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CAPÍTULO II O PODER DISCIPLINAR NA RELAÇÃO JURÍDICA DE EMPREGO PÚBLICO

3. Na fase de defesa do trabalhador

Da dedução da acusação pelo instrutor, é extraída cópia e notificada ao trabalhador com o prazo para ele apresentar a sua defesa 479.

O primeiro dos corolários do direito de defesa é o direito de conhecer a acusação. Da própria noção conceitual é facilmente constatável a importância e a transcendênc ia deste direito 480 – sem ele os demais carecem de qualquer fundamento.

477 No fundo, espelham o princípio da necessidade, adequação, proporcionalidade e proibição do excesso (artigo 18.º n.º 2 e artigo 266.º n.º 2 da CRP).

478 Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, Volume II, op. cit., p. 366.

479 Artigo 214.º n.º 1 da LTFP. Caso haja a possibilidade de aplicação de pena expulsiva é remetida cópia da acusação à comissão de trabalhadores e à associação sindical quando o trabalhador for dela representante (artigo 214.º n.º 5 da LTFP).

480 Como salienta Juan Manuel Trayter, “mal puede uno defenderse si no está informado perfectamente, com claridade y rigor, de los hechos considerados punibles, su partivipación en los mismos,

A acusação tem de ser formulada através da articulação de factos concretos e precisos 481 – sem imputações vagas, genéricas ou abstratas 482 – devendo individualizar

as circunstâncias conhecidas de tempo, modo e lugar 483, bem como referência aos

preceitos legais e as penas aplicáveis 484. O que aqui se pretende é, pois, que a acusação

contenha a imputação dos factos – não só os factos objetivos como também os que produzem imputação subjetiva, ou seja, dolo ou negligência – e da sanção que lhes cabe – indicando as circunstâncias que podem influir na sua determinação concreta 485. Só

deste modo é que o trabalhador está em condições de exercer cabalmente a sua defesa, pois só assim pode pronunciar-se sobre a infração que lhe é imputada e sobre a sanção em que incorre – “a acusação é a pedra de toque da defesa do trabalhador, o pilar do contraditório” 486.

Uma vez conhecida a acusação, o trabalhador deve expor com clareza e concisão todos os factos e razões da sua defesa, apresentando o rol de testemunhas, juntar documentos e requerer a realização de quaisquer diligências 487. Aqui, no âmbito da

produção de prova oferecida pelo trabalhador, o instrutor faz jus à sua discricionariedade instrutória, quer quanto à prova testemunhal e documental quer quanto a quaisquer outras diligências requeridas por aquele.

Quanto às diligências requeridas pelo trabalhador, dispõe o preceito que estas “podem ser recusadas em despacho do instrutor, devidamente fundamentado, quando manifestamente impertinentes e desnecessárias” 488.

Cabe assim, ao instrutor, o poder de decidir se deve ou não aceitar as diligênc ias requeridas pelo trabalhador - ao par do que acontece em sede da instrução- investigação

las normas infrigidas y las sanciones que pueden serle de aplicació n”. Manual de Derecho…, op. cit., p. 327.

481 Cfr. Salvatore Terranova, Il Rapporto…, op. cit., p. 212.

482 “A enunciação de tais factos de forma vaga e imprecisa, impossibilitando o eficaz exercício do direito de defesa, equivale à falta de concessão deste direito, geradora de nulidade insuprível”. Acórdão do TCAN de 5 de dezembro de 2014, Processo n.º 00185/11.0BECBR in www.dgsi.pt/jtca.

483 Cfr. Marcello Caetano, Poder Disciplinar…, op. cit., p. 181.

484 Sobre os requisitos a constar da acusação vide Acórdão do TCAS de 3 de fevereiro de 2005, Processo n.º 05841/01 in www.dgsi.pt/jtca.

485 Relacionado com este princípio, está a proibição de no relatório final constar novo factos subsumidos à infração aplicada que não constem da acusação, sob pena de come ter-se uma “nulidade insuprível de falta de audição do arguido”. Acórdão do STA de 1 de outubro de 1996, Processo n.º 031378

in www.dgsi.pt/jsta.

486 Ana Fernanda Neves, O Direito Disciplinar…, Volume II, op. cit., p. 391. 487 Artigo 216.º n.º 4 e n.º 6 da LTFP.

489. Só que, ao contrário do que ali se passava, em que a recusa é justificada pela

suficiência da prova, no campo da defesa do trabalhador a recusa não é apenas admitida quando o instrutor julgue da suficiência da prova, mas também quando considere que as mesmas são manifestamente impertinentes e desnecessárias.

Diligências impertinentes serão aquelas que não se relacionam com os factos imputados ao trabalhador, nem com os factos constantes da acusação ou, ainda que constem desta última que não sejam suscetíveis de atenuar a responsabilidade do trabalhador 490. Note-se que, mais uma vez, o instrutor terá de apreciar, primeiramente, o

que lhe é requerido e, só posteriormente com base nessa apreciação, é que formulará um juízo da oportunidade e conveniência sobre a realização das diligências pedidas. Assim, se após um exame preliminar, o instrutor entender que a diligência não é idónea para provar o facto que com ela se pretende demonstrar ou que diga respeito a factos estranhos à matéria em causa, pode decidir pelo indeferimento com fundamento na sua impertinência.

Contudo, as diligências também podem se mostrar desnecessárias, ou seja, até podem dizer respeito sobre fatos que tem pertinência no caso, mas o instrutor já se convenceu serem verdadeiros – provados, portanto - e, como tal, não é necessário o seu reforço.

O importante é, pois, que o instrutor aprecie primeiramente a relevância que as diligências probatórias em causa poderiam ter na defesa do trabalhador e, só depois, proceder a um juízo de modo a conformar a sua escolha.

Quanto à inquirição das testemunhas “o instrutor pode recusar (…) quando considere suficientemente provados os factos alegados pelo trabalhador” 491. O direito de

o trabalhador fazer inquirir as suas testemunhas, relevante no âmbito da “igualdade de armas” não é, pois, absoluto na medida em que pode a respetiva inquirição ser recusada com fundamento na sua impertinência ou desnecessidade por os factos que já se considerarem suficientemente provados 492.

489 Questão já abordada no ponto 2.1, § 1, Capítulo III.

490 Cfr. Diogo Vaz Marecos, O Despedimento Por Justa Causa – Procedimento in Estudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier, Volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa, 2015, p. 24, nota 20.

491 Artigo 218.º n.º 3 da LTFP.

492 O STJ considerou que a inquirição das testemunhas pode ser recusada, não apenas quando o instrutor considere suficientemente provados os factos alegado s pelo trabalhador, mas também se se

A suficiência da prova justifica-se, neste caso, quando tenha sido integralme nte assegurada a defesa do arguido e que os factos alegados pelo trabalhador já estão provados. Quer isto dizer que, se o instrutor aceitar dar, desde logo, estes factos ou alguns destes como provados isso só beneficia o trabalhador. É que a lei é clara nesse aspeto, não se trata de dar como provados factos invocados pelo instrutor – até porque este não pode considerar provados quaisquer factos antes da realização das diligências probatórias – mas os factos invocados pelo trabalhador. Deste modo, pretende-se evitar que sejam praticados atos inúteis 493 e, portanto, impertinentes e desnecessários.

Assim, tendo o direito de defesa limites decorrentes de exigência de idoneidade e necessidade, o instrutor pode recusar a inquirição das testemunhas bem como as diligências requeridas, desde que esclareça em despacho fundamentado, quais as razões pelas quais considera suficientemente provados os factos alegados pela defesa, ou as razões pelas quais as diligências se mostram impertinentes e desnecessárias, sob pena de se considerar a sua motivação arbitrária ou irrazoável.

Neste sentido, será ao trabalhador que cabe, em caso de indeferimento, “invocar a nulidade do procedimento, alegando e provando a capital importância e indispensabilidade daqueles meios de prova para o alcançar da verdade material” 494/ 495.

Finda a produção de prova, o instrutor tem o poder, ainda, de decidir realizar novas diligências para o completo esclarecimento da verdade 496. A discricionariedade

instrutória para ordenar diligências procedimentais reside numa norma de competência que habilita o instrutor “(…) para dispor em todo o espectro do procedimento” 497.

Cumpre dizer que, esta competência enquanto afirmação do princípio do inquisitório, não pode concretizar com objetivo de contrair a prova apresentada pelo trabalhador 498 - não

se pode converter um meio para a descoberta da verdade em uma “réplica” – nem para

considerar manifestamente impertinente e desnecessária, aplicando extensivamente o n.º 1 do artigo 218.º da LTFP. Acórdão de 24 de novembro de 2016, Processo n.º 3/16.3YFLSB in www.dgsi.pt/jstj.nsf.

493 Manuel Leal Henriques, Procedimento Disciplinar, op. cit., p. 182, 494 Miguel Lucas Pires, Os Regimes de Vinculação…, op. cit., p. 226.

495 O STA entende que “em processo disciplinar não constitui nulidade insuprível a omissão de qualquer diligência instrutória, mas apenas a daquela que seja essencial para o apuramento da verdade, pelo que omitida uma diligência reconhecidamente inútil, ou desnecessária, não ocorre aquela nulidade”. Acórdão de 3 de julho de 1990, Processo n.º 027215 in www.dgsi.pt/jsta.

496 Artigo 218.º n.º 3 da LTFP. A competência para ordenar novas diligências também e verifica em sede decisão após o relatório final (artigo 220.º n.º 1 da LTFP) que, apesar da competência pertencer a órgãos diferentes – as primeiras ao instrutor e as segundas à entidade competente para a decisão – a discricionariedade procede-se em termos idênticos.

497 David Duarte, A Norma…, Volume II, op. cit., p. 464.

complementar uma instrução insuficiente. E muito menos será de admitir quando o instrutor tenha recusado ouvir as testemunhas apresentadas pelo trabalhador com fundamento na suficiência da prova e, posteriormente, venha alegar nesta sede a necessidade de realização de diligências por insuficiência de prova produzida sobre os mesmos factos.

A coerência decisória do instrutor projeta-se na imparcialidade e transparência, são, pois, limites das próprias decisões de discricionariedade, desta forma, todas as decisões do instrutor não devem perder a orientação da busca da verdade material. Será, então, de admitir que tais diligências devem limitar-se aos factos relativamente aos quais a prova produzida não foi suficiente para permitir ao instrutor formar a sua convicção.

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