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A decisão do Conselho Constitucional

Aprecie-se, agora, a Decisão nº 2010-613 DC, de 7 de outubro de 2010, do Conselho Constitucional francês, que veio apreciar a constitucionalidade da lei que interdita a dissimulação do rosto no espaço público160.

Começa por dizer-se que a lei foi enviada para apreciação do Conselho Constitucional pelo Presidente da Assembleia Nacional e pelo Presidente do Senado, mas que, todavia, não foi apresentada, por estes, qualquer crítica em particular à lei.

Segue-se uma análise sucinta dos três primeiros artigos da lei, e uma invocação dos artigos 4º, 5º e 10º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que estabelecem a liberdade de fazer tudo aquilo que não prejudique terceiros, só podendo, por isso, a lei proibir as ações que afetam a sociedade, bem como proteger o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões; cita-se ainda a alínea 3 do Preâmbulo da Constituição de 1946, que estabelece que “A lei garante à mulher, em todos os domínios, direitos iguais aos dos homens”.

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Cfr. Police arrest veiled women at ‘burqa ban’ protest in www.france24.com, consultado em fevereiro de 2012. Diga-se que alguns se interrogam se teria sido possível deter estas mulheres pela dissimulação do seu rosto, uma vez que estas se encontravam nas imediações de um local de culto, constituindo estes locais uma exceção à aplicação da lei. Não se menciona aqui que a exceção é apenas relativa aos lugares de culto muçulmano, ou que a exceção só pode ser invocada pelos crentes do mesmo culto do local de que estão perto.

159 Cfr. Premier anniversaire de la loi sur le voile integral in www.lefigaro.fr, consultado em janeiro de 2012.

Neste artigo, Samir Amghar diz que, apesar de este número parecer á primeira vista pouco expressivo, deve ter- se em conta os dados apontados pelo Ministério do Interior segundo os quais 2000 mulheres usariam o véu integral em França. Comparando, conclui-se que foi controlada 15% desta população. Contudo, há o risco de estas previsões da lei se tornarem letra morta. Cumpre, também, referir que já aquando da entrada em vigor da lei os sindicatos da polícia diziam que esta seria de difícil aplicação, “muito complicada de fazer respeitar no terreno”, além de que assegurar o seu cumprimento não constitui uma prioridade para a polícia, pois “os polícias têm missões importantes, relacionadas com os «crimes» e os «délits», não vão gastar toda a sua energia por uma simples contravenção” – cfr. Voile integral: les syndicats de police dénoncent une loi «inapplicable» in www.lemonde.fr, consultado em janeiro de 2012.

160 Cfr. o Texto integral disponível em www.conseil-constitutionnel.fr, consultado em fevereiro de 2012 que se

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Na sua apreciação, o Conselho Constitucional diz que esta lei tem por objetivo responder ao aparecimento de práticas, até agora excecionais, que consistem na dissimulação do rosto. Ora o legislador, confrontado com tais práticas, decidiu que estas são um perigo para a segurança pública e afiguram-se como violadoras das exigências mínimas da vida em sociedade. Considera, de igual forma, que as mulheres que seguem esta prática, quer o façam voluntariamente ou não, se colocam numa situação de exclusão e inferioridade, incompatível com os princípios constitucionais de liberdade e de igualdade.

Continuando, os juízes do Conselho Constitucional concluem que o legislador, ao redigir a lei, fez uma ponderação adequada, e “não manifestamente desproporcionada”, entre a salvaguarda da ordem pública e a garantia dos direitos constitucionalmente protegidos. É aqui que é apresentada a única reticência do Conselho à lei. Afirma-se que fazer incidir esta interdição sobre os locais destinados ao culto, seria restringir sem motivo, a liberdade religiosa, expressamente consagrada no supra mencionado artigo 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão.

Assim, excetuando esta reserva, o Conselho Constitucional considera todos os artigos da lei conformes à Constituição.

Desta forma, em apenas seis considerandos, o Conselho Constitucional francês decidiu pela constitucionalidade da lei que tanta polémica causou, que levantou tanta discussão, e que foi alvo de várias propostas de emenda aquando da sua discussão na Assembleia Nacional, precisamente porque muitos deputados apresentavam reservas quanto à extensão do campo de aplicação da lei.

Para enquadrar a decisão do Conselho Constitucional, são especialmente pertinentes as considerações de STÉFANINI e PHILIPPE.De facto, estes autores sublinham como a decisão é surpreendentemente curta, dizendo simplesmente que o legislador fez uma adequada conciliação entre as exigências da liberdade e a manutenção da ordem pública161.

Esta decisão foi acolhida com satisfação pelos políticos franceses, e pela sociedade em geral. O primeiro-ministro, de então, François Fillon, afirmou que se tratava de uma “decisão importante para a afirmação dos valores da República, no respeito pela liberdade de consciência e de religião”, enquanto o deputado André Gerin, que liderou a comissão parlamentar sobre o uso do véu integral, disse tratar-se de uma “vitória para a libertação das

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STÉFANINI, Marthe Fatin-Rouge, PHILIPPE, Xavier, “Commentaire de la decision du Conseil Constitutionnel du 7 octobre 2010-613 DC, Loi interdisant la dissimulation duvisage dans l’espace public, Journal Officiel du 12 octobre 2010, p. 18345, in «Revue Française de Droit Constitutionnel», nº87, julho de 2011, p. 549. Tratando-se de um artigo monográfico sobre a decisão do Conselho Constitucional, ele será o apoio fundamental das considerações sucessivas sobre a mesma.

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mulheres, uma bela vitória para todos aqueles que querem combater o integrismo, é uma bela vitória para a maioria dos muçulmanos que querem viver a sua religião, o Islão, no respeito dos valores e das tradições da República”162

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Refira-se que os juízes do Conselho Constitucional sempre se pautaram por uma certa sobriedade e contenção nas suas decisões, ao contrário de muitos outros tribunais constitucionais europeus, como é o caso do Tribunal Constitucional português. Habitualmente, esta contenção fica a dever-se ao facto de não se desejar apresentar razões que perderiam a sua utilidade rapidamente e poderiam levar a interpretações não desejadas163.

Mas o Conselho Constitucional deve apresentar fundamentos sólidos para sustentar a credibilidade das suas decisões, bem como a sua imparcialidade. Parece que neste caso, esta ponderação não aconteceu164.

Aqui apenas se menciona as normas do chamado “bloco de constitucionalidade” que poderiam potencialmente ser violadas pela Lei de interdição da dissimulação do rosto no espaço público, não explicando concretamente como é que aqueles preceitos servem para justificar os argumentos apresentados pelo Conselho Constitucional165.

Pode questionar-se se os juízes do Conselho Constitucional não seguiram simplesmente a vontade da maioria, e decidiram de acordo com ela para acalmar a polémica surgida em torno da lei166.

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