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2. CONFLITOS PELAS TERRAS E A DOAÇÃO FEITA À NOSSA SENHORA DA

2.1. DO DEBATE NA IMPRENSA À CARTA DE DOAÇÃO

A primeira notícia que se tem sobre as disputas por terras na região da fazenda Araçatiba foi publicada no dia 25 de agosto de 1880. Trata-se do embargo da medição das terras entre Araçatiba e Pedra Mulata (fazenda vizinha à Araçatiba, e que anteriormente pertencia à fazenda Jucuruaba), que segundo o denunciante, José Pinto de Oliveira, era injusto. Mesmo não se tratando de um problema relativo à fazenda Araçatiba, e sim no seu entorno, chama a atenção a lista dos embargantes. Segundo Oliveira, os responsáveis por tamanha injustiça eram Remigio Vieira Machado, Luciano Vieira de Gouvêa, Antonio Vieira Machado e Aprigio Machado Guimarães (Jornal O Espírito Santense, 25/08/1880). Apesar de não se conseguir informações sobre o desdobramento deste episódio é importante descrevê-lo, pois estes mesmos indivíduos, que aparecem atuando sempre em grupo, figuraram toda essa longa história de disputa por terras nesta região.

No dia 3 de novembro do mesmo ano e no mesmo jornal aparece a história já descrita no capítulo anterior a respeito do grupo de homens que vinha de Vitória para incitar os escravos da região a se libertarem. Porém, nesta mesma denúncia feita sobre este caso, pelo senhor Marciano Antonio Isidro, fica muito claro que o cerne da questão era denunciar uma ação ilícita do senhor João Pinto Neves, que segundo Isidro pretendia vender de forma ilegal parte das terras da fazenda Araçatiba. O senhor Isidro alegava que no momento em que ia à fazenda Araçatiba para resolver questões relacionadas a uma revolta de escravos, soube desses problemas sobre a venda das terras; e que o senhor Pinto Neves só tinha direito a uma sexta parte da sétima parte que pertenceu à senhora Miquelina (trata-se aqui de Miquelina Vieira de Gouvêa, filha do coronel Sebastião Vieira Machado), (Jornal O Espírito Santense, 03/11/1880).

No dia 27 desse mesmo mês, no mesmo jornal, aparece a figura de João Pinto Neves, que vinha a público responder ao senhor Marciano Antonio Isidro. Segundo Pinto Neves, Isidro equivocou-se, pois, na verdade, a senhora Miquelina tinha cinco filhos, logo ele era dono da quinta parte de uma das sete partes da fazenda Araçatiba, já que ele era casado com uma filha de Miquelina e não da sexta parte como afirmou Isidro. O mais interessante é que o senhor Pinto Neves fez o seguinte histórico da partilha das terras de Araçatiba:

A fazenda de Araçatiba por morte do Coronel Sebastião Vieira Machado coube por herança a sete herdeiros do mesmo Coronel, dos quaes alguns falecendo, forão successivamente as partes herdadas subdivididas, de modo que hoje há n’aquella fazenda herdeiros com partes na razão seguinte: o Sr. Marciano, por sua senhora, possue uma sétima parte; as duas cunhadas e D. Domiciana da Trindade cada uma, igual parte a do dito Sr. Marciano, e nas três ultimas parte tiverão por herdeiros os Srs. João Ignacio, D. Guilhermina Vieira e D. Miquelina – Estes trez últimos falecendo forão representados o 1º por 18, o 2º por 21 e o 3º por 5 herdeiros[...] (Jornal O Espírito Santense, 27/11/1880).

Curiosamente, o próprio senhor Pinto Neves continuava não ver problema algum no negócio com a parte que lhe cabia, pois não havia vendido nada. Ele alegava que somente permitiu ao senhor José Pinto Vieira Machado construir uma casa em uma parte das terras. Segundo o senhor Pinto Neves, as terras da fazenda Araçatiba “se não é um indiviso geral, é como tal considerado entre todos os herdeiros que não podem ao certo indicar a parte que lhes cabem; razão porque cada um planta onde melhor lhe convém, em comum”. Também, afirmava ainda que, em outro momento,

Isidro havia demonstrado interesse na sua parte da herança, e encerra afirmando que o senhor Isidro não iria conseguir afastá-lo de sua parte na fazenda Araçatiba (Jornal O Espírito Santense, 27/11/1880).

Isidro era casado com uma das filhas do coronel Sebastião Vieira Machado, a senhora Izabel Vieira Isidro de Gouvêa. Os senhores João Ignacio, Dona Guilhermina e Dona Miquelina, filhos do coronel Machado, figuravam como os ascendentes dos 44 herdeiros descritos pelo senhor Pinto Neves. Essas 44 pessoas passaram a responder pela herança após a morte de seus pais, como descrito acima; e juntos compunham três sétimas partes das terras da fazenda Araçatiba. As outras três estavam divididas entre três filhas do coronel Sebastião Vieira Machado: Izabel Vieira, esposa de Isidro; Dona Amélia Vieira de Gouvêa e Dona Clara Vieira de Gouvêa; e por fim, uma parte pertencia à Dona Domiciana Rodrigues da Trindade, que segundo o Jornal O Espírito Santense, era mãe de Marcellino Vieira de Gouvêa Machado, filho do coronel Sebastião, e havia falecido, deixando a sua parte na herança para Dona Domiciana conforme registrado (Jornal O Espírito Santense, 15/05/1886).

Diante da complexidade de se entender esta divisão de terras destacam-se as disputas que se deram entre dois grupos de herdeiros: o primeiro encabeçado pelo senhor Isidro, e o segundo por uma parte dos outros 44 herdeiros19. Como já mencionado anteriormente, esses indivíduos aparecem atuando em grupo; enquanto o “coronel Isidro” consta como representante de sua esposa e suas cunhadas Dona Amélia Vieira e Dona Clara Vieira. O segundo grupo é composto por filhos dos falecidos João Ignácio, Miquelina e Guilhermina. Se pensarmos em termos quantitativos, os “herdeiros das terras comuns” e o “coronel Isidro” representavam cada grupo três sétimas das terras da fazenda Araçatiba, ou seja, cada qual tinha quase a metade da propriedade desta fazenda. Destaco também aqui os “herdeiros de Dona Domiciana20” que têm uma sétima parte da herança, mas aparecem de forma esporádica nesse embate e de forma isolada ou como beneficiários dos

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Doravante chamarei em todos os momentos que me referir ao grupo representado pelo senhor Isidro, como o grupo do “coronel Isidro”, pois é assim chamado em algumas das fontes entre os anos de 1893 a 1894; porém quando for mencionado na documentação anterior a 1893 o chamarei de senhor Isidro, seguindo o tratamento dado pela fonte. Já o outro grupo, formados por 44 herdeiros, chamarei de “herdeiros das terras comuns”, pois assim irão defender o uso das três sétimas partes que lhes pertencem. Farão essa defesa até o fim desse debate na imprensa.

20 Utilizarei a expressão “Dona” todas as vezes que referir-me à Domiciana Rodrigues da Trindade, pois assim é tratada nas fontes. E utilizarei “herdeiros de Dona Domiciana”, todas as vezes que fizer referência à atuação coletiva de seus netos.

interesses do “coronel Isidro”. Por não terem representatividade quantitativa de terra em relação aos outros, analisou-se as intervenções destes herdeiros na medida em que surgiram durante a pesquisa documental. Porém se ressalta a figura de Luciano Vieira de Gouvêa, um dos cinco “herdeiros de Dona Domiciana”, que atuou paralelamente junto aos “herdeiros das terras comuns”.

No jornal A Província do Espírito Santo, no dia 27 de julho de 1884, Basílio Daemon – o redator na época – escreveu que muitos sabiam que as terras de Camboapina, Araçatiba, Jucunema e Jucu estavam sendo tratadas como indivisas, chegando algumas partes a serem usadas como terras comuns; e que tal se sucedeu porque propositalmente desapareceram com o Livro de Tombo com toda descrição de compras, vendas, arrematações e divisões destas terras pertencente aos jesuítas. Daemon, também, afirma que fez algumas investigações e, por intermédio de um amigo, conseguiu uma cópia do Livro de Tombo, que pretendia a partir daquele dia torná-la pública. Daemon publicou o primeiro documento a respeito da divisão de terras em Camboapina, datado de 22 de janeiro de 1817 (Jornal A província do Espírito Santo, 27/07/1884). Sete dias depois, Daemon publicou o documento de arrematação da “Grande fazenda Araçatiba”, de 1780 (Jornal A província do Espírito Santo, 03/08/1884). Mais tarde essa documentação compôs em parte a grande obra, de autoria de Bazilio Daemon, Província do Espírito Santo.

A forma como Daemon aborda a questão é reveladora do modo como essas terras eram tidas como indivisas propositalmente, pois facilitava a venda de uma ou mais vezes do mesmo quinhão. Apenas se comprava uma parte, mas o restante era apropriado, pois não se sabia o real limite das terras.

2.2. REPRESENTANTES DOS GRUPOS ENVOLVIDOS NA DISPUTA