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Decisão de voto e escolha racional: os interesses dos eleitos e dos eleitores

CAPÍTULO 3 – O BOLSA FAMÍLIA E AS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS: UM BALANÇO

3.3. Decisão de voto e escolha racional: os interesses dos eleitos e dos eleitores

Ao colocar a questão do desempenho do governo como determinante para pelo menos parte da decisão de voto do eleitorado, esse argumento encontra amparo teórico na “escolha racional”, segundo o qual tanto eleitores quanto governos tomam decisões com vistas à maximização da eficiência, isto é, fazem suas escolhas de acordo com o que acreditam que lhes trará mais benefícios para si mesmos, a partir de ações racionais dentro da arena política, e de modo a evitar o risco de algum retrocesso ou prejuízo. Assim, “cada cidadão vota no partido que ele acredita que lhe proporcionará mais benefícios do que qualquer outro” (DOWNS, 2013, p. 57).

Do ponto de vista dos eleitores, o cientista político Anthony Downs, pioneiro dessa linha teórica, considera ser possível falar de uma “renda de utilidade” proveniente da atividade governamental, seja ela sabida por parte do indivíduo beneficiário, ou não. Ao comparar o fluxo dessa renda e o que imagina que teria recebido se fosse outro o partido no governo, o eleitor faz suas escolhas de preferência política entre os concorrentes, independentemente de ser um sistema bipartidário ou multipartidário. Por sua vez, do ponto de vista do governo, há o interesse em dar visibilidade às suas ações, para que o eleitor saiba o que ele está fazendo, pois seu interesse é buscar a maximização de votos e vencer a disputa pelo controle do aparato de governo contra outros partidos igualmente interessados nesse controle (DOWNS, 2013, p. 71).

Tal lente teórica parece-nos a mais adequada para uma tentativa de se analisar a relação entre as decisões de governo envolvidas no Bolsa Família, Programa cujas ações não se restringem ao governo federal e envolvem também as administrações locais, e as decisões dos eleitores beneficiados ou não pelo PTRC. É esperado que os governos municipais, diretamente envolvidos no dia a dia do PBF, tanto na localização e

cadastramento das famílias elegíveis quanto na verificação do cumprimento das condicionalidades relacionadas aos setores de educação e saúde, procurem dar visibilidade às suas ações, uma vez que o Programa se consolidou como a principal política de assistência social do Brasil e, ao que tudo indica, conseguiu criar uma nova dinâmica de políticas públicas de combate à pobreza, superando o clientelismo e assistencialismo previamente associados a essa área e estabelecendo critérios de elegibilidade e regras de execução e gestão, de modo a tornar o acesso universal e focalizado nos que mais dele necessitam.

Sugiyama e Hunter (2013) apresentaram um bom indicativo nesse sentido em estudo de caso, no qual mostram que, mesmo em localidades em que são recorrentes os casos de oferta de dinheiro, bens materiais, empregos públicos ou outras benesses em troca de voto, na linha do conceito clássico de clientelismo, o Bolsa Família acabou insulado e imune a práticas desse tipo, muito em função do desenho institucional desse Programa.

A questão que surge é se e como os políticos poderiam buscar uma maximização de votos no nível local a partir de um programa que, no âmbito nacional, se mostrou capaz de render dividendos político-eleitorais? Pela literatura existente, a taxa de cobertura do PBF apresenta-se como o meio mais eficiente para a maximização de votos do ponto de vista do governo federal: quanto maior a porcentagem de habitantes de um município que são beneficiados pelo programa, maior tende a ser a votação do incumbente presidencial. Mas, e nas disputas políticas locais, esse efeito se repete? Ou tão ou mais importante do que a quantidade de atendimentos é a qualidade da gestão que pode fazer diferença?

Tanto numa quanto na outra hipótese, a questão da visibilidade das ações do governo torna-se crucial para a investigação pretendida. Mani e Mukand (2007) mostraram que, nas democracias, há incentivos para os governos alocarem mais recursos em políticas de resultados mais visíveis, o que explicaria por que ações consideradas essenciais são deixadas de lado ou colocadas em segundo plano, e por que os próprios eleitores são indiferentes a essas decisões. Há ações estatais mais difíceis de serem observadas e percebidas pelos cidadãos do que outras, assim como, geralmente, é mais fácil fazer avaliações quantitativas de uma política pública do que qualitativas, ou identificar resultados de curto prazo em comparação com os de médio ou longo prazo.

Fosse o Bolsa Família uma política pública estritamente sob responsabilidade do governo federal e visto pela população como ação exclusiva do presidente da República, seria de esperar que os governos locais tivessem pouco incentivo para dedicar maiores esforços na gestão desse programa. Entretanto, visto que o PBF parece ter sido bem-sucedido em criar regramentos e critérios institucionalizados de gestão e funcionamento do programa, com tarefas claras para os diferentes níveis de entes federativos e uma multiplicidade de relações intergovernamentais ao longo de sua trajetória que vão além da dicotomia centralização-descentralização e mais se assemelham a um movimento caleidoscópico, estariam presentes os incentivos para os governos locais darem maior visibilidade às ações relacionadas a essa política pública e alocarem recursos para a melhor execução possível do programa, tanto em termos quantitativos (número de beneficiários) quanto qualitativos (avaliação positiva da gestão).

Como argumentamos nos capítulos anteriores, a trajetória dos programas de transferência de renda condicionada no Brasil indica uma disposição real e concreta no nível local de não só aderir, mas atuar em favor da melhor qualidade de gestão desse tipo de política pública. Ainda que sejam bastante heterogêneas as capacidades estatais de cada município, as regras e mecanismos de funcionamento do PBF parecem dar conta dessa diversidade e, principalmente a partir da adoção do IGD, ter sido bem-sucedidos em instituir incentivos em favor da qualidade da execução do Programa no nível municipal. Somam-se a esses incentivos à boa gestão os efeitos socioeconômicos positivos atribuídos ao Bolsa Família, como fator de redução de desigualdade (SOARES; SÁTYRO, 2009), multiplicador do crescimento do Produto Interno Bruto nacional (NERI; VAZ; SOUZA, 2014) e estímulo ao comércio local com maior consumo em alimentação, educação e vestuário (SOARES et al., 2010). A análise dos efeitos políticos do PBF no nível local deve estar respaldada por uma metodologia que contemple aspectos intrínsecos à gestão do programa, como argumentaremos no capítulo subsequente.

CAPÍTULO 4 – QUALIDADE OU QUANTIDADE: UMA NOVA FORMA DE