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Nas considerações feitas no capítulo anterior, enfatizamos que os referentes são objetos de discurso que vão sendo construídos e reconstruídos durante a interação verbal. Nesse cenário, ganham especial destaque as anáforas, considerando o recorte de nossa pesquisa.

A literatura sobre a anáfora é vasta e rica. Várias são as abordagens teóricas que buscam fornecer uma descrição para o fenômeno, e muitos são os estudiosos que se dedicam ao estudo da anáfora e sua função no universo textual. Neste trabalho de pesquisa, evidenciamos alguns desses estudos e suas contribuições para a descrição do fenômeno.

Abordaremos as anáforas correferenciais e as não-correferenciais. O estudo fundamenta-se na noção primeira de que as expressões referenciais não se reduzem a promover a simples identificação de nexos da estrutura sintagmática do texto. Muito mais que isso, elas expressam relações envolvendo dimensões pragmático-discursivas. Para tanto, procedemos a uma revisão da literatura com base nos respectivos autores: Adam (2008), Apothéloz (2003), Cavalcante (2003, 2004, 2005), Koch (2006a, 2008), Marcuschi & Koch (1998), Koch & Elias (2006), Marcuschi (2005), Zamponi (2003), Ilari (2001) e Milner (2003).

O termo anáfora, na retórica clássica, segundo Marcuschi (2005, p. 54), indicava a repetição de uma expressão ou sintagma no início de uma frase. Atualmente a noção de anáfora se distancia da noção original e, na Linguística Textual, o termo é utilizado para designar expressões que, no texto, se reportam a outras expressões, enunciados, conteúdos (retomando-os ou não), contribuindo para a continuidade tópica ou referencial.

Ao situar as anáforas em sua proposta classificatória, Cavalcante (2004, p. 6) assim se refere:

Sugerimos que neste nicho (das anáforas) se abriguem todas elas: diretas e indiretas, com dêiticos ou sem dêiticos. Esta proposta de reenquadramento apresenta a vantagem de preservar uma intuição comum, em Linguística Textual, de que todo recurso referencial que remeta, no mínimo, a qualquer âncora do cotexto é, no fundo, anafórico.

Nessa proposta, a autora (2004) classifica as anáforas em correferenciais e

não-correferenciais. No primeiro grupo, abrigam-se as anáforas diretas, chamadas

correferenciais. Elas podem ser recategorizadoras ou não. No segundo grupo, as anáforas não-correferenciais também denominadas de indiretas (AI), as quais serão retomadas mais adiante.

Ainda se pode afirmar com base em Cavalcante (2004) que as anáforas correferenciais retomam o referente cotextualmente e abrangem qualquer processo em que duas expressões referenciais designam o mesmo referente, não importando o fato de a expressão anafórica remeter retrospectivamente ou prospectivamente a ele. São, segundo a autora, aquelas que operam uma retomada, que pode ser total ou parcial.

As anáforas não-correferenciais são aquelas que fazem remissão a algum elemento do cotexto ou presente na memória discursiva.

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Segundo Hênio Tavares, do ponto de vista da Teoria Literária e da “Poética”, anáfora é a repetição da mesma palavra ou expressão no início de frases, períodos ou versos.

O conceito no qual um anafórico se refere a seu antecedente deve ser repensado, tendo em vista que as formas de retomada são expressões referenciais no sentido mais geral do termo, ou seja, não se limitam à relação termo a termo, nem a expressões metalinguísticas ou metadiscursivas, segundo Apothéloz (2003). Ele reconhece, também, que um antecedente não é um elemento indispensável ao funcionamento das formas de retomada.

O autor considera problemática a noção de antecedente como segmento textual unívoco em sua relação semântica com a forma de retomada, posto que pode surgir no texto uma expressão anafórica que identifica o referente não com denominação ao antecedente, mas com formas de retomadas atributivas para identificar o referente como é o caso do exemplo:

(9) A descoberta de um fóssil revolucionou a teoria da evolução dos grandes predadores pré-históricos. Batizado de Raptorex, ele viveu há 125 milhões de anos na China – 60 milhões de anos, portanto, antes do Tyrannosaurus rex, um gigante de 12 metros e seis toneladas. Achava-se que “esse monstro” era fruto da evolução. (Istoé, 23/07/09, p. 25)

As considerações feitas nos levam a entender que a interpretação das anáforas requer muito mais que a recuperação de um antecedente atualizado previamente no discurso por se tratar de um processo no qual se põe em jogo inferências e pressuposições. A referência anafórica implica, portanto, a mobilização de conhecimentos a partir das instruções do texto e daquelas que o co-enunciador pode inferir graças à sua bagagem enciclopédica e cultural.

A anáfora nem sempre é pronominal nem correferencial, segundo Marcuschi & Koch (1998). Também nem sempre tem um antecedente explícito no cotexto; nem sempre implica uma retomada. O conceito de anáfora, para esses autores, é bem mais amplo. A anáfora é um processo em que se dá uma relação entre dois elementos textuais, com diferentes configurações, em que a progressão referencial

não ocorre necessariamente pela retomada, mas sempre por algum tipo de remissão. Pode acontecer de o antecedente não estar explícito lexicalmente, mas inferido no cotexto, o que define a anáfora como uma estratégia de textualização que não supõe continuidade linear de referentes.

É importante destacar que na visão clássica e linear de anáfora não se discute o processo de referenciação em todas as suas implicações, deixando para trás uma série de questionamentos quanto à dinâmica textual, pois para Marcuschi (2005, p. 55): “Em sua essência, a anáfora é um fenômeno de semântica textual de natureza inferencial e não um simples processo de clonagem referencial.” Nesse

panorama, o autor propõe um esquema de processamento da anáfora direta o qual apresentamos a seguir.

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