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MONEBHURRUN, Nitish; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; MARINHO, Maria Edelvacy; ALVES, Gleisse Ribeiro; OLIVEIRA, Carina Costa de. Crônicas da jurisprudência internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 1, 2015 p. 13-31 20

5. c

onsideraçõesfinais

É forçoso concluir após exame da decisão do caso Croácia contra a Sérvia que a Corte Internacional de Justiça pouco avançou sobre o tema do crime de geno-cídio. De fato, a decisão foi previsível, tendo em vista a solução dada pela Corte em um caso anterior, Bosnia Herzégovine contra Sérvia. A Corte perdeu a opor-tunidade de esclarecer e aprofundar qual seria o con-teúdo das regras costumeiras sobre a responsabilidade dos Estados e sobre a aplicação retroativa do artigo IX da Convenção. Nesses dois pontos se concentraram o maior número de votos dissidentes do caso.

Entretanto, em um elemento crucial para a configu-ração do crime de genocídio, a apreciação do elemento intencional, pouco foram as dissidências. Apenas duas.

Haveria neste estudo esclarecimento a ser desenvolvido:

se por um lado a Corte afirma expressamente que a res-ponsabilidade penal individual e do Estado é diferente tanto no que concerne ao regime jurídico aplicável quan-to aos seus objetivos, por outro, a corte minimiza essa di-ferença ao adotar um critério para aceitação da prova da intenção do crime de genocídio que se aproxima daquela exigida na responsabilidade penal individual.

O “diálogo entre juízes”35 consiste em algo importante para o estabelecimento de coerência no sistema interna-cional. Nesse caso, a CIJ cita com frequência decisões da TPIY, principalmente para identificar as provas já produ-zidas. Essa troca é salutar. Contudo, questiona-se, nesse caso, se o uso da decisão do TPIY pela CIJ de fato contri-buiu em favor da coerência. Esse questionamento se fun-damenta na utilização pela CIJ da forma da apreciação de prova definida para julgar penalmente um indivíduo pelo TPIY como referência para se analisar a responsabilidade de um Estado em um crime de genocídio. Coerência pode ser estabelecida quando em uma mesma situação se aplica um mesmo fundamento, ou mesmo sistema para aferição de provas. Entretanto, nos casos analisados pelo TPIY e pela CIJ a natureza dos réus difere, o que sugeriria, ao menos, um sistema também diferenciado para o estabele-cimento da prova do caráter subjetivo no caso genocídio.

&p2=3&k=73&case=118&code=cry&p3=6>. Acesso em: 16 jun.

2015 Decisão sobre a aplicação da convenção sobre a prevenção e a repressão do crime de genocídio, 3 de fevereiro de 2015. Voto dis-sidente do Juiz Cançado Trindade, § 470.

35 Sobre o tema do diálogo ver: MARINHO, Maria; TELES, Sol-ange; OLIVEIRA, Liziane. (Org.). Diálogo entre juízes. Brasília: Uni-CEUB, 2014. v. 1, p. 45-60.

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MONEBHURRUN, Nitish; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; MARINHO, Maria Edelvacy; ALVES, Gleisse Ribeiro; OLIVEIRA, Carina Costa de. Crônicas da jurisprudência internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 1, 2015 p. 13-31 21

de Timor-Leste localizado em Narrabundah (subúrbio de Canberra, território da capital Australiana), entre outras coisas, documentos, correspondências e dados contendo as comunicações privadas realizadas entre o Governo de Timor-Leste e seus assessores legais. Em especial, foram apreendidos documentos relativos ao processo de arbitragem que está em andamento entre Timor-Leste e a Austrália, nos termos do Tratado de 20 de maio de 2002 sobre o Mar do Timor.

Diante dos fatos, o Timor-Leste solicitou medidas cautelares37 para impedir prejuízos irreparáveis prove-nientes do conhecimento e da divulgação dos elemen-tos apreendidos. Assim, ele fez as seguintes solicitações à Corte: i) aplicação de medidas como o recolhimento e guarda de tais documentos; ii) que a Austrália informe quais pessoas tiveram conhecimento de tais dados; e iii) que a Austrália destrua todas as cópias de tais documen-tos e que assegure que não interceptará mais as comu-nicações entre o Timor-Leste e seus conselheiros jurídi-cos localizados em território australiano. Por 12 votos contra 4, a CIJ decidiu que tais documentos e dados não deveriam ser utilizados contra o Timor-Leste e que a Austrália deveria conservar e guardar tais elementos até o término do processo de arbitragem. Além disso, por 15 votos contra 1, a CIJ determinou que a Austrália não interceptasse as comunicações entre o Timor-Leste e seus conselheiros jurídicos localizados em território australiano. Nesse caso, apesar da Corte determinar que a Austrália não obstacularizasse a comunicação do Timor-Leste com seus conselheiros jurídicos, a CIJ concedeu medidas cautelares que não sanaram comple-tamente o perigo de dano irreparável pela difusão de dados e documentos do Timor-Leste ao determinar que os estes ficassem sob a guarda da Austrália ao invés de depositados junto à Corte.

A Corte gerou dúvidas e incertezas ao instituir a apli-cação de medidas cautelares apoiadas em atos unilaterais, tendo em vista estes serem fundamentados em promes-sas ou compromissos com caráter pouco vinculativo. No caso em espécie, a CIJ amparou sua decisão de manter os documentos e dados em poder da Austrália em com-promisso por escrito apresentado por agente australiano em 21 de janeiro de 2014. Em sua decisão, a Corte

argu-37 Pedido fundamentado no artigo 41 do Estatuto da Corte In-ternacional de Justiça: “A Corte terá a faculdade de indicar, se julgar que as circunstâncias o exigem, quaisquer medidas provisórias que devam ser tomadas para preservar os direitos de cada parte”.

mentou que o procurador-geral australiano teria o poder efetivo e manifesto de assumir compromissos, obrigan-do a Austrália, tanto em relação ao direito interno, quan-to ao direiquan-to internacional. E que não haveria razões que levassem a pensar que tal compromisso não seria cum-prido, presumindo-se a boa-fé da Austrália.

Em março de 2015 a CIJ modificou a decisão pro-ferida em 2014 em razão de um novo pedido da Aus-trália. Esta notificou a Corte a intenção de restituir os documentos, dados e outros bens apreendidos e perten-centes ao Timor-Leste. A essa pretensão Australiana o Timor-Leste indicou que não fazia objeção.

Para decidir sobre o pedido da Austrália, a CIJ anali-sou, num primeiro momento, se os fatos que motivaram a aplicação de medidas cautelares haviam mudado. Ela constatou, no seu parecer de 22 de abril de 2015, uma mudança e observou que o objeto motivador dessas medidas tinha sido a recusa da Austrália em entregar ao Timor-Leste os documentos e dados apreendido e mantidos em seu poder. Dada a evolução da posição da Austrália, a Corte considerou, que essa nova posi-ção da Austrália gerou consequências no caso e que o fato motivador da aplicação de medidas cautelares havia cessado. A CIJ, em uma segunda etapa, observou que a restituição dos documentos e dados apreendidos só po-deriam ser restituídos depois de nova decisão por parte da Corte, tendo em vista que esta deveria primeiramente autorizar a transferência e, em seguida a Corte deveria definir e estabelecer os procedimentos para a transfe-rência e entrega dos documentos e dados. Dessa forma, a Corte concluiu pela necessidade de alterar a decisão proferida anteriormente no dia 3 de março de 2014.

Em sua nova decisão, no dia 6 de maio de 2015, a CIJ autorizou o retorno de itens apreendidos, manten-do a obrigação para a Austrália, de que os referimanten-dos ele-mentos a serem restituídos deveriam ser mantidos sob sigilo até a sua transferência plena. Além disso, ela de-terminou que a entrega e a transferência dos documen-tos e dados seriam vistoriados por um agente designa-do pelo Timor-Leste e que da data da entrega precisava ser notificada previamente à Corte. Em sua decisão, a Corte precisou ainda a suspensão das medidas cautelas anteriormente impostas na decisão de março de 2014.

Em 15 de maio de 2015, o Timor-Leste notificou a Corte que a Austrália no dia 12 de maio restituiu os documentos apreendidos e que, portanto, o motivo do

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pleito havia cessado. Assim, em 2 de junho de 2015 o Timor-Leste comunicou à Corte Internacional de Justi-ça o pedido de retirada da queixa contra Austrália.

Percebe-se, portanto, o retorno da aplicação dos prin-cípios norteadores das relações internacionais como o da confiança e do respeito mútuo. Resta saber se esses prin-cípios irão perdurar nas negociações e no processo de Arbitragem do Tratado do Mar de Timor para o estabelecimento das fronteiras marítimas definitivas entre os dois países, tendo em vista que o período de adiamento das negociações entre Timor-Leste e Austrália expirou a 3 de março de 2015.

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TlânTico

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(25/04/2015)

Nitish Monebhurrun38

1. i

nTrodução

No dia 27 de fevereiro de 2015, a Costa do Marfim entrou com ação de pedido de medidas cautelares con-tra o Gana perante uma Câmara Especial do Tribunal Internacional sobre o Direito do Mar constituída para decidir sobre a delimitação marítima entre os dois Esta-dos no Oceano Atlântico.

Ao esperar a decisão final da Câmara Especial, o re-querente, a Costa de Marfim, requereu que o Gana ado-tasse as seguintes medidas cautelares: 1) a suspensão da exploração de petróleo na área contestada; 2) abster-se de outorgar novas autorizações de exploração; 3) a não divulgação das informações atinentes às atividades pas-sadas, presentes ou futuros de atividades de exploração ao detrimento do Estado demandante; 4) a preservação

38 Doutor em Direito Internacional (Escola de Direito de Sor-bonne, Paris), Professor do Programa de Mestrado em Direito (Centro Universitário de Brasília), Professor Visitante do Programa de Mestrado em Direito Internacional (Universidad de la Sabana, Bogotá). E-mail: nitish.monebhurrun@gmail.com

da plataforma continental; 5) desistir de toda ação uni-lateral que possa afeitar os direitos do requerente bem como agravar a disputa.

Medidas cautelares são ordenadas pelos tribunais como remédios equitativos para preservar determina-dos direitos das partes antes que o caso seja julgado sobre os méritos39. De forma esperada, Gana, na sua contra-argumentação, pediu ao Tribunal para recusar todas as demandas da Costa do Marfim.

A questão de direito submetida à Câmara especial é, nesse caso, prosaica: ela deveria decidir se as circuns-tâncias justificavam a adoção de medidas cautelares. A resposta do Tribunal foi positiva e foram ordenadas al-gumas medidas cautelares a ambas as partes.

O caso tem interesse para os estudos de Direito Internacional, pois revisita as condições clássicas a ser cumpridas para ordenar tais medidas (2) que foram tam-bém adotadas mesmo sem reconhecer a existência de risco iminente ao meio ambiente marinho (3).

2. a

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Processualmente, a Câmara Especial afirmou a sua competência prima facie (2.1) para declarar que a situação revelava riscos inerentes aos direitos soberanos prote-gidos da parte requerente — urgência essa justificando, portanto, a adoção de medidas cautelares (2.2).

2.1. A afirmação da competência prima facie da Câmara Especial

O artigo 290 da Convenção de Montego Bay relativa ao Direito do Mar estatui sobre a possibilidade que tem o Tribunal para ordenar medidas cautelares. Assim, para adotá-las, o Tribunal deve assegurar-se que tem compe-tência prima facie para julgar o caso; as medidas decre-tadas devem preservar os direitos das partes ou devem servir para prevenir danos graves ao meio ambiente ma-rinho pendente lite, isto é, enquanto o Tribunal decida40.

39 MENDELSON, Maurice. Interim Measures of Protection in cases of contested jurisdiction. British Yearbook of International Law, v.

46, n. 3, p. 259-322, 1972. p. 267.

40 Ver em especial, artigo 290 (1) da Convenção de Montego Bay.

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Antes de se pronunciar sobre qualquer aspecto de um caso, qualquer tribunal deve afirmar a sua competência.

Destarte, seguindo uma lógica processual, não poderia ordenar medidas cautelares sem o reconhecimento da sua competência à montante. Entretanto, um órgão ju-risdicional pode, sim, adotar medidas provisórias sem que a sua competência sobre os méritos do caso seja es-tabelecida. Se os fatos e a disputa não revelam, de forma geral, incompetência flagrante e manifesta, o tribunal terá competência presumida exclusivamente para poder votar as medidas. Chama-se da competência prima facie e trata-se de um princípio comumente utilizado na prática do Direito Internacional. Por exemplo, no caso Lagrand, a Corte Internacional de Justiça ordenou a adoção de medidas cautelares pelos Estados Unidos no sentido da não execução do Senhor Lagrand pendente lite41. A neces-sidade das ditas medidas se justifica, dessarte, pela irre-versibilidade de determinada ação do Estado requerido.

No caso em tela, a Câmara Especial não estendeu-se sobre essa primeira condição: reconheceu sem muitas discussões ou polêmicas a sua competência prima facie.

Na realidade, os Estados partes à disputa — ambos signatários da Convenção de Montego Bay —, tinham, eles próprios, reconhecido a competência prima facie da Câmara ao submeter-lhe a disputa42. Isso facilitou a decisão da Câmara e permitiu-lhe julgar a urgência das medidas cautelares pedidas.

2.2. O reconhecimento da urgência das medidas cautelares pela Câmara Especial

A Câmara Especial avaliou, em seguida, a questão da urgência da situação para decidir sobre a iminência das medidas provisórias, eis que, sem estas, deve existir ris-co real e iminente que haverá dano irreversível aos

direi-NAÇÕES UNIDAS. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Acordo Relativo à Aplicação da Parte XI da mesma Convenção. Nova York, 10 de dezembro de 1982. Disponível em: <http://www.gddc.

pt/siii/im.asp?id=396>. Acesso em: 16 jun. 2015.

41 Ver CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 1999. Sen-tença de 3 de março, Caso La Grand (Alemanha v. Estados Unidos da América). Disponível em: <http://www.cedin.com.br/wp-content/

uploads/2014/05/casos-conteciosos_1999_01.pdf>. Acesso em:

16 jun. 2015, Pedido de Medidas Cautelares, p. 9.

42 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares, Ordem. §37.

tos em debate antes da decisão final sobre os méritos43. Esse raciocínio é também o da Corte Internacional de Justiça44. No presente caso, a Câmara reconheceu a ur-gência pelo risco potencial atinentes aos direitos sobe-ranos ameaçados da Costa do Marfim (2.2.1) dos quais declina-se o direito de acesso à informação relativo à soberania do país (2.2.2).

2.2.1. A urgência frente aos direitos soberanos ameaçados

Se as partes à disputa expuseram os seus argumentos materiais para demonstrar ou contestar o risco, a Câma-ra, por sua parte, apontou que não lhe cabia, nesse mo-mento do caso, fazer uma análise sobre os méritos para averiguar a veracidade e a existência dos direitos rei-vindicados45. Os juízes consideraram que o Gana tinha abertamente reconhecido a existência de uma disputa com a Costa do Marfim cujos direitos invocados abar-caram a soberania sobre o mar territorial e o subsolo — o que lhe confere a capacidade jurídica para prospectar e explorar a plataforma continental com base da própria Convenção de Montego Bay. O reconhecimento da dis-puta implica o conhecimento que os direitos da outra parte podem efetivamente estar sendo infringidos ou ameaçados. Nessa toada, visto a relação direta entre os direitos (soberanos) reivindicados e as medidas pedidas, a Câmara Especial julgou que a demanda da Costa do Marfim era juridicamente embasada. Nos casos sobre as medidas cautelares, a demandante deve apenas provar a plausibilidade do seu pedido em uma lógica de causa--efeito, o que a Costa do Marfim logrou com sucesso também em relação ao pedido de direito de acesso à informação para os assuntos atinentes a sua soberania.

43 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares, Ordem, §§41-42.

44 Para uma decisão recente, ver por exemplo: Algumas ativi-dades do Nicarágua na Fronteira. CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2013. Sentença de 13 de dezembro Certain Activities carried out by Nicarágua in the Border Area (Costa Rica v. Nicarágua). Disponível em: <http://www.icj-cij.org/docket/files/150/18510.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2015. Medidas Cautelares, Ordem, p. 405.

45 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares, §57.

MONEBHURRUN, Nitish; OLIVEIRA, Liziane Paixão Silva; MARINHO, Maria Edelvacy; ALVES, Gleisse Ribeiro; OLIVEIRA, Carina Costa de. Crônicas da jurisprudência internacional. Revista de Direito Internacional, Brasília, v. 12, n. 1, 2015 p. 13-31 24

2.2.2. A urgência frente ao direito de acesso à infor-mação atinente à soberania do requerente

A Costa do Marfim tinha pedido, a título de medi-das cautelares, o sigilo pelo Gana medi-das informações re-lacionadas aos recursos naturais disponíveis no territó-rio marítimo disputado e a sua exploração pelo Estado requerido. Como cada Estado tem o direito soberano de escolher as empresas consideradas aptas e habilita-das para explorar a sua plataforma continental, o re-querente arguia que pendente lite, todas as informações e dados sobre recursos naturais não poderiam circular, ser adquiridas ou utilizadas pelo Gana, pois, em caso do reconhecimento pela Câmara da sua soberania sobre a área contestada, isso constituiria infringência dos seus direitos protegidos.

A Câmara admitiu a validade da arguição, estatuindo que os direitos atinentes à prospecção e à exploração dos recursos naturais na plataforma continental im-plicam o direito de ter acesso às informações sobre o assunto46. A detenção dessas informações pelo Gana e a sua eventual divulgação apresentam risco para os direitos soberanos da Costa do Marfim; o risco é imi-nente posto que as atividades autorizadas pelo Gana estão operacionais. Por conseguinte, a Câmara especial estatuiu que a parte requerida deve adotar todas as me-didas para que as informações relativas às atividades de exploração presentes, passadas ou passadas não sejam utilizadas ao detrimento da Costa do Marfim47 — a não ser que já se encontrem no domínio público.

Ora, se a Câmara Especial afirmou o risco de viola-ção dos direitos soberanos do requerente, não foi con-vencida da existência de risco iminente ao meio ambien-te marinho assim como o salientava a Costa do Marfim.

Não obstante e de forma interessante, ordenou mesmo assim a adoção de medidas cautelares.

3. A imposição de medidas cautelares mesmo na ausência de um risco ambiental iminente

46 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares, Ordem, §94.

47 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares, Ordem p. 22.

A Câmara ajuizou que embora a Costa do Marfim não tenha conseguido aportar provas contundentes de risco iminente, formando uma espada de Dâmocles sobre o meio ambiente marinho, a proteção do meio ambiente constitui obrigação estatal segundo a Conven-ção de Montego Bay48 — e qualquer risco, mesmo não iminente, de dano ambiental grave entra no âmbito de preocupação da jurisdição. Os Estados devem proteger o meio ambiente marinho49 e têm, outrossim, a obriga-ção de averiguar que as atividades dentro das suas fron-teiras não sejam danosas aos outros Estados50.

A exploração da plataforma continental resulta às vezes em efeitos irreversíveis que não podem ser repa-rados financeiramente. A Câmara Especial sublinhou que os lucros da exploração de petróleo podem ser pa-gos a posteriori sob a forma de compensação, conquanto essa última não se aplica em caso de dano ambiental grave que solapa as próprias caraterísticas da platafor-ma. Nesse caso, qualquer valor financeiro não pode res-tituir o status quo ante51.

Os juízes tentaram encontrar equilíbrio nos direitos protegidos de ambas as partes. Não querendo impor ônus indevido ao Gana, eles consideraram que a medida cautelar não poderia ter como objeto o encerramento definitivo das atividades de exploração: seria uma perda financeira importante para o Estado e também para as empresas. Ademais — consideração notável —, a sus-pensão das atividades causaria danos ambientais sérios pela deterioração física dos equipamentos já instalados.

Entrementes, a Câmara decidiu que doravante o Gana não deveria autorizar qualquer nova concessão de

ex-48 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares. §§69-70.

49 Artigo 192 da Convenção de Montego Bay. NAÇÕES UNI-DAS. Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o acordo rel-ativo à aplicação da parte XI da mesma Convenção. Nova York, 10 de dezembro de 1982. Disponível em: <http://www.gddc.pt/siii/

im.asp?id=396>. Acesso em: 16 jun. 2015.

50 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. Parecer Consultivo de 08 de julho de 1996: licitude da ameaça ou uso de armas nucle-ares. Disponível em: <http://www.cedin.com.br/wp-content/up-loads/2014/05/pareceres-consultivos_1994.pdf>. Acesso em: 16 jun. 2015. §29.

51 CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA. 2015. Sentença de 25 de abril, Ghana v. Costa do Marfim. Disponível em: <http://

www.cedin.com.br>. Acesso em: 16 jun. 2015. Disputa sobre a de-limitação marítima entre o Gana e a Costa do Marfim no Oceano Atlântico. Pedido de Medidas Cautelares. §§89-90.