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4. A regulamentação do CIRE Análise de alguns tipos contratuais

4.1. Declaração da situação de insolvência

O legislador prevê no artigo 3.º do C.I.R.E. a situação de insolvência. No n.º 1 do preceito dispõe-se que está insolvente “o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir

as suas obrigações vencidas”75. A jurisprudência foi um pouco mais longe e considera “o que

verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”.76

Nestes termos, para que a insolvência seja decretada judicialmente deverá demonstrar- se que o devedor se encontra impossibilitado de cumprir com as suas obrigações, que maioritariamente de deverão estar já vencidas, devendo a impossibilidade de cumprir revelar- se em relação à generalidade dos credores da empresa 77.

74 Neste sentido, FERNANDES, Luís A. Carvalho; LABAREDA, João, op. cit., pg. 405, defendem que “O

art.º106,corresponde embora com diferenças não despiciendas, ao n.º2 do art.º164-A do CPEREF, quanto à matéria nele regulada: contrato promessa com eficácia real.

O n.º1 do art.º164-A regia também os efeitos da declaração de falência sobre o contrato – promessa sem eficácia real. Dado o silêncio do CIRE quanto a esta modalidade do contrato é-lhe aplicável o regime geral do art.º102. Fica assim resolvida uma questão que se suscitava na vigência do CPEREF, quanto ao direito de indemnização, no sentido que tínhamos por mais adequado.”.

75 http://www.legix.pt/docs/CIRE-20_Abr_2012.pdf 76

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.10.2006.

77 “Podem ainda existir situações específicas que permitam evidenciar uma impossibilidade de cumprimento,

como será o caso de fuga do empresário ou encerramento/abandono da sede de uma empresa, circunstâncias que normalmente justificam, por si só que seja declarada a situação de insolvência, uma vez que também elas revelam que o devedor jamais irá cumprir a generalidade das suas obrigações.” Cfr. OLIVEIRA, Joana

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O Professor Menezes Leitão apresenta-nos dois critérios para definir a situação de insolvência: o critério do fluxo de caixa (cash flow) e o critério do balanço ou do activo patrimonial (balance sheet ou asset)78.

Nos termos do critério do fluxo de caixa o devedor é insolvente assim que se torna incapaz, por falta e liquidez suficiente, de pagar as suas dívidas no momento do seu vencimento. Este critério não tem em conta o facto do ativo ser superior ao passivo porque a insolvência tem lugar assim que se verifica a impossibilidade de pagar as dívidas que surgem na sua atividade. Efetivamente, não havia motivo para que o credores, perante a cessação de pagamentos do devedor, tivessem que aguardar que este liquide os seus bens, cujo valor comercial pode ser pouco significativo. Estamos perante um critério simples pois o facto de o devedor não pagar as suas obrigações indicia a sua insolvência.

Por outro lado, o critério do balanço/ativo patrimonial considera que a insolvência resulta do facto de os bens do devedor serem insuficientes para o cumprimento integral das suas obrigações. Segundo este critério a insolvência não é afastada pelo facto de o devedor cumprir as obrigações que se vencem no decorrer da sua atividade normal, porque decisivo é o facto de o conjunto dos seus bens não ser suficiente para satisfazer as suas responsabilidades. Este critério pressupõe uma apreciação jurisdicional mais complexa dado que os bens do devedor nem sempre são avaliados facilmente, podendo variar o preço em função das circunstâncias.

O Professor Menezes Leitão entende que a lei portuguesa, no artigo 3.º, n.º 1 do C.I.R.E. adotou o critério do fluxo de caixa e que devido à rejeição do critério do balanço se deve salientar que a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações e não apenas à insuficiência patrimonial, que corresponde a uma situação líquida negativa. Contudo, no artigo 3.º, n.º 2 do C.I.R.E. encontramos presente o critério do balanço. Porém, as entidades sujeitas a esta norma, também se encontram sujeitas ao critério geral do n.º 1. Deste modo, estas entidades podem ser declaradas insolventes em caso de o balanço demonstrar a manifesta inferioridade do passivo em relação ao activo, independentemente da natureza do passivo ou do vencimento das obrigações. Por seu turno, o n.º 3, do artigo 3.º, do C.I.R.E. vem corrigir o critério do balanço nas suas alíneas79.

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Cfr. LEITÃO, Luís Menezes, op. cit., p. 79.

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Atualmente, devido ao cenário de crise, tem vindo a ser prática de alguns credores a instauração de pedidos de insolvência sobretudo contra empresas que se encontram a laborar com o fim de receberem o seu crédito de forma mais célere. Esta estratégia tem sido eficaz, pois os devedores perante a ameaça acabam por pagar para que os credores desistam do processo. O legislador previu no artigo 22.º do C.I.R.E. uma sanção para o credor que requeira a insolvência sem real fundamento. O requerente deverá responder pelos prejuízos causados, mas só se a sua conduta for dolosa, ou seja, terá de se provar o dano e a atuação intencional do credor.

Na verdade, o processo de insolvência não tem como finalidade o recebimento de créditos. Estes devem ser exigidos mediante a propositura de uma ação judicial executiva ou condenatória, consoante o credor detenha ou não um título executivo. Portanto, se o devedor não estiver efetivamente numa situação de insolvência, ou tiver noção que a pode evitar, deverá deduzir oposição no processo, demonstrando que apesar do incumprimento de determinada obrigação, se encontra com capacidade para cumprir a generalidade das obrigações.

O artigo 3.º, n.º 2, do C.I.R.E. apresenta-nos outra noção de insolvência, um pouco mais elaborada que a noção do n.º 1. Esta noção aplica-se a pessoas coletivas e a patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoas e ilimitadamente direta ou indiretamente. Esta noção de insolvência aproxima-se da falência técnica. Segundo o legislador, nestas situações estamos perante uma insolvência se o passivo for manifestamente superior ao ativo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis 80.

Por outro lado, o C.I.R.E. estabelece um critério temporal para caracterizar a situação de insolvência – atual ou iminente – artigo 3.º, n.º 4, do C.I.R.E. Se a insolvência for requerida pelo devedor, este deverá indicar se a sua insolvência é atual ou iminente, nos termos do artigo 23.º, n.º 2, alínea a), do C.I.R.E 81. Se a situação de insolvência for iminente,

80 Nestas situações pode obstar-se à insolvência se por exemplo, uma sociedade com bens adquiridos no passado

e registados pelo preço de aquisição, se demonstrar que o valor do activo é superior ao valor contabilístico. Para isso será necessária a avaliação por parte de um perito, de modo a provar-se que o valor de mercado é superior ao balando. Cfr. OLIVEIRA, Joana Albuquerque, op. cit., p. 22.

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“…na prática pode suceder, e muitas vezes efectivamente acontece que o empresário antevê a sua situação de

insolvência e deverá actuar de imediato, tendo em vista a recuperação da empresa, que poderá passar por uma estrutura accionista diferente (…) podem verificar-se outras situações em que a insolvência, no momento da apresentação em juízo ainda não sucedeu, mas a curto prazo será inevitável, porque é previsível num futuro próximo uma perda de receitas significativa e uma incapacidade de, a curto prazo, as obter por outra forma, em virtude de causas totalmente alheias à gestão da sociedade.” Ibidem, p. 23.

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o devedor deverá cumprir o disposto no artigo 18.º, n.º 1, do C.I.R.E., ou seja, deverá requerer a declaração da situação de insolvência 30 dias após o conhecimento da mesma. O incumprimento deste dever pode ter graves consequências ao nível de qualificação da insolvência. Este dever também se aplica se a empresa optar pelo Procedimento Extrajudicial de Conciliação. O dever a que alude o artigo 18.º, n.º 1, do C.I.R.E. não se aplica às pessoas singulares que não sejam titulares de uma empresa no momento em que incorrem na situação de insolvência (n.º 3, do mesmo artigo).

4.2. Efeitos da declaração de insolvência

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