da verdade biológica, a qual tem vindo a perder peso pela maior enfâse que tem sido atribuída à verdade afectiva, ou do “amor”, como a ela chega a referir-se129. No entanto, cremos que uma não impede a outra. O Sistema Jurídico, apesar dos casos apontados pelo Autor, continua a primar pela verdade biológica, que, a nosso ver, deve andar de mão dada à verdade afectiva, ou “verdade sociológica”130, pois está na possibilidade do Direito permitir essa conciliação131.

Ora, constatamos então que a doutrina se tem vindo a inclinar, quase toda132 e à excepção de algumas vozes dissonantes, pela inconstitucionalidade do estabelecimento de um prazo de caducidade, assim como nós o fazemos.

Não olvidamos que permanecem alguns argumentos que suportam a ideia da previsão de um prazo, e que devem ser ponderados e têm o seu mérito mas, não podemos ignorar que aqueles que demolem essa construção são preponderantes no juízo de harmonização a nível constitucional. De facto, não podemos dar um maior relevo ao princípio da segurança jurídica que tantas vezes tem que sofrer entorses e restrições pelos mais diversos motivos (porque na vida a segurança não pode ser inabalável), aliado à forma como se devem ver os casos caça- fortunas (para os quais é possível tentar impedir a sua actuação). Não obstante, no que a estes concerne, sempre se dirá que podem ser caça-fortunas dentro do prazo que poderiam intentar a acção, assim como podem não o ser após o prazo. Motivo pelo qual, reiteramos, a análise deve ser cuidadosamente efectuada caso a caso, pois só no concreto se consegue aferir. Não pode o legislador presumir que após aquele prazo este intuito é o preponderante. Deve ser percepcionado no caso concreto e só nele se pode lograr obter justiça. Aliás, pode acontecer que, um ano após a maioridade, a propositura de uma acção constitua um acto qualificável como abuso do direito e, nessa medida, possam ser restringidos os seus efeitos patrimoniais

128 V.g. o Ac. do TC n.º 506/99;

129 Cfr. Guilherme de Oliveira, Critérios Jurídicos da Parentalidade cit., pp. 271 e ss.

130 Cfr. Guilherme de Oliveira, Critérios Jurídicos da Parentalidade cit., pp. 299. Não concordamos, no entanto,

quando o Autor admite valer-se desse interesse para “proteger as situações de convivência consolidadas e

favoráveis ao interesse do filho, contra a ação de impugnação”.

131 O Autor é o primeiro a reportar-se a exemplos (noutros Ordenamentos) de casos de multiparentalidade, veja-se

Guilherme de Oliveira, Critérios Jurídicos da Parentalidade cit., pp. 291 e ss.

132 Assim, e como já evidenciamos, Guilherme de Oliveira, Pereira Coelho, Rafael Vale e Reis, Cristina Dias,

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associados à sua procedência (pois os pessoais, dado que quanto a eles o abuso do direito nunca constituirá um obstáculo à sua produção133).

Alguns Autores, como Rafael Vale e Reis defendem que “a tutela adequada ao direito ao conhecimento das origens genéticas, na sua dimensão de direito ao estabelecimento de vínculos de maternidade e paternidade, exige a abolição absoluta dos prazos de caducidade para o filho investigar esses vínculos”134. Perfilhamos da mesma posição. Só na inexistência de prazo para que o investigante possa intentar a acção podem realizar-se completamente os seus direitos constitucionalmente previstos e pode, efectivamente, exercê-los. Só assim os seus direitos ficam, efectivamente, tutelados conforme lhes atribui força o art.º 18º da CRP.

Constatamos que a doutrina tem vindo a pender, quase em unanimidade, pela inconstitucionalidade da consagração de um prazo de caducidade nas acções de investigação da paternidade.

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