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CAPÍTULO I PODER IMPERIAL E TRIUNFO – FESTA E LEGITIMIDADE

1.3 A FESTA COMO LEGITIMAÇÃO DO PODER I MPERIAL C ELEBRAÇÃO TRIUNFAL

1.3.2 Os decennalia

O espetáculo visual dispensa as palavras e, como produtor de memória, expressa uma maneira de representar o mundo e a sociedade, sua ordem e os agentes que o armazenam. Neste sentido, podemos somar ao triunfo, uma cerimônia pública em Roma, o jubileu decenal, que também enfatizou a lembrança da vitória, a imagem de unidade e, sobretudo a soberania de Roma e de seus Imperadores (BALANDIER, 1994, p. 23).

A celebração do triunfo de Vespasiano e Tito foi um instrumento útil para assinalar a derrota dos inimigos de Roma na guerra civil, que colocou a nova dinastia Flávia no governo em 69 d.C. Analogamente, Séptimio Severo, expôs publicamente sua vitória sobre os demais concorrentes, não em celebração triunfal, porém em uma cerimônia não menos suntuosa, como os jubileus decenais que ocorreu no início do ano de 202. Esta comemoração foi iniciada no governo de Otávio Augusto.

Septímio havia recebido do Senado e do povo romano a honra de ter um

imperium legal por dez anos e este foi renovado por mais dez anos e assim

sucessivamente. Motivo para a celebração de uma grande festa, ainda que na época de Septímio esta festa já havia se separado da concessão do imperium, todavia se manteve pela tradição. Desta forma, Severo parece emular de muitas maneiras Augusto na manutenção de seu governo.

Septímio teria recusado as honras do triunfo oferecidas pelo Senado, sob a alegação de que sofria de gota e de outras doenças da articulação e, portanto, não suportaria ficar de pé sobre o carro triunfal durante o cortejo. Porém, nos decennalia, Severo recebeu mais honras do que se tivesse feito uma procissão do triunfo e essa opção reforçou sua imagem de proximidade com os aristocratas e de defensor dos costumes tradicionais e a ideia de permanência no governo por dez anos velou o desejo de glória. Na visão de Cícero, uma recusa ao triunfo poderia representar um desdém aos valores tradicionais, mas não nos parece que a imagem de Septímio tenha sido afetada pela sua atitude (GONÇALVES, 2002, p. 215-6, BEARD, 2007, p. 218).

Por intermédio do relato de Dion Cássio, podemos ter uma compreensão da pompa desta celebração. Severo presenteou a plebe e os soldados da

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guarda pretoriana com moedas em ouro em igual número aos anos de seu governo. Orgulhava-se desse feito, já que nenhum Imperador oferecera a população tal montante. Na ocasião, celebraram-se as núpcias de seu filho Caracala com Plautila, filha do Prefeito do Pretório, Plautiano. O dote transportado do Fórum ao Palácio era uma quantia suficiente para garantir o casamento de cinqüenta princesas. Desta forma, Platiano expôs publicamente sua riqueza. Essa celebração, oportunamente, fornecia à população imperial uma imagem de segurança e continuidade da dinastia no poder, através de outras gerações, e da estabilidade familiar, capaz de manter a ordem. Isso pode ser comprovado em muitas moedas da época, que registraram essa imagem.

Por essa época aconteceu todo o tipo de espetáculos em honra ao retorno de Severo e à comemoração dos seus primeiros dez anos de poder e de suas vitórias. Nestes espetáculos, lutaram sessenta javalis selvagens e entre muitas feras mortas um elefante e um corocotta (krolóttas em grego), uma espécie indiana, que foi então introduzido em Roma pela primeira vez e foi descrito por Dion Cássio, como um animal bastante exótico. No centro do anfiteatro foi construído um grande receptáculo de água, no qual uma embarcação foi capaz de receber ou descarregar quatrocentos animais (ursos, leoas, panteras, leões, avestruzes, asnos selvagens, e bisões). Assim, setecentos animais selvagens e domesticados foram abatidos no festival, e este durou sete dias. Pode-se concluir pela exibição dos animais exóticos que Severo não apenas estava interessado na manutenção do Império como também na imagem da supremacia de Roma sobre o mundo.

Um banquete também foi oferecido parcialmente em estilo bárbaro, no qual foram servidas não apenas as costumeiras carnes cozidas, como carne crua e diversos animais ainda vivos. Esse excêntrico banquete reforçou o lado bárbaro, estrangeiro aos costumes tradicionais, da própria família imperial e dos participantes de origem africana e síria, ressaltando costumes não habituais em Roma. O banquete não só mostrava a intenção de realizar uma integração aristocrática, como também dos atos religiosos típicos das festas decenais, que anteriormente eram marcados por sacrifícios e libações, além de procissões religiosas pela cidade até o Templo de Marte. (DION CÁSSIO,

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LXXVII, 1. 1-2.- 4-5; GONÇALVES, 2002, p. 211).

Portanto, os decennalia de Severo vão além da emulação dos festejos de Augusto, pois eles intencionavam evidenciar suas vitórias sucessivas sobre Pescênio Nigro, Clódio Albino e os partos, significando vitórias internas e externas, e a ampliação do território imperial pela conquista e anexação da Mesopotâmia, de parte da Bretanha e dos territórios do norte da África. Em seu Arco Triunfal, erigido no Fórum Romano por ocasião de seu jubileu decenal, verifica-se em sua inscrição o título de propagator imperii. Todavia, esta expansão, possivelmente estava associada ao desejo de Severo de dar continuidade às anexações promovidas pelos Antoninos, dos quais se dizia herdeiro e sucessor direto como diui Marci filius (GONÇALVES, 2002, p. 212- 3).

Outra celebração dos decennalia que nos interessa de modo particular é a de Constantino aberta em 315. Constantino foi proclamado Imperador em 25 de julho de 306 pelas tropas de seu pai, recebendo o título de César e no ano seguinte o de Augusto; sua vitória sobre Maxêncio ocorreu em 312. Porém, a data base para as suas quinquenales foi o ano de 306. Ele iniciou seu consulado em Trier e desta cidade rumou para Roma, onde culminaram as celebrações do jubileu decenal, marcadas pela construção de seu arco triunfal dedicado pelo Senado e o povo de Roma em sua honra (CAMERON, 1993, p. 48-50).

As informações a respeito dessa celebração são bastante escassas. O panegírico, apenas menciona os decennalia, sem muitos detalhes. Na ocasião, Nazário manifesta sua angústia pelas longas ausências do Imperador de Roma, prenunciando a fundação de Constantinopla, que dará o golpe de misericórdia à típica capitalidade romana, e os decennalia foram uma dessas poucas oportunidades em que Constantino agraciou Roma, desejosa de sua presença. O discurso de Nazário mais que reforçar a importância das celebrações triunfais, ele próprio se configura em um importante instrumento de propaganda. O panegirista apresenta o príncipe como uma espécie de super- homem orientado em parte pela divindade e na continuidade da dinastia. Seu discurso integrou-se ao programa político e uma espécie defesa legal de uma

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