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Tudo caminhava bem para a administração da Great Western até 1914, quando, nesse ano, eclode a primeira Guerra Mundial (1914-1918). A Inglaterra, até então potência mundial, entra em crise e tem sua economia bastante afetada, perdendo sua hegemonia mundial para os Estados Unidos. O balanço positivo da empresa, entre os anos de 1909-1918, não resistiu à crise, e a pressão era grande para a empresa entregar todas as linhas de sua propriedade para o governo brasileiro. Um fôlego foi tomado em 1940 com um empréstimo que proporcionou melhorias estruturais e acabamento de obras em andamento, porém com a segunda Guerra Mundial não houve alternativa. A Great Western negocia com o governo brasileiro e antecipa o término da concessão no ano de 1948.

Em 1950, quem assume a administração férrea é a estatal Rede Ferroviária do Nordeste – RFN, com concorrência das rodovias e do transporte aéreo, que apesar de ainda precários, em desenvolvimento. Com o espírito de primeiro reorganizar o sistema ferroviário existente e depois prosseguir com sua ampliação, é criada a Rede Ferroviária Federal S/A – RFFSA em 1957, unindo todas as ferrovias existentes no país, sob uma única administração. A Rede Ferroviária do Nordeste é então anexada à RFFSA.

O sistema viário ainda era precário, mas a aposta nele foi grande, embora oneroso em longo prazo, exigia menores investimentos iniciais e as consequências, nas estradas de ferro, foram quase que imediatas. O Plano de Metas24 foi determinante, visava a uma modernização e uma infraestrutura com investimentos públicos e privados em setores como a produção de energia, serviços, indústrias e transportes. Neste último, injetou bastante dinheiro, porém, no sistema de transporte rodoviário, em detrimento do transporte ferroviário. Quando o governo assumiu as linhas férreas do país, os investimentos só diminuíram. Era a morte anunciada da ferrovia brasileira, substituída pelo modelo rodoviário de transporte.

Visando um melhor desenvolvimento viário, a Estação das Cinco Pontas foi demolida para a edificação de um viaduto por volta de 1961. Uma perda inestimável. O transporte de passageiro diminuía a grandes passos, sabe-se que a Estação Central responsável pelo Tronco Centro incorporou também as linhas do Tronco Norte e do Tronco Sul, porém, no cair da noite do dia 26 de agosto de 1983, a Estação Central do Recife operou seu último trem de

passageiros, transferindo para a nova estação das Cinco Pontas. Algumas fontes afirmam da construção de uma nova estação, mas ao que tudo indica, foi uma adaptação de um armazém do antigo pátio ferroviário das Cinco Pontas, voltando assim a circular trens de passageiros em 27 de agosto de 1983, com destino às cidades do Cabo, Ribeirão, São Lourenço da Mata, Carpina, Vitória de São Antão, Jaboatão, Salgueiro e Maceió (AL)25, apesar do fluxo de passageiros diminuir progressivamente.

Na década de 80, o transporte ferroviário já estava claramente em baixa, era apenas questão de tempo para sua inoperância. O que mantinha o ativo era o transporte de cargas, pois para passageiros eram argumentados a insegurança, obsoletismo dos veículos, baixo custo benefício e o elevado custo do combustível, isso revela o desinteresse dos usuários que estimulados e privilegiados por política de governo, têm, no sistema rodoviário, um avanço crescente do interesse pela população. E assim, como o interesse pelo sistema rodoviário cresce, o sistema ferroviário é gradativamente negligenciado, determinando seu declínio.

Com o governo Federal sem garantir recursos para a ferrovia e tendo priorizado os investimentos nos transportes rodoviários, foram colocadas em prática ações voltadas para a privatização. Em 1992, no governo de Fernando Collor de Melo, a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização26, com os objetivos de desonerar a União, fomentar investimentos e aumentar eficiência operacional. Porém, desde então, a degradação dos bens da RFFSA apenas aumentou. Dissolvida pelo decreto nº 3.277 de 7 de dezembro de 1999, começou um processo de alienação e pagamento de dividendos. Bens móveis operacionais como mobiliário e equipamentos de escritório foram vendidos e outros bens foram leiloados. Exemplo disso foi o Conjunto Ferroviário do Pátio das Cinco Pontas, localizado ao longo do Cais José Estelita, que foi lançado em 2012 um projeto onde serão erguidas diversas torres de alto gabarito no antigo terreno da RFFSA com o preço do metro quadrado super valorizado para a região.

Assim como o exemplo já citado, alguns bens foram adquiridos, outros simplesmente foram apropriados por pessoas que lá se estabeleceram. Muitas estações foram abandonadas, salvo poucos exemplares e a degradação dos conjuntos ferroviários acentuam-se progressivamente. Algumas descaracterizadas para atender a demanda de moradias, outras

25 Côrtes, Eduardo. Da Great Western ao Metrô do Recife. Recife: Persona, 2004. p. 77.

26 O Decreto nº 473 de 10 de março de 1992, incluiu a RFFSA no Plano Nacional de Desestatização – PND,

saqueadas e até usadas como local de consumo de drogas por estarem mais afastada da área urbana.

Muito se fala a cerca dos motivos que levaram o tão próspero transporte ferroviário ao declínio. Impossível apontar um fator ou outro determinante para tal caso. Podemos dizer que foi toda uma conjuntura político-econômica refletida em ações que não priorizaram este transporte. De acordo com a necessidade do momento de sua implantação, a malha ferroviária brasileira sempre procurou atender, como primeiro objetivo, o escoamento da produção agrícola, partindo das proximidades do porto e se ramificando em direção às zonas produtoras no interior do estado.

Este capítulo procurou contextualizar a trajetória ferroviária principalmente em âmbito local, desde o surgimento até seu declínio e mostrar, principalmente, através do viés histórico, a importância que os caminhos-de-ferro trouxeram para as cidades que alcançaram. Os fatos comprovam a revolução que a ferrovia trouxe para a população, a integração territorial, o desenvolvimento econômico e social local, o escoamento muito mais rápido das cargas, além de transportar principalmente cultura, do litoral ao sertão e do sertão ao litoral. As estações e as demais edificações que compõem o conjunto ferroviário representavam a implantação de um novo modelo arquitetônico. O ferro estava presente e aonde chegava representava o progresso e a modernidade.

CAPÍTULO 2

PATRIMÔNIO FERROVIÁRIO E A AUTENTICIDADE

Este capítulo procura expor a institucionalização da salvaguarda do patrimônio industrial e consequentemente o ferroviário, além das medidas adotadas para sua proteção. A apresentação da noção de autenticidade e o debate a seu respeito no campo do patrimônio cultural, tendo como referência a obra de Lira27, que debruça sobre esta noção em três diferentes áreas: a Teoria e Crítica da Arte, a Conservação Urbana e o Turismo Cultural. Por fim, expõe o arcabouço teórico e metodológico que a pesquisa adotará para aplicar a análise da autenticidade para a realidade do patrimônio ferroviário.