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O DEBATE SOBRE A HISTORICIDADE DO SERVIÇO SOCIAL NOS PERIÓDICOS DA ÁREA

Os homens fazem, a sua própria história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições escolhidas por eles, mas nas condições dada diretamente e herdadas pelo passado. A tradição de todas as gerações sobrecarrega o cérebro dos vivos. (KARL MARX)

A análise histórico-crítica da profissão, como movimento e processo, na realidade brasileira é dimensão central dos Fundamentos do Serviço Social, sendo um dos eixos temáticos que mais aglutina produções nos periódicos. Dentre as mesmas, é possível identificar seis tendências empíricas na abordagem da historicidade do Serviço Social24, cuja

caracterização encontra-se sistematizada no quadro 8. A construção da análise de conteúdo e a discussão deste capítulo articularam as informações do conjunto destes artigos, tendo em vista analisar integradamente cada tendência empírica da produção, tendo a história como veio articulador25.

Dessa forma, optou-se por uma análise temática e frequencial sobre as matrizes teórico-metodológicas que influenciaram a profissão, as características históricas das escolas e da formação profissional, as configurações e tendências do trabalho profissional, bem como a organização político-profissional ao longo da trajetória da profissão, as quais consistem em elementos emergentes das próprias tendências empíricas da produção, relacionadas às dimensões constitutivas da profissão compreendida como totalidade histórica (cf. cap. 2.) Para tanto, foram considerados três grandes momentos significativos da historicidade do Serviço Social (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008): a gênese e institucionalização da profissão, abarcando o período aproximadamente compreendido entre as décadas de 1930 e meados dos anos 1960; a profissão sob o contexto da ditadura militar, especialmente entre as décadas de 1960 e 1970; e o Serviço social na conjuntura contemporânea, compreendendo o período dos anos 1980 a atualidade.

24 O material coletado na pesquisa engloba 48 documentos, sendo estes 34 artigos publicados na Revista Serviço Social e Sociedade, 10 materiais oriundos da revista Temporalis e ainda 4 produções da Revista Textos e Contextos. Deste universo de artigos, a análise de conteúdo foi realizada a partir de amostra de aproximadamente 30% do conjunto dos documentos, totalizando 15 artigos selecionados. Os critérios adotados para a seleção dos mesmos consideram a proporcionalidade numérica de artigos por dimensões empíricas da produção, o número de publicações por revista – tendo em vista uma maior representatividade do conjunto de documentos – bem como a diversificação de temáticas contidas em cada dimensão empírica da produção.

25 Tendo em vista a extensão dos dados analisados, optou-se por privilegiar na exposição o debate sobre a historicidade da profissão, sendo somente tematizados, em linhas gerais, alguns aspectos das conjunturas históricas destes três momentos significativos, pois estes contam com extensa literatura seja no Serviço Social, como nas demais áreas. Entre as produções que elucidam o contexto histórico destaca-se: Iamamoto, Carvalho (2012), Netto (2004), Couto (2004), Fausto (1998), Carvalho (2001).

Quadro 8 - Caracterização da produção sobre a historicidade do Serviço Social

Dimensões empíricas da produção

Autores, ano Amostra de 30% dos 48 documentos para análise

Trajetória das Escolas de Serviço

Social (14 documentos)

Betetto (2010); Bravo, Freire (2008); Cornelly (2002); Freitas et al (2009); Jacometti (2009); Lima (2006); Martinelli (2002); Mendes, Aguinky, Couto (2008); Miguel; Ribeiro (2008); Nascimento (2009); Pereira (2009); Silva, Batini (2008); Teixeira (2008); Vieira (2008);.

Faculdade da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (MENDES; AGUINKY; COUTO, 2008) – Revista Serviço Social e Sociedade

Faculdade da Universidade Católica de Goiás (MIGUEL; RIBEIRO, 2008) – Revista Serviço Social e Sociedade Faculdades das Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro (BRAVO; FREIRE, 2008) – Revista Serviço Social e Sociedade

Faculdade da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LIMA, 2006) – Revista Serviço Social e Sociedade

Trajetória da profissão na realidade brasileira

(7 documentos)

Yazbek, Martinelli, Raichelis (2008); Bulla (2003); Silva e Silva (1994); Yazbek (2006a); Silva e Silva (2008); Bulla (2008); Yazbek (2006b).

Serviço Social no movimento histórico da sociedade brasileira (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008) – Revista Serviço Social e Sociedade

Serviço Social no movimento histórico da sociedade brasileira (BULLA, 2003) – Revista Textos e Contextos

Movimentos significativos na trajetória histórica da profissão (7 documentos) Abramides, Cabral (2009); Boschetti (2009); Bravo (2009); Braz (2009); Faleiros (2005); Netto (2005); Netto (2009).

Movimento de Reconceituação do Serviço Social (NETTO, 2005) – Revista Serviço Social e Sociedade

III CBAS e movimento de ruptura com o conservadorismo (BRAVO, 2009) – Revista Serviço Social e Sociedade

Organização e articulação político- profissional dos assistente s sociais (12 documentos) Abreu (2008); Abramides (2009); Batistoni (2003); Braz, Matos (2008); Cornely (2003); Ferreira (2003); Iamamoto (2003); Koike (2006); Lopes (2003); Pagaza (2003); Ramos (2006) Vinagre (2009).

Trajetória e lutas da ABEPSS (ABREU, 2008) – Revista Serviço Social e Sociedade

Organização sindical dos assistente s sociais (ABRAMIDES, 2009) – Revista Serviço Social e Sociedade

Conselhos de fiscalização profissional (Vinagre, 2009) – Revista Serviço Social e Sociedade

Trajetória da organização político-acadêmica latino-americana (CORNELY, 2003) – Revista Temporalis

Profissão na conjuntura contemporânea (7 documentos)

Barroco (2011); CFESS (2011a); Faleiros (1999); Guerra (2007); Netto (2004); Netto (1996); Ramos (2005).

Transformações societárias e Serviço Social (NETTO, 1996) – Revista Serviço Social e Sociedade

Projeto profissional crítico e condições contemporâneas da prática profissional (GUERRA, 2007) – Revista Serviço Social e Sociedade Abordagem histórica da definição de Serviço Social (1 documento)

Faleiros (2011a) Concepções e definições de Serviço Social (FALEIROS, 2011a) – Revista Serviço Social e Sociedade

O período caracterizado como de gênese e institucionalização do Serviço Social, compreendendo a década de 1930 até meados dos anos 1960, é tematizado por 8 de 15 documentos. Dentre este período, destaque especial é dado para o processo de constituição das primeiras escolas de Serviço Social no país, cuja abordagem nas produções analisadas (6 de 15) se entrelaça com o próprio debate do processo de gênese da profissão.

É preciso considerar que a criação das primeiras escolas, em si mesmas não significa, imediatamente, a criação da profissão, mas sim “revela momentos específicos de um processo de maturação que atinge um ponto qualitativamente novo, quando a profissão começa a se colocar sua própria reprodução de modo mais sistemático” (CASTRO, 2011, p. 35). Como analisa Netto (2011), o fundamento objetivo da profissionalização do Serviço Social não se situa em um processo evolutivo de qualificação das práticas de filantropia, mas sim nas condições históricas mais amplas da ordem monopólica que engendram a demanda objetiva para a emersão desta profissão na divisão sociotécnica do trabalho, ordem esta marcada pelo traço intervencionista do Estado junto à questão social, mediante as políticas sociais.

Trata-se, portanto, como também analisam Iamamoto e Carvalho (2012), da apreensão da gênese e desenvolvimento da profissão frente à questão social, do amplo processo de constituição da classe operária e sua emersão política no cenário brasileiro da década de 1930, exigindo o seu reconhecimento pelo Estado, delineando um papel particular para o Serviço Social enquanto mecanismo das classes dominantes, para o exercício de seu poder junto à classe trabalhadora. Mas, como destacam os autores (2012), a implantação da profissão não se baseia primeiramente em medidas emanadas do Estado, mas sim da iniciativa de grupos e frações de classe por intermédio da Igreja Católica que não conferem legitimidade à emergente profissão, o que demarca um traço de imposição como especificidade da criação desta profissão, dada a ausência de demanda objetiva por parte dos grupos sociais a quem a mesma se destina.

Dados estes pressupostos sobre a gênese da profissão, as informações aportadas pelos documentos sobre a constituição das escolas reiteram alguns elementos já discutidos na literatura da área (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012; AGUIAR, 2011; CASTRO, 2011), especialmente no que se refere às escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro, as primeiras do país, mas também registram algumas particularidades regionais. Neste horizonte, a primeira escola brasileira é constituída em São Paulo, no ano de 1936, tendo como antecedentes o Centro de Estudos e Ação Social (CEAS), criado em 1932, o qual objetivava a difusão da doutrina e da ação social da Igreja Católica, num contexto de mobilizações e agitações

políticas que caracterizam a revolução paulista (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008).

No ano seguinte, tem-se a constituição da segunda Escola de Serviço Social no Rio de Janeiro – hoje faculdade da PUCRJ – articulada ao curso de formação familiar do Instituto Social do Rio de Janeiro, cuja criação foi mobilizada pela realização de “Semanas Sociais” promovidas pela Ação Católica carioca (BULLA, 2008). A constituição do curso de preparação para o Trabalho Social, na Escola de Enfermagem Anna Nery (1940), e a criação da Escola de Assistência Social Cecy Dodsworht (1944) – incorporadas à UFRJ e UERJ, respectivamente – faz-se por meio da atuação mais direta do poder estatal, figurando como as primeiras escolas públicas de Serviço Social no país (BRAVO; FREIRE, 2008).

A natureza particular da criação destas últimas escolas, com participação mais direta de instituições públicas, tais como Juizados de Menores e órgãos públicos vinculados à saúde, relaciona-se diretamente com o contexto do Rio de Janeiro, como já registraram Iamamoto e Carvalho (2012), tendo em vista esta cidade, à época capital do país, possuir um maior desenvolvimento da infraestrutura de serviços públicos.

À semelhança da constituição da primeira escola carioca, também os centros formadores de Porto Alegre e Natal, ambos criados no ano de 1945, tiveram como antecedentes a realização de Semanas Sociais, embora a última tenha contado com uma maior atuação da Legião Brasileira de Assistência na sua constituição, inclusive sendo esta a mantenedora da escola até sua incorporação à Universidade Federal do Rio Grande do Norte (LIMA, 2006; MENDES; AGUINSKY; COUTO, 2008). A constituição mais tardia da escola de Goiás, em 1957, contará, além do suporte da Igreja local, com o protagonismo do patronato da região, especialmente por meio do SESI e SESC, indicando a própria demanda de trabalho emergente para a profissão neste contexto (MIGUEL; RIBEIRO, 2008).

Na sequência da análise, a abordagem do trabalho profissional neste período histórico é registrada por 5 de 15 documentos, especialmente através das parcerias estabelecidas pelas escolas de Serviço Social, com as emergentes organizações e serviços de iniciativa privada e estatal, que passam a demandar este trabalho especializado, evidenciando, assim, o próprio processo de constituição e consolidação do mercado de trabalho desta profissão. Há de considerar, neste processo, que a própria atuação estatal impulsiona a profissionalização do assistente social, através da ampliação dos campos de trabalho e da diversificação da população usuária, em função das novas formas de enfrentamento da questão social, pela via das políticas sociais (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008).

Assim, os principais espaços sócio-ocupacionais da profissão, no período da sua gênese e institucionalização, são sintetizados a seguir:

Nos primeiros tempos, os Assistentes Sociais trabalhavam principalmente nas instituições da Igreja Católica (...). Esse profissional foi sendo absorvido pelas instituições do Estado (...). Os campos da saúde e jurídicos foram os privilegiados, tanto que o Serviço social passou a assumir características paramédicas e parajurídicas. (...). Além disso, atuava na área da Educação, na Habitação, na Assistência e até na área da Agricultura, em trabalhos de Extensão Rural (programas desenvolvimento de comunidades rurais). O Estado passou a ser então o grande empregador. Mas o Assistente social também ocupava outros espaços profissionais, em grandes organizações, como as associações patronais da Indústria (...). Outra grande fonte de empregos dos profissionais da área foi a Legião Brasileira de Assistência. (...). Paralelamente a essas instituições governamentais ou subsidiadas, quase que exclusivamente por verbas públicas, existiam outras instituições particulares, ligadas às organizações religiosas e privadas com os mais variados objetivos na área social (BULLA, 2008, p. 8).

Estes emergentes espaços de trabalho possuíam interface com as escolas de Serviço Social, seja no campo de atividades interventivas que compunham a formação, como através da contração dos egressos das mesmas. Na realidade de São Paulo, a constituição da primeira escola brasileira de Serviço Social já ocorre em meio à participação ativa do CEAS na criação de centos operários e familiares, que se figuraram como os primeiros campos de estágio (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008).

Na realidade do centro-oeste se verifica o forte vínculo das escolas com experiências de reforma agrária, em parceria com a Igreja Católica local, e ainda suporte na estruturação do SESC e SESI (MIGUEL; RIBEIRO, 2008), bem como se registra, no nordeste, a participação da escola em centros sociais, assistência a presídios, clubes de mães e obras sociais com ênfase para o atendimento da mulher e da infância, além de serviços de assistência rural, todos desenvolvidos também em conjunto com a igreja (LIMA, 2006).

Estes campos de trabalho expressam o próprio processo de expansão das grandes instituições assistenciais, especialmente a partir da ditatura varguista do Estado novo, com a progressiva presença do Estado na regulação das tensões decorrentes do conflito entre capital e trabalho, seja no plano da legislação trabalhista com ênfase para trabalhador urbano, como na expansão da assistência social sob a marca do clientelismo e do primeiro damismo, juntamente com criação das instituições sociais patronais, tendo em vista a formação e adequação da mão de obra para as exigências do processo de acumulação capitalista (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012).

Portanto, nesse contexto, o Serviço Social é reconhecido como profissão liberal, mas sua inserção majoritária deste então já ocorre em instituições públicas e privadas,

caracterizando seu perfil assalariado, embora o forte vínculo com Igreja, a valorização de qualidades morais e do “altruísmo” tenham jogado forte peso na obstrução da própria compreensão da relação mercantil, que já presidia as relações de trabalho dos assistentes sociais (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008). Ou seja, o exercício da profissão visto como vocação, a ação embasada em um humanismo cristão que não apreende as bases materiais da realidade, construindo-se certa mística em torno da profissão, como denominam Iamamoto e Carvalho (2012, p. 246): “os modernos agentes da caridade e da justiça social”.

Neste quadro histórico, como registram os documentos analisados (6 de 15), os principais referenciais que orientam a profissão são oriundos do pensamento da Igreja Católica, com forte influência do Serviço Social europeu no período de constituição das primeiras escolas. Esta influência será gradualmente conjugada com a vertente norte- americana, especialmente na segunda metade da década de 1940, e, somente no final dos anos 1950 o desenvolvimento de comunidade terá maior repercussão na profissão, como também ressaltam os documentos.

No que se refere ao pensamento social da Igreja, sua persistente influência ao longo de todo este período histórico ancora-se na relação orgânica estabelecida entre as organizações católicas e a profissão (como já ressaltado na gênese das escolas), como um elemento determinante na estruturação do perfil da profissão no país, impactando no ideário e na formação dos assistentes sociais (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008).

Trata-se, portanto, da incorporação, pela emergente profissão, do posicionamento reformista e conservador da Igreja Católica frente à questão social, que busca a retomada de sua influência na vida social no quadro das transformações político-econômicas que marcam a conjuntura de 1930. Este posicionamento, como analisam Iamamoto e Carvalho (2012), funda-se na adaptação das Encíclicas Sociais26 Rerum Novarum e Quadregesimo Anno à

realidade nacional, tendo em vista munir a hierarquia da Igreja e o movimento laico de propostas frente aos problemas sociais, formulando uma visão cristã corporativa para o desenvolvimento harmônico da sociedade, uma terceira via antiliberal e antissocialista.

No período em tela há um “embricamento da teoria e metodologia do Serviço Social com a doutrina da Igreja e com o apostolado social” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012, p.231), cujo traço mais saliente consiste na hipertrofia da dimensão moral na compreensão da realidade, ou seja, a substituição da “análise da realidade e prática social para o enfrentamento da questão social por valores, exigências, isto é, por uma apreensão moral dos fenômenos sociais” (Ibidem, p.243), na qual a pobreza é apreendida como patológica, como uma anomia,

dada a desconsideração da dimensão material das relações sociais. O trabalho profissional deste período tem um efeito ideológico de ajustamento às relações sociais vigentes, pautando- se em ações educativas voltadas para o indivíduo e a família, compreendendo a questão social como problema moral e de responsabilidade individual (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008).

Tal doutrina social da Igreja, no plano filosófico, tem como base o neotomismo, cujos conceitos de pessoa humana e bem-comum tiveram ampla repercussão no Serviço Social, expressando-se em disciplinas como Doutrina Social, Moral, Ética vigentes nos currículos das escolas neste período, no intercâmbio direto de expoentes nacionais do pensamento neotomista nas escolas (AGUIAR, 2011), bem como no campo da primeira normatização ética de 1948 (BARROCO, 2006).

Trata-se, portanto, de perspectivas presentes também no Serviço Social europeu, o qual teve forte incidência na constituição das escolas e na consolidação das mesmas. Em São Paulo registra-se que a primeira escola é constituída se valendo de experiências vivenciadas por meio do intercâmbio com escolas da Bélgica e da França (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008), assim como a primeira escola do Rio de Janeiro contou com a participação de equipe francesa na sua fundação (AGUIAR, 2011).

Esta influência europeia é reforçada pela União Católica Internacional de Serviço Social (UCISS), fundada em 1925, que passa ter articulação com as escolas brasileiras, que adotam suas concepções sobre o Serviço Social e suas recomendações para a organização da formação profissional (AGUIAR, 2011), cuja orientação difundida impacta no Brasil no delineamento de uma concepção de “adaptação do indivíduo ao meio e do meio do indivíduo, numa perspectiva de ‘restauração e normalização da vida social’” (YAZBEK; MARTINELLI; RAICHELIS, 2008, p. 11).

Como destacam Iamamoto e Carvalho (2012), o autoritarismo, o doutrinarismo e a ausência de base técnica que marcam os primeiros núcleos profissionais paulistas e cariocas são frequentemente atribuídos à influência europeia27, mas há de se considerar que estes

traços não são mera transposição de concepções externas à realidade brasileira. A assimilação das referidas características, refletem, sobretudo, a ideologia e a posição da classe dominante brasileira que constitui o bloco católico brasileiro, especialmente seu segmento feminino, cuja origem de classe “lhes confere uma superioridade ‘natural’ em relação às populações pobres e

27 Para uma análise das diferenças teórico-metodológicas entre o Serviço Social europeu e o norte-americano consultar Martinelli (2003, p. 96-121) e Netto (2011, p. 144-145).

legitima a forma paternalista e autoritária da sua intervenção” (IAMAMOTO; CARVALHO, 2012).

Data deste contexto, como registram Bravo e Freire (2008), a primeira obra sobre Serviço Social editada no Brasil, em 1939 (Serviço social, infância e juventude desvalidas) da professora Maria Esolina Pinheiro, uma das pioneiras da profissão, cuja formação religiosa não era católica, vinculada à antiga escola Cecy Dodsworth (atual UERJ). Nesta obra (PINHEIRO, 1985, p. 17), o Serviço Social é entendido como um “órgão controlador de desequilíbrios, porque age dentro de cada necessidade social, visando reconduzir os desajustados à vida normal”, tendo no fortalecimento da personalidade sua ideia definidora, buscando o reerguimento do equilíbrio do indivíduo.

Embora referido tangencialmente pelos documentos, um elemento emergente no âmbito dos referenciais que marcam este período da profissão consiste na interface entre o Serviço Social e a saúde pública, o que se evidencia na constituição da primeira escola latino- americana no Chile, fundada por um médico (CORNELLY, 2003; CASTRO, 2011), na experiência de formação inicial comum com a enfermagem no Rio de Janeiro, na escola Anna Nery, dando origem à Escola de Serviço Social da Universidade do Brasil, atual UFRJ (BRAVO; FREIRE, 2008), bem como na persistência de disciplinas de higiene nos currículos das escolas (SÁ, 1995).

Além disso, a influência da saúde remonta às práticas embrionárias que marcam a gênese do Serviço Social europeu e norte-americano, dentre as quais se ressalta a incorporação da visita domiciliar28 na Europa e de uma atuação marcada pelo trinômio

higiene, educação e saúde nos Estados Unidos (MARTINELLI, 2003). Estes traços evidenciam a influência do higienismo no Serviço Social, perspectiva pouco problematizada na literatura da área (VASCONCELOS, 2000), com uma vertente da saúde pública neste contexto histórico que impacta na profissão, perpassando não só a formação, como também as práticas na área da saúde, da assistência e da habitação, em meio ao processo de constituição e urbanização das cidades brasileiras.

Na sequência da análise, registra-se que as demais escolas constituídas na década de 1940 recebem simultaneamente as influências das organizações católicas locais e das experiências das escolas pioneiras de São Paulo e Rio de Janeiro, inspiradas no Serviço Social europeu. Os documentos analisados evidenciam que os impactos destas influências se

28 As ações de Florence Nightingale, pioneira da enfermagem inglesa e da prática de visita domiciliar, tiveram impacto nas atividades das organizações de caridade inglesa e, posteriormente, influenciaram as formulações de Mary Richmmond (MARTINELLI, 2003).

expressam na forte penetração do pensamento neotomista de Jacques Maritain29 nas

disciplinas da escola (MENDES; AGUINSKY; COUTO, 2008), como também na difusão da referida obra de Maria Esolina Pinheiro na formação (LIMA, 2008).

A década de 1940, especialmente a partir da realização da Conferência Nacional de Serviço Social em Atlanta, em 1941, é marcada pela crescente influência da vertente norte-