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1. INTRODUÇÃO

1.2. Função Materna e Paterna e o Adolescente em Conflito a Lei

1.2.3. O Declínio da Função Paterna

A função paterna não pressupõe um ser encarnado como ocorre com a função

materna, o que está em questão, nesse caso, é um pai simbólico, trata-se de uma função

atribuível. Sendo assim faz-se necessário analisar as modificações dos lugares

simbólicos ocupado pelo pai, ao longo dos processos históricos.

Na antiguidade, Deus e o pai eram a Referência, mantendo entre eles uma

relação especular em que Deus se manifestava para o pai que O mediava diante dos

religioso, detentor da potência e da autoridade. Ele possuía seu lugar garantido, a

designação dos lugares emanava dele e, assim, permaneceu até o século XIX.

No final do século XIX ocorre a substituição do poder de Deus pai pelo do pater famílias. A imagem grandiosa e totalitária de pai é colocada na berlinda pela Revolução Francesa. O fim da monarquia atinge diretamente a imagem do rei, talvez o último

sustentáculo de figuras patriarcais. A figura de pai é conduzida para o espaço familiar e

o Estado se torna o avalista da autoridade paterna, ou seja, ele também passa a se

submeter a uma lei. As esposas e os filhos tornam-se dependentes do chefe de família.

Ocorre, porém que, no liberalismo econômico, proposto pela Revolução Industrial, a lei de mercado se impõe e o modelo do pai é substituído pelo capital.

A psicanálise surge, nesse contexto, tendo na família burguesa seu referencial,

mas Freud transcende esse modelo, ao propor a emancipação da subjetividade familiar,

quando supõe que o amor e o desejo, o sexo e a paixão, a rivalidade e a culpa estariam

presentes no romance familiar. Apesar de admitir o declínio da soberania do pai, à luz

dos grandes mitos tenta revalorizar essa figura simbolicamente, dando ao pai uma

função psíquica.

Em 1970 na França e em 2000 no Brasil (reformulação do Código Civil)

promulgam-se leis que acabam com a figura do “chefe de família”, eliminando a noção

de poder paterno, a partir de então, o que passa a vigorar é a corresponsabilidade na

criação dos filhos entre o pai e a mãe, a chamada co-parentalidade.

Alguns autores contemporâneos, como Birman (2003), salientam que a metáfora

paterna perdeu foi o seu caráter soberano, tendo sido substituída não mais por um

referencial, mas por vários referenciais: “Assim, quando se fala em soberanias, no

termo alude ao descentramento do poder. Não existe mais um centro único.” ( p. 57).

Miguelez (2007) cita a posição de diversos autores os que se propõem a falar

sobre o declínio da função paterna. De acordo com eles, na contemporaneidade, haveria

diversas modulações edípicas que trariam, de acordo com cada autor, um tipo de consequência. Rassial (apud Miguelez) pontua que os laços sociais contemporâneos têm

se caracterizado pela incerteza de referências, levando a um prolongamento da

adolescência. Lebrun (idem) ressalta como a passagem do discurso religioso para o

discurso da ciência estimulou uma multiplicidade de verdades, horizontalizando a

sociedade; Lebrun e Melman (idem) também ressaltam a horizontalização das relações

sociais, na constituição de grupos e esse último autor explica tais transformações

naquilo que ele conceituou como sendo duas mutações culturais: a “foraclusão do

Outro” e a passagem do gozo fálico para o objetal.

Diante da questão do descentramento da função paterna, faz-se necessário

conjecturar sobre qual a função materna na contemporaneidade, ressaltando o aspecto

da função materna enquanto mediadora da lei, função que nomeia e coloca a criança numa via acesso a identidade sexual e numa ordem de filiação, entendendo função materna como suposição de um sujeito e como advinda de um ser encarnado, uma mulher que, por sua vez, está submetida a uma determinada cultura.

Os diversos autores citados aqui, bem como os citados por Miguelez (2007),

falam desse declínio da função paterna, como uma falta, evidenciando que na ausência

paterna, ausência do “chefe”, não haveria ninguém ou nada para simbolizar a proibição

do incesto, levando a um déficit na simbolização ou a uma precariedade na constituição

do superego, haveria também um redobramento da mãe e a uma falta de limites ao

Essa mesma autora discorda esse posicionamento, visto que, para ela, a ausência

do poder paterno, foi substituída por outros poderes que sustentariam as proibições

fundantes. Neste sentido cita Foucault, pois, de acordo com e esse autor, há uma

fragmentação da autoridade na passagem da Sociedade Disciplinar centrada na figura do soberano, no pai de família e nas instituições, para a Sociedade de Controle, ou seja, a

autoridade única é substituída por novas legalidades e conjuntos axiológicos que teriam

a mesma função.

Em relação a essas novas legalidades, Prata (2004) ressalta que esse poder é

exercido a partir de um novo espaço de circunscrição e possui as características de um Império, ele atinge todos os registros do social, não tem fronteiras espaciais e temporais, exercendo um controle dos corpos e das mentes. As instituições foram substituídas pelo

sistema de comunicação e as redes de informação: A mídia dispõe da liberdade de

expressão constrói modelos de sucesso que se tornam referência de como deveríamos

ser para obter a garantia do reconhecimento social.

Todas essas questões levam à reflexão sobre como estaria realizando o exercício da função materna, diante essas novas legalidades e como isso repercute na

adolescência, momento em que a mãe, na qualidade de Outro Primordial, aquela que

deu lugar a outras encarnações possíveis do Outro no estádio do Espelho, será

novamente interrogada.