• Nenhum resultado encontrado

A defesa da “Boa Imprensa Católica” nas revistas “Rainha dos Apóstolos” e “UNITAS”

3. A CONSOLIDAÇÃO DA ROMARIA DO CAARÓ NOS MEIOS DE

3.1 A mídia impressa católica e laica

3.1.2 A defesa da “Boa Imprensa Católica” nas revistas “Rainha dos Apóstolos” e “UNITAS”

A partir da primeira metade do século XX, os meios de comunicação impressos se tornam um importante veículo de divulgação dos discursos católicos. Assim, os impressos católicos correspondem a um recurso muito importante para a publicização e reafirmação do catolicismo no Brasil. Segundo Ribas (2011, 96), foi esta preocupação com as práticas de

leitura dos fiéis católicos que inspirou a criação de uma imprensa católica chamada Boa Imprensa, em meados do século XIX no Brasil.

As publicações católicas pautadas pela política da “Boa Imprensa” apresentavam discursos normatizantes, pois apresentava a seus leitores os perigos de lerem publicações laicas. Assim, de acordo com Silveira (2011), os idealizadores das publicações católicas e, possivelmente, seus leitores, identificam a necessidade de edificar um mundo recristianizado pelos católicos, pela Igreja e pela “Boa Imprensa”. Neste texto optamos por tratar dessa defesa pelas revistas católicas, procurando analisar o conteúdo propagado por elas, e que tipo de publicações os católicos deveriam ler, para evitar que essas “más” leituras os tornassem subversivos. Ainda, é pertinente mencionarmos que durante e, até mesmo antes, do período estudado (1937-1945) se temia a propagação do comunismo, tanto que a implantação do Estado Novo se justifica como uma medida tomada para barrar o avanço do comunismo, a Igreja Católica também não via com bons olhos esse “avanço”.

Tabela 3 - Boa Imprensa Católica

Publicações 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 1944 1945 Rainha dos Apóstolos 0 0 0 2 1 0 1 4 1

UNITAS 0 2 2 3 0 1 3 0 1

Nas revistas católicas, durante o período estudado, encontramos um número significativo de publicações sobre esse assunto. Na revista “Rainha dos Apóstolos” identificamos nove publicações, entre artigos e notas, sobre o tema, enquanto que na “UNITAS” esse número sobe para doze, também entre artigos e notas. Dessa maneira, cabe apresentarmos como esse tema é abordado nas publicações católicas analisadas. Mas, antes, é relevante apontarmos que a política da “Boa Imprensa”, ao defender o discurso católico, corrobora com a proliferação do entendimento de que a morte dos padres no Caaró ou o “martírio do Caaró” corresponde ao mito fundador do Estado do Rio Grande do Sul.

Assim, passemos à análise de alguns trechos das revistas católicas, como o artigo presente na revista “Rainha dos Apóstolos” de 1940, que de maneira clara trata da aproximação entre o Estado e a Igreja Católica, e no próprio título, “A Igreja e o Estado”127

, já

identificamos essa proximidade. Através da leitura do artigo percebermos a tentativa de legitimar a proximidade dessas instituições. Após essas primeiras considerações, iniciemos as análises sobre a defesa da Boa Imprensa nas revistas católicas. Na revista “Rainha dos Apóstolos”, encontramos um artigo denominado “A arma católica nas missões”, de autoria de Mario Filoso.

Não será inútil expor algumas ideias sobre a imprensa. Foi a imprensa a intenção Missionária do Apostolado da Oração no mês de agosto. A meu ver, deve-se lembrar a intenção. Porque a imprensa Missionária é uma das mais poderosas armas de que dispõem os Padres e Colaboradores em terras paganizadas. Vamos, pois, em breve relances haurir alguns conceitos da imprensa. Poucos são os jornais e revistas que após breves momentos de vida sucumbem para sempre a míngua de recursos. É com o peito esfacelado pela dor que assistimos a derrocada apocalíptica da boa imprensa. Enquanto periódicos ensopados no espírito satânico se elevam as alturas intransitáveis da glória e de ressurgimento, a nossa revista, a revista católica se desfaz nas cinzas indistinguíveis da catástrofe. Jornais anticristão se espalham com facilidade pelas massas do povo. Por que os bons diários não conseguem medrar nos lares de Deus?. [...] A imprensa penetra os lares, exalta ou abate as mentes, revoluciona as consciências. Nos colégios é a imprensa portadora de sensacionais notícias. [...] A imprensa, nas universidades, norteia o pensamento humano, atirando-lhes aos vagalhões de falsos conceitos. A alavanca mundial que ergue e rebaixa a humanidade é a imprensa. 128

A partir da citação observamos a defesa de que a imprensa católica é um recurso poderoso que deve ser utilizado por expoentes do clero sul-rio-grandense e colaboradores, caso contrário jornais anticristãos se espalharam entre a população. Além disso, Filoso afirma que é defender a “Boa Imprensa”, pois ela está em vias de ser derrotada. Nessa perspectiva, de defesa da “Boa Imprensa”, também se inscreve a revista católica “UNITAS”, que em junho de 1939, apresenta uma circular em que orienta o clero do Arcebispado como proceder no dia da “Boa Imprensa”.

A Cúria Metropolitana de Porto Alegre ordena o clero secular e regular do Arcebispado a fiel observância das seguintes instruções a respeito do Dia da Boa Imprensa, a ser celebrado, pela primeira vez, em 9 de julho próximo:

1) Nos dias 25 e 29 de junho e 2 de julho, em todas as missas os senhores vigários, reitores de Igreja e capelães instruam os fiéis a respeito do Dia da Boa Imprensa, publicando o programa dos festejos a serem realizados e convidando todos os católicos de boa vontade a colaborar com entusiasmo para o êxito completo do diário católico.

2) Nos dias 6, 7 e 8 de julho poderá ser realizado em todas as matrizes, igrejas e capelas, um tríduo preparatório com missa festiva, orações e pregação especiais, terminando com a benção solene do Santíssimo Sacramento.

3) No Dia da Boa Imprensa é obrigatório em toda igreja ou capela ao menos uma missa festiva com pregação apropriada e preces publicadas pela boa imprensa e pelos jornalistas e escritores.

128 FILOSO, Mario. A arma católica nas missões. Rainha dos Apóstolos. Santa Maria, ano XVIII, n. 9, p. 195-

4) O Revmo. Clero secular e regular cuidará de promover, além das cerimônias religiosas prescritas, também festivais, quermesses, peditórios, etc., etc., em favor da Boa Imprensa, nomeando, com a necessária antecedência, as comissões que tomarão a si a organização dos mesmos.

5) Todas as esmolas recolhidas por ocasião de todas as missas e quaisquer outras solenidades religiosas no próximo dia 9 de julho, bem como o produto de festivais, etc., de que fala o número anterior, destinam-se exclusivamente a Caixa da Boa Imprensa, e devem ser enviados integralmente e com a urgência possível a esta Cúria Metropolitana, que as aplicará ao fim indicado.

6) O trabalho principal do Dia da Boa Imprensa deverá ser a propaganda inteligente e eficaz da nossa imprensa católica, conquistando-lhe o maior número possível de assinantes, colaboradores e anunciantes. Para isso os senhores vigários organizarão comissões que, no próprio dia da Boa Imprensa ou nos dias que o precedem ou seguem, deverão visitar todas as pessoas da paróquia que estejam em condição de assinar um jornal diário, convidando-os com insistência a tomarem uma assinatura da “A Nação”. O mesmo se fará em favo do semanário católico “Estrela do Sul” junto aqueles que não podem assinar uma folha quotidiana. 129

Assim, observamos que não são poucos os esforços da Igreja Católica para que a “Boa Imprensa” obtenha sucesso, chegando a definir uma data, nove de julho, para as comemorações do Dia da Boa Imprensa. Além disso, recomenda que os sacerdotes falem da Boa Imprensa nas missas, e organizem eventos para arrecadar fundos para essa causa, bem como incentivem a comunidade a consumir (comprar e ler) as publicações católicas. A partir dessas duas citações, podemos aferir que mesmo destinada a públicos diferentes, a “UNITAS” aos sacerdotes e a “Rainha dos Apóstolos” ao público católico, ambas procuraram persuadir seus leitores sobre a importância de defender a Boa Imprensa. A primeira citação trata sobre os perigos de perder espaço para jornais anti-cristãos, enquanto que a segunda estava mais voltada a orientar e persuadir os sacerdotes sobre a importância da Boa Imprensa, para que eles pudessem repassar essas informações aos católicos das comunidade por eles dirigida.

Nessa perspectiva, também temos outro artigo da revista “Rainha dos Apóstolos”. Nele encontramos a afirmativa de que “defender os direitos de Deus e da Igreja pela arma poderosa da imprensa é o nosso dever sagrado”.130

Ou seja, identificamos que defender a imprensa católica se reveste de um valor sacralizado. Enquanto que na revista UNITAS, a política da Boa Imprensa é apresentada ao leitor como “um dos apostolados mais importantes e mais urgentes da Ação Católica é, sem dúvida, o apostolado da Boa Imprensa”131

.

Ainda, consideramos relevante a apresentação de um artigo, “Más leituras”, da revista “Rainha dos Apóstolos”. Nele é relatado aos leitores o que acontece as pessoas que tem acesso à leituras não indicadas pela Igreja. “Vivia na França um estudante tão piedoso que

129 NEIS, Leopoldo. Circular. UNITAS: Revista Eclesiástica da Arquidiocese de Porto Alegre, Porto Alegre,

ano XXVI, p. 145-146, jun. 1939.

130

ZELADORES da nossa revista. Rainha dos Apóstolos. Santa Maria, ano XXI, n. 6, p. 143, jun. 1943.

131 CONCLUSÕES relativas a Boa Imprensa. UNITAS: Revista Eclesiástica da Arquidiocese de Porto

todos o consideravam um São Luiz, mas tendo lido um livro de Voltaire, voltou para casa incrédulo e depravado. Estando doente rejeitou o sacerdote e morreu sem confissão”132. Dessa maneira, observamos a partir da citação o quanto a Igreja Católica estava atenta às leituras realizadas por seus fiéis, uma vez que havia livros que eram condenados pela Igreja, não sendo permitido aos católicos lê-los.

Ao tratarmos sobre a Boa Imprensa Católica pretendíamos demonstrar como esse discurso é construído pela Igreja em suas publicações, independente da congregação a que pertença. Essas considerações buscaram demonstrar o empenho da instituição em promover a mídia impressa católica, que hoje ocupa outros campos (rádio e televisão, principalmente) e se encontra consolidada, como já tratamos no início deste capítulo.

3.2 O discurso na mídia impressa: a ressignificação do evento do Caaró e seus padres,