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Atendendo aos interesses dos setores mais conservadores da sociedade, o Decreto n.º 5.154/04 apesar de revogar o Decreto n.º 2.208/97, pode ser considerado uma ampliação daquele, uma vez que continua permitindo a educação profissional concomitante ou subsequente33, com formação intermediária (parcial), a formação

33 Ensino técnico concomitante é oferecido para alunos que estão cursando o ensino médio em outra

instituição escolar; subsequente é para os alunos que concluíram o ensino médio e retornam para o técnico. As aulas são as mesmas, embora os sistemas de registros de matrículas oficiais (Sistema

inicial e continuada de trabalhadores e a educação tecnológica de graduação e pós- graduação. A ampliação é a volta da integração da educação profissional ao ensino médio (FRIGOTTO, CIAVATTA, RAMOS, 2006).

O Decreto foi publicado em 23 de julho de 2004 e regulamenta os artigos da LDB n.º 9.394/1996 que tratam da educação profissional (39 a 41). O art. 1º traz os níveis de cursos e programas que podem ser ofertados: de qualificação profissional, com formação inicial e continuada de trabalhadores; de educação profissional técnica de nível médio; e cursos de graduação tecnológica e de pós-graduação.34 Também

prevê que os cursos serão regulamentados pelo MEC e que devem obedecer a itinerários formativos que permitam a continuidade dos estudos de forma contínua e articulada.

O art. 2º determina que os cursos sejam agrupados de acordo com as áreas profissionais, as quais são definidas de acordo com a estrutura “sócio-ocupacional e tecnológica”, que exista articulação entre as áreas da educação, trabalho, ciência e tecnologia, sempre com foco no trabalho e mantendo a unidade entre a teoria e a prática.

No art. 3º está prevista a oferta de cursos de qualificação profissional, que atendam às especificidades dos diversos setores do mercado de trabalho e tenham reconhecimento como forma de elevação de escolaridade, ou seja, estejam vinculados ao processo formal de ensino, incluindo a EJA:

§2o Os cursos mencionados no caput articular-se-ão, preferencialmente, com

os cursos de educação de jovens e adultos, objetivando a qualificação para o trabalho e a elevação do nível de escolaridade do trabalhador, o qual, após a conclusão com aproveitamento dos referidos cursos, fará jus a certificados de formação inicial ou continuada para o trabalho (BRASIL, 2004).

Os cursos técnicos de nível médio podem ser oferecidos de três formas, de acordo com o art. 4º: integrada — para os alunos que concluíram o ensino fundamental e terão a formação propedêutica e técnica na mesma instituição de ensino, com uma matrícula; concomitante — para quem cursa o ensino médio e o técnico ao mesmo Nacional de Informações da Educação Profissional e Tecnológica – Sistec e Censo Escolar da Educação Básica – Educacenso) diferenciem matrículas subsequentes de concomitantes.

34 Em junho de 2014 foi publicado o decreto n.º 8.268, que altera (mas não revoga) o decreto n.º 5.154.

tempo, porém em cursos diferentes, com duas matrículas; subsequente — para os alunos que já concluíram o ensino médio e buscam somente a formação técnica.

Para Moura (2010, p. 882) a manutenção da formação subsequente “[...] justifica-se pelo fato de que há muitos jovens e adultos que concluíram o EM propedêutico de baixa qualidade e que não vão para o ES, nem têm condições de inserção em atividades complexas, entre as ocupações de nível médio”. Seria, portanto, uma forma de reparação do próprio Estado, incapaz de oferecer educação de qualidade para todos.

E a possibilidade de certificação intermediária também ficou mantida, no art. 6º, apesar de ter sido uma das grandes críticas ao decreto anterior.

Outra reivindicação feita durante o processo de debates para a revogação do Decreto n.º 2.208/97, de acordo com Frigotto, Ciavatta e Ramos (2006), foi a necessidade da mudança do foco das políticas públicas de educação profissional, de assistencialista para uma educação que verdadeiramente promovesse a inclusão social de forma que estivessem em sintonia com as políticas emprego e renda e com os setores produtivos locais.

A preocupação com a formação do jovem, seu lugar na sociedade e sua preparação para o trabalho vem ganhando destaque na última década. Sob o discurso de garantia do direito do jovem a uma política educacional atrelada à proposta de empregabilidade, parte significativa das medidas adotadas teve o intuito de favorecer o atendimento do jovem em programas de educação à distância, formação profissional e empreendedorismo, sendo, portanto dirigidos ao jovem trabalhador (JEFFREY et al., 2011, s/p).

Leite (2013) afirma que essa preocupação com a formação do jovem e do adulto trabalhador, a fim de preparar para a empregabilidade é o foco das políticas voltadas para a EJA a partir dos anos 2000. Esta forma de ensino difere do ensino técnico proposto na Lei n.º 5.692/71, auge das relações de trabalho fordistas-tayloristas e da teoria do capital humano, quando os alunos eram treinados para executarem tarefas específicas na linha de produção (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2006). Além disso, para Jeffrey et al (2011), outro assunto presente na agenda do novo governo é a proposta de acabar com o analfabetismo, incluindo o analfabetismo funcional.

[...] a presença do jovem abre a discussão se o seu lugar em situação de defasagem idade/série é em salas da EJA ou no ensino regular. Por outro lado, é indiscutível a necessidade de oportunizar a esse jovem uma forma de atendimento que garanta não só o direito à educação, mas também o direito de ser respeitado dentro de suas necessidades, através de programas que atendam às suas características e que lhes garantam o seu pleno direito a escolarização (LEITE, 2013).

A maioria dos programas criados pelo governo federal, na área da EJA, prioriza os jovens com mais de 15 anos e não os adultos e idosos que estão fora da educação formal. Leite (2013, p. 257) e Saviani (2011) afirmam que essa focalização gera uma “política de mão dupla” ou uma “faca de dois gumes”, pois ao mesmo tempo em que facilita a conclusão dos estudos de grande parcela da população que não o fez na idade adequada, tende a aumentar a quantidade de jovens fora de escola, os quais podem decidir por abandonar os estudos e aguardar a realização dos exames para certificação escolar, uma vez que essa idade, em média, é menor do que a dos jovens que concluem os ensinos fundamental e médio. Além disso, muitos adultos não conseguem permanecer em sala de aula com os jovens, afastando-se definitivamente da escola e da oportunidade de terem acesso à escolarização.

Diante deste quadro pode-se afirmar que as questões relativas à EJA, no que tange o Estado Brasileiro, vem se tornando significativamente complexa ao longo desta década. Os atuais programas para a Educação de Jovens e Adultos trabalhadores desenvolvidos pelo Ministério da Educação (MEC) se caracterizam como uma política compensatória e focalizadora, baseada no reordenamento econômico no qual a gênese é o combate ao desemprego estrutural através de propostas enfatizam o empreendedorismo e empregabilidade (JEFFREY et al., 2011).

A partir dessa concepção de educação e de formação de jovens e adultos, passam a ser implementados os programas voltados a esse público.

Programas Ano Público alvo Agente Jovem de

Desenvolvimento Humano 1999 Jovens de 15 a 17 anos

Brasil Alfabetizado 2003 Adultos e idosos (a partir de 2007 passa a atender a partir dos 15 anos)

Fazendo Escola 2004 Alunos da EJA

Escola de Fábrica 2004 Jovens de 15 a 24 anos

Projovem 2005 Jovens de 15 a 29 anos

Proeja 2005 Jovens a partir dos 18 anos

Fontes: DOMBOSCO; LEITE (2010); JEFFREY et al. (2011); MACHADO (2009); CHILANTE (2013); RUMMERT (2007). Elaborado pela autora.

O primeiro programa é o Agente Jovem de Desenvolvimento Humano, criado ainda na gestão de Fernando Henrique Cardoso, em 1999 e modificado na gestão Lula. Tinha como objetivo principal a integração social e a formação para o mercado de trabalho, e era voltado para o público de jovens entre 15 e 17 anos, sendo extinto em 2008 (DOMBOSCO; LEITE, 2010; JEFFREY et al., 2011).

Em 2003 é criado o programa Brasil Alfabetizado, com objetivo de acabar com o analfabetismo no país, incentivando Estados e Municípios a assumirem as matrículas na EJA através da transferência direta de recursos (MACHADO, 2009). Em 2007, foi reformulado e ampliado, atendendo também jovens a partir de quinze anos, adultos e idosos, elevando a escolaridade. O desenvolvimento do projeto é de responsabilidade dos municípios e entidades parceiras, com apoio técnico e financeiro do governo federal (DOMBOSCO; LEITE, 2010). A ampliação da faixa etária do público alvo atende a “[...] um padrão internacional de conceituação de juventude, e pelo qual passam a ser definidos três grupos: os adolescentes - jovens (15 a 17 anos), os jovens - jovens (18 a 24 anos) e os jovens - adultos (25 a 29 anos)” (JEFFREY et al., 2011).

Em 2004, é criado o Programa Fazendo Escola, com ações pós-alfabetização e desenvolvido por estados e municípios com recursos do governo Federal, uma vez que a EJA não era contemplada no Fundef (CHILANTE, 2013). Este programa

permanece em execução até a criação do Fundeb, que inclui os alunos da EJA no cálculo de repasse de verbas, revogando o Fundef.

Entre 2004 e 2008, o programa Escola de Fábrica procurava qualificar jovens, na faixa etária entre 15 e 24 anos de idade, dentro das empresas, visando sua inserção no mercado de trabalho. A certificação era feita pelos Cefet35, com supervisão da

Setec/MEC (DOMBOSCO; LEITE, 2010; RUMMERT, 2007).

O Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, criado em 2005, a ser executado pela Secretaria-geral da presidência, em parceria com o MEC, MTE e Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome – MDS, tem como público- alvo os jovens entre 15 e 29 anos, com objetivo de promover o retorno desses jovens à escola, além de oferecer formação e qualificação profissional. Inicialmente era dividido em: Projovem adolescente – serviço sócio-educativo; Projovem urbano, Campo – Saberes da Terra; e Trabalhador (JEFFREY et al., 2011). Em 2008 o programa é unificado no Projovem Integrado (DOMBOSCO; LEITE, 2010).

Ainda em 2005, é implementado o Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos, tema desta pesquisa e que será abordado mais detalhadamente adiante.

Com o foco voltado para a educação profissional, em 2006 o MEC organiza a I Conferência Nacional de Educação Profissional e Tecnológica, realizada em Brasília. Na abertura do evento, o Ministro da Educação, Fernando Haddad36, destacou o desejo

do governo de abrir espaços de discussão da educação nacional, através das conferências, sendo a de educação profissional a pioneira. A realização de conferências para garantir a participação da sociedade civil é uma marca da gestão Lula.

A primeira conferência nacional foi realizada pelo governo Vargas, na década de 1940 e teve como objetivo de discussão a saúde. Desde então, Avritzer (2012) aponta a realização de 115 conferências, das quais 74 durante o governo Lula, ampliando as áreas temáticas para meio ambiente, educação, políticas para minorias,

35 Atuais Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

36 Ministro da Educação entre julho de 2005 e janeiro de 2012. Fonte:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=20286&Itemid=945. Acesso em 19 jul. 2015.

educação, esportes, entre outras, além das tradicionais áreas de saúde e assistência social. São convocadas pelo poder Executivo, através de ministérios e secretarias e, geralmente, são precedidas de conferências municipais e estaduais.

A ideia de discutir os mais diversos assuntos com a sociedade civil proporciona a participação política dos cidadãos e o envolvimento mais direto na gestão pública. Durante a conferência são discutidas propostas relacionadas aos subtemas e, em uma plenária final, é elaborado um documento final que tem como um dos objetivos influenciar o poder legislativo na elaboração de políticas públicas para cada setor ou área temática (POGREBINSCHI; SANTOS, 2011).

Durante a Conferência, o Ministro da Educação destaca que uma das prioridades do governo é reconectar a educação profissional à educação de jovens e adultos, tendo como uma das justificativas a motivação do aluno. Citando o Projovem e o Proeja, apresenta pesquisas que mostram que a evasão das salas de aula de EJA integradas à educação profissional são menores do que as que são desvinculadas.

Nós, do Ministério da Educação, estamos convencidos de que, se é possível conceber a educação de jovens e adultos para o primeiro segmento do ensino fundamental ainda de maneira dissociada da educação profissional, a partir da segunda etapa, seria quase inviável enfrentar com seriedade essa questão, sem uma associação, uma integração com a educação profissional (CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA, 2007, p. 35).

Oliveira e Machado (2011) destacam que é a primeira vez que existe a possibilidade de integração entre a EJA e a educação profissional, fato que, além de proporcionar o acesso dos jovens e adultos à educação profissional amplia o sentido da EJA, até então marcada pelo atendimento precário e restrito à alfabetização e aos primeiros anos do ensino fundamental. Moraes (2006) também destaca a importância da unificação dos currículos da formação geral e da formação profissional, atendendo as especificidades e as necessidades de educação desta população.

Moura e Henrique (2012) acreditam que o Proeja é criado com duas principais finalidades: garantir à EJA políticas permanentes de formação e integrar, de fato, a educação profissional e a formação geral, possibilitando aos alunos a inserção social.

Para Leite (2013, p. 288), a criação desses programas demonstra a crença que o atraso e a pobreza no Brasil são resultados da falta de oportunidades

educacionais e estas, então, seriam a forma de atender às mais diversas demandas, “[...] visando a inclusão social, a assistência social, os direitos humanos e a educação de qualidade”. Já Rummert (2007, p. 38) entende que,

[...] várias iniciativas focais foram implementadas, atendendo a pequenos contingentes populacionais, aos quais, dadas as suas fragilidades como atores políticos, são oferecidas possibilidades de elevação de escolaridade com caráter precário e aligeirado, porém anunciadas como portadoras potenciais de inclusão. Trata‑se, assim, sobretudo, de atuar de forma urgente para controlar disfunções de um sistema que, por sua origem estrutural, continuará a gerar, cada vez mais, demandantes de novas medidas de caráter emergencial.

A descontinuidade dos processos educativos voltados a esse público revela a falta de políticas educativas para o setor. Essas mudanças administrativas, conceituais e pedagógicas, que a tornam segmentada e heterogêneas (LIMA, 2007). O que deve ser buscada é uma efetiva inserção do jovem e do adulto no sistema educativo, garantindo assim seu direito constitucional e possibilitando a verdadeira construção da cidadania.