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CAPÍTULO I AS CONCEPÇÕES MARXIANAS DE HOMEM, DE MUNDO E DE

2. A CRÍTICA À ECONOMIA POLÍTICA DA EDUCAÇÃO: a emergência da concepção

2.1. O debate terminológico

Esta disputa – que não tem um caráter exclusivamente semântico ou filológico, mas que é carregada de um aspecto ideológico, como veremos a seguir – tem origem nos estudos que Mario Alighiero Manacorda (MANACORDA, 1996) empreende sobre o emprego das expressões educação politécnica e educação tecnológica para designar a concepção de educação que decorre do desenvolvimento da concepção materialista dialética da história de Marx e Engels. Nesses estudos, Manacorda proclama o entendimento de que a expressão educação tecnológica se aproxima mais da forma como a filosofia ou o pensamento marxiano concebeu a educação, chegando mesmo a afirmar que o termo escola politécnica diz respeito à escola “doada” pela

burguesia aos filhos dos trabalhadores que, de forma limitada, apresentava o conteúdo pedagógico da educação tecnológica (Op. cit., p. 31-32).

No entanto, a apropriação e a ressignificação dessa expressão efetuadas pela burguesia fazem com que, hoje, seu uso nos remeta, quase que imediatamente, à concepção burguesa de educação, a qual julgamos necessário superar. Por isso, autores como Dermeval Saviani, sem desconsiderar a validade das distinções efetuadas por Manacorda, entendem que, grosso modo, essas expressões podem ser consideradas sinônimas e, assim, preferem o uso da expressão educação politécnica uma vez que, ao contrário da expressão educação tecnológica, essa expressão ainda guarda alguma associação com o socialismo de Marx e Engels ou, em outras palavras, não estaria associada diretamente à concepção burguesa de educação:

“De fato, quem, ao ouvir alguém se posicionar em defesa de uma educação de caráter tecnológico, concluiria tratar-se de uma posição socialista? O inverso, contudo, não deixa de ter procedência: a defesa de uma educação politécnica tende, imediatamente, a ser identificada com uma posição socialista” (SAVIANI, 2003, p. 146).

Há não muito tempo, esse debate sobre o uso de uma ou outra expressão (educação politécnica ou tecnológica) para designar a proposta de educação vinculada ao materialismo histórico voltou à cena através de um texto do professor Paolo Nosella, referente a uma Conferência realizada no I Encontro Internacional de Trabalho e Perspectivas de Formação dos Trabalhadores ocorrido em setembro de 2006 na Universidade Federal do Ceará, publicado em 2007 (NOSELLA, 2007) e outro, do professor Dermeval Saviani, encomendado pelo GT Trabalho e Educação da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) e apresentado em sua 29ª Reunião, ocorrida no dia 17 de outubro de 2006, publicado também em 2007 (SAVIANI, 2007a).

No primeiro texto, o professor Nosella, apoiado numa releitura de textos de Marx e Engels, Lênin, Gramsci, Mário Alighiero Manacorda, dentre outros, tece suas críticas – de

natureza semântica, histórica e política – aos que ainda se arvoram ao uso da expressão politecnia para expressar o horizonte da política educacional marxista e socialista, considerando-o inadequado por não traduzir “semanticamente as necessidades de educação da sociedade atual” e, mais ainda, por ser “insuficiente para explicar os riquíssimos germes do futuro da proposta educacional marxiana” (NOSELLA, 2007, p. 150).

Segundo esse mesmo autor, o uso das expressões omnilateral e unitária, para este caso, seria mais apropriado por expressarem, mais acentuadamente, a ideia de conjunto e de integração dos aspectos mais importantes que a fórmula pedagógico-escolar marxista quis indicar, e que se apoia, fundamentalmente, na categoria antropológica de “liberdade plena para todos os homens” (id., p. 148).

No segundo texto, ao final, Saviani, em respostas às críticas de Nosella, reitera sua opção pelo uso da expressão educação politécnica apresentada em seu texto O choque teórico da politecnia (SAVIANI, 2003), explicando que em suas análises não se deteve na etimologia da palavra, através da qual, como ele mesmo reconhece, de fato, politecnia não pode ser confundida com tecnologia. Enquanto a primeira, literalmente, significa múltiplas técnicas, multiplicidade de técnicas, a segunda, significa o conhecimento da técnica, ciência da técnica ou técnica fundamentada cientificamente. No entanto, do ponto de vista semântico, isto é, do ponto de vista do estudo da evolução histórica do significado das palavras, o sentido atribuído ao termo politecnia assumiu um caráter eminentemente marxiano, especialmente após Lênin tê-lo adotado em todas as traduções oficiais dos textos de Marx em russo e como terminologia oficial para o ensino na perspectiva do socialismo na ex-URSS, como, aliás, o próprio professor Nosella reconhece no seu texto:

“Embora o sentido geral que Lênin deu ao termo fosse genuinamente marxista, na escolha do termo influíram problemas

de caráter filológicos (de tradução) bem como uma política educacional que, inspirada no iluminismo e positivismo, privilegiou a preocupação com a indústria nascente. Outras razões também devem ter influenciado Lênin na escolha do termo ‘politecnia’, mesmo porque as escolas politécnicas da União Soviética eram, apesar de tudo, as escolas que melhor funcionavam” (NOSELLA, 2007, pp. 146/7).

Assim, respeitando seu significado semântico, que deixou de corresponder ao seu sentido etimológico, Saviani articula, sob o conceito de politecnia, os sentidos etimológicos atribuídos por Marx para educação politécnica e educação tecnológica quando afirma que politecnia diz respeito “aos fundamentos científicos das múltiplas técnicas que caracterizam a produção moderna” (SAVIANI, 2007a, p. 164).

Ao levarmos em conta os argumentos de Saviani e Nosella e mesmo considerando os estudos e as preocupações filológicas de Manacorda – dentre as quais a possibilidade da associação do termo politecnicismo a uma formação meramente pluriprofissional/polivalente ou que se refira à “disponibilidade para os vários trabalhos ou para as variações dos trabalhos” (MANACORDA, 1996, p. 32) – optamos, até que os estudos que desenvolvemos aqui – ou outros estudos de outros autores – apontem, de uma maneira definitiva, qual das expressões é a mais apropriada, por usar as expressões educação politécnica ou politecnia e, também, educação omnilateral, quando quisermos nos referir à concepção marxiana de educação, ou, em outras palavras, quando quisermos nos referir à concepção de educação que defendemos como necessária e que tem como base os fundamentos científico-tecnológicos e sócio-históricos da produção material da existência humana. Essa decisão tem, exatamente, o objetivo de contemplar as preocupações aqui sinalizadas e eliminar qualquer possibilidade de confusão quanto a que tipo de concepção de educação (burguesa ou socialista) iremos defender e a que tipo de concepção de educação nos referimos quando utilizamos as expressões educação politécnica, politecnia ou educação omnilateral.