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3 RELAÇÃO ENTRE ÉTICA, MORAL E DIREITO 82

3.4 A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA E DIREITO 103 

3.4.1 Definição de Valores 112 

Torna-se necessário explanar a respeito do ‘valor’, já que todo ato moral inclui a necessidade de escolher entre vários atos possíveis, sendo que a escolha deve, por sua vez, basear-se em uma escala de preferência entre o mais valioso e o menos valioso moralmente ao que constitui uma negação de valor desse gênero (valor moral negativo ou desvalor). Para tanto é imprescindível estabelecer o que são os ‘valores’.

Quando falamos em valores, temos presente a utilidade, a bondade, a beleza, a justiça, etc. assim como os respectivos pólos negativos: inutilidade, maldade, lealdade, injustiça, etc. Em primeiro lugar, referir-nos-emos ao valor que atribuímos às coisas ou aos objetos, quer sejam naturais quer sejam produzidos pelos homem e, mais tarde, ocupar-nos-emos do valor com respeito à conduta humana e, particularmente, à conduta moral. (VÁZQUEZ, 2008, p. 136)

Inicialmente se institui valores as coisas tanto como objeto natural, como objeto natural humano ou humanizado, sendo que o objeto valioso não poderá existir sem certa relação com um sujeito, e nem independentemente das suas propriedades naturais, sensíveis e físicas que sustentam o valor do mesmo objeto.

Embora se vincule inicialmente o termo ‘valor’ como derivado da economia, conforme destaca Vázquez (2008), foi com Marx, a partir da análise do valor econômico, que ocorreu a identificação das características do valor em geral, determinando-se sua essência e evidenciando-se a significação social e humana, o que veio a proporcionar a diferenciação entre objetividade e subjetividade dos valores.

O valor de uso de um determinado objeto somente ocorre por se tratar o homem de um ser social e serve para satisfazer uma necessidade humana, independentemente se é natural (ar, terra, etc...) ou advém de um produto humano. E ainda que o objeto existisse antes da formação da sociedade, as propriedades derivadas deste mesmo objeto existiriam apenas como suporte de um valor de uso e o objeto somente seria usado quando entrasse em relação com o homem social. Nesse ínterim, o objeto seria valioso somente para um sujeito. E, ainda, pondera-se a existência de um valor de uso e de um valor de troca, este último também é propriedade do objeto com relação ao homem, mas não dispõe da clareza e transparência próprias do valor de uso. Porém ambos – valor de uso e valor de troca – não existem em si, mas em relação às propriedades naturais e físicas do objeto-suporte, e também em relação ao sujeito, aqui caracterizado como o ‘homem social’.

Vázquez indica traços essenciais dos valores:

1) Não existem valores em si, como entidades ideais ou irreais, mas objetos reais (ou bens) que possuem valor.

2) Dado que os valores não constituem um mundo de objetos que exista independentemente do mundo dos objetos reais, somente existem na realidade natural e humana como propriedades valiosas dos objetos da mesma realidade;

3) Por conseguinte, os valores exigem – como condição necessária a existência de certas propriedades reais – naturais ou físicas – que constituem o suporte necessário das propriedades que consideramos valiosas;

4) As propriedades reais que sustentam o valor, e sem as quais este não existiria, são valiosas somente em potência. Para passar a ato e transformar-se em propriedades valiosas efetivas, é indispensável que o objeto esteja em relação com o homem social, com seus interesses e com suas necessidades. Desta maneira, o que vale somente em potência adquire um valor efetivo (VÁZQUEZ, 2008, pp. 140-141)

Diante disso, Vázquez (2008) propõe que o valor não seria uma propriedade dos objetos em si, mas uma propriedade adquirida graças à sua relação com o homem, tido como um ser eminentemente social. Todavia, existem conceituações sobre o objetivismo e o subjetivismo axiológicos. Para fins deste estudo considera-se que a posição subjetivista adaptada seria a mais adequada, pois prevê que o sujeito transfira um valor para o objeto dependendo do modo como a presença do próprio objeto lhe afeta. Porém, a reação do sujeito não seria exclusivamente pessoal, já que o indivíduo pertence a uma época e, na qualidade de ser social, se insere em uma rede de relações com determinada sociedade, além de estar mergulhado em uma dada cultura. Assim sendo, a sua apreciação das coisas ou os chamados juízos de valor passam a ser realizados a partir de regras, critérios e valores não inventados pessoalmente, mas sim a partir de regras que tenham uma significação social, e não por singelas reações individuais, ou meramente subjetivas.

Há uma combinação entre o simples objetivismo axiológico a partir de uma leitura empírica, intertemporal, e idealista, inclusive de alguns filósofos como Platão, e uma leitura do subjetivismo em que as reações dos indivíduos passariam por um espectro da subjetividade, mas por outro lado haveria um caráter de senso moral e de consciência moral forte que, por meio da liberdade de escolha, combinada com a responsabilidade, importaria gerar decisões que considerassem o ser sempre como relacional. Deste modo, a sua atitude individual, a partir da interpretação de algum valor, sempre caracterizará um reflexo social, que pode ser ínfimo ou de grandes proporções, pois o valor é absoluto, independente, ideal, imutável, incondicionado, e é diferente dos bens, os quais são variáveis, relativos, condicionados e podem mudar de uma época para a outra.

O homem pode manter diversas relações com os valores (...) podem historicamente variar as formas de relação dos homens com os valores (as formas de concebê-los ou de realizá-los); podem até ser cegos para percebê- los numa determinada época. Contudo, nem a ignorância de um valor nem as mudanças históricas no seu conhecimento ou na sua realização afetam minimamente a existência dos valores, já que estes existem de um modo intertemporal, absoluto e incondicionado. (...) A existência do valor não pressupõe necessariamente a de um bem; este, pelo contrário, pressupõe necessariamente o valor que nele se encarna. Ou seja, o que existe de valioso numa coisa tem a sua fonte no valor que existe independente dela. (VÁZQUEZ, 2008, p. 144)

Não há como desvincular que os valores conhecidos têm ou tiveram sentido nas relações humanas, razão pela qual se torna coerente a afirmativa de que os próprios valores seriam criações humanas e só existem e existiriam, e se realizam no homem e pelo homem, a partir de uma objetividade social.

É uma objetividade especial – humana, social -, que não se pode reduzir ao ato psíquico de um sujeito individual nem tampouco às propriedades naturais de um objeto real. Trata-se de uma objetividade que transcende o limite de um indivíduo ou de um grupo social determinado, mas que não ultrapassa o âmbito do homem como ser histórico-social. Os valores, em suma (...) existem assim objetivamente, isto é, com uma objetividade social. Os valores, por conseguinte, existem unicamente em um mundo social; isto é, pelo homem e para o homem. (VÁZQUEZ, 2008, p. 147)

Por vezes, usa-se o sentido de valor como uma forma de utilidade ou beleza, esquecendo-se, entretanto, do significado moral dos valores, que existem unicamente em atos ou produtos humanos. Realizados de forma consciente e livre será possível atribuir-lhes responsabilidade moral. E a partir disso ocorrem as avaliações morais em que o ato moral realizará o ‘bom’.

E o ‘bom’ é visto sob diferentes nuances. O bom como ‘felicidade’ (eudemonismo), que segundo Aristóteles é o estado de felicidade que exige condições concretas sem as quais seria impossível atingir a felicidade. Atualmente reforça-se esta definição quando se afirma que a felicidade jamais pode ser separada de certas condições sociais para ser plena. O bom

como ‘prazer’, como sentimento ou estado afetivo agradável, é o oposto do desprazer, onde o

juízo de fato atuaria como premissa e o juízo de valor funcionaria como conclusão. O bom

como ‘boa vontade’ (formalismo kantiano), em caráter de determinação para fazer algo, em

que o bom é algo incondicionado, sem restrição alguma. O bom como ‘útil’ (utilitarismo), que traça 02 (duas) perguntas fundamentais: Útil para quem? Em que consiste o útil? As respostas seriam que o utilitarismo é uma espécie de altruísmo ético, pois o bem é o útil para os outros, como interesse geral, ainda que essa utilidade fosse contraditória aos interesses pessoais, mas que um ato só será considerado bom a partir das consequências boas que provoque, ou seja, o útil é o benéfico, e uma das ênfases é que existe o utilitarismo pluralista, segundo o qual o bom não é uma única coisa – ou o prazer ou a felicidade – mas várias coisas que podem, ao mesmo tempo, considerarem-se como boas. (VÁZQUEZ, 2008).

No entanto, há críticas a respeito especialmente da utilização da Teoria Utilitarista, a qual dependeria da relação direta existente entre o conteúdo do útil e a sua vinculação com a felicidade. Assim, dependeria da forma como a distribuição dos bens considerados valiosos seria realizada pelo grupo social, não podendo estender-se além dos limites impostos pela própria estrutura econômico-social da sociedade (tipos de relações de propriedade, correlação de classes, organização estatal, etc.) culminando que a eventual alienação representaria o contexto de infelicidade.

Ao relativizar os aspectos do utilitarismo poder-se-ia novamente invocar, para fins desta pesquisa, os ensinamentos de Bordieu (2007). Ele assevera que o ‘mundo social’ é um ato de construção que utiliza esquemas de pensamento e de expressão onde há a atividade estruturante dos agentes que reagem respondendo aos apelos ou às ameaças de um mundo para cuja produção de sentido a eles próprios haviam contribuído por meio de estruturas sociais incorporadas que criam um mundo de senso comum realçando a relação entre dominantes e dominados. Entretanto, seria a ética o espaço comum conhecido entre as classes e na sociedade que iria transcender a realidade econômico-social da sociedade, oportunizando a criação de um habitus em que as escolhas individuais se voltariam para a concepção da felicidade plena, em que a resposta única com reflexos pessoais e gerais seria a ética.

Existe, pois, estreita relação da Ética e do Direito, sendo que na convivência social desempenham um papel importante, para não dizer primordial. A Ética por não exigir uma atitude/ação com sanção estatal, mas ao criar comportamentos e regras traçados e chancelados pela própria sociedade, sempre com um caráter histórico bastante forte, e o Direito, como comportamento obrigatório, cogente, imperativo, sancionado pelo Estado. Porém, ambos visam organizar as relações sociais, que devem ser pautadas tanto pela liberdade como pelo respeito.