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seguinte pergunta de partida: qual é a narrativa predominante nos media

internacionais, nos meios feministas mainstream (de organizações internacionais como a ONU; em movimentos sociais como as Femen; European Women's Lobby e United Nations Entity for Gender Equality and the Empowerment of Women – UN Women) e

no meio académico relativo à violência sexual perpetrada por membros de forças beligerantes/insurrecionais nos conflitos da Síria e Iraque, nos períodos compreendidos entre 2010 e 2015? Quais são os pressupostos político-filosóficos e psicossociais por detrás desta narrativa e de que forma é que poderá ser instrumentalizada por movimentos políticos e sociais «anti-imigração» / «anti-asilo» e/ou «pró-intervenção»?

O projeto assentará numa interação entre a abordagem interpretativa e crítica – e neste sentido socialmente comprometida – que desmascara o objetivismo mostrando a conexão existente entre conhecimento e interesse (Habermas, 2013, p. 147), isto é, desnaturalizando certos conceitos dados como naturais e objetivos e associando-os aos interesses que sustentam,86 pois «[…] logo que se entende que as proposições são

relativas ao sistema de referência previamente nelas posto, a ilusão objetivista desfaz- se e liberta o olhar para um interesse que dirige o conhecimento» (Habermas, 2013, p.

136). É, contudo, necessário ter em atenção que esta crítica da razão neutra já havia sido feita por vários académicos, de entre eles destacam-se Friedrich Nietzsche ao advogar que «[…] todo o conhecimento tem um carácter local e de que nenhum observador

humano consegue uma imitação tão perfeita do olho divino que transcenda realmente a sua própria localização» (Sloterdijk, 2014, p. 108), Michel Foucault com o

desenvolvimento da teoria dos regimes de discurso/poder-saber e Thomas S. Kuhn com a teoria dos paradigmas científicos (Sloterdijk, 2014, p. 112), e, principalmente, as feministas, das quais se destaca Judith Butler, ao desconstruírem a noção de uma ciência neutra, sem género, e demonstrarem como o discurso científico naturalizado é produto de uma masculinidade dominante, quase exclusivamente dominado e determinado pelo género masculino (Sloterdijk, 2014, p. 112). Assim, partir-se-á desta tradição crítica do pensamento objetivista com o objetivo de interpretar os discursos ocidentais no que concerne ao tema supramencionado.

Ora, na investigação proposta utilizar-se-á o método dedutivo, ou seja, o consecutivo teste e reformulação de hipóteses refutadas e reelaboradas com base no

86 Segundo Jürgen Habermas «a partir das experiências do dia-a-dia, sabemos que as ideias servem muitas vezes para mascarar com pretextos legitimadores os motivos reais das nossas ações. O que a este nível se chama racionalização chamamos-lhe, no plano da ação coletiva, ideologia.» (2003, p. 140-141).

estudo sistemático do conflito na Síria e Iraque entre 2010 e 2015. O objetivo é analisar o fenómeno da violência sexual e do discurso sobre a violência sexual na contemporaneidade à luz da teoria crítica para que futuramente seja possível comprovar a eficácia da teoria e corroborar ou refutar as hipóteses adiantadas na investigação preliminar. Para tal, parte-se de duas hipóteses iniciais derivadas das conclusões à investigação preliminar e, com as quais, posteriormente se pretende responder à pergunta de partida.

Primeiro, dar-se-á relevância ao estudo da narrativa veiculada pelas organizações internacionais e meios de comunicação social considerando-se a hipótese: a narrativa

vinculada pelas organizações e media internacionais representa simbolicamente o homem muçulmano como agressor e a mulher (seja ela cristã, muçulmana ou judia) como vítima. Para corroborar/refutar a referida hipótese interpretar-se-á a relação entre o

discurso internacional e o conceito de vitimização e Orientalismo através da recolha e tratamento de dados de fontes discursivas textuais e extratextuais (e.g. imagens e vídeos), eminentemente qualitativas, como relatórios de organizações internacionais e não-governamentais que abordem o fenómeno da violência sexual, comunicados oficiais e os próprios sites e peças jornalísticas (i.e. artigos, reportagens, documentários) de jornais/revistas internacionais.

No seguimento da escolha das fontes e recolha do material documental e iconográfico, o processo de análise e tratamento dos dados será feito com recurso ao método da análise crítica de discurso, no caso do material discursivo. O objetivo é, através da desconstrução dos discursos, compreender as relações de poder que se estabelecem no discurso mediático ao mesmo tempo que se compreende as instituições que lhe dão sentido e o sancionam. Entre as ferramentas que permitem levar a cabo esta análise encontram-se o estudo das linguagens sociais, discursos, conversações e intertextualidade (Cf. Gee, 2010, pp. 28-30), bem como a análise do funcionamento dessas instituições, recorrendo sobretudo aos estudos organizacionais e institucionais. Por outras palavras, o que se pretende é não só analisar o discurso, como também «discernir as formas de exclusão, da limitação, da apropriação […]; mostrar como se formaram, para responder a que necessidades, como se modificaram e se deslocaram, que força exerceram efetivamente, em que medida foram contornadas» e «como se formaram, através de, apesar de, ou com o apoio desses sistemas de coerção, de série de discursos: qual foi a norma específica de cada uma e quais foram as suas condições de

aparição, de crescimento, de variação» (Foucault, 1997, p. 45). Para tal é necessário atender também às instituições que veiculam o discurso em causa, não só as empresas de comunicação social como os próprios movimentos feministas, mais especificamente as organizações feministas transnacionais mainstream ocidentais. Recordemos que se trata de organizações cujo discurso serve, muitas vezes de mote, para as posições tomadas por movimentos políticos.

Findo o processo, proceder-se-á a um período de reflexão acerca dos resultados e possível reavaliação das hipóteses de trabalho, recorrendo simultaneamente à comparação dos dados recolhidos com a bibliografia crítica sobre a temática em estudo.

Pretendendo-se uma aprofundada compreensão do fenómeno, é necessário analisar no decurso do tratamento da informação acima referida três dimensões do discurso: i) a dimensão identitária (i.e., género, raça, etnia, nacionalidade e socioeconómica); ii) a dimensão política (i.e., micro e macro); iii) dimensão relacional ou intersubjetiva.

A segunda parte do projeto, por sua vez, tentará corroborar/refutar a hipótese segundo a qual a este discurso acerca da violência sexual está subjacente uma ideia

determinada e generalizada do homem e da mulher do Médio Oriente – orientalismo – defendida pelo mainstream ideológico ocidental, que em última análise constitui uma forma de violência simbólica e intolerância dissimulada que fornece uma justificação plausível para os discursos islamofóbicos ocidentais, promove a rejeição de migrantes/refugiados dessas guerras e falha em defender os direitos destas mulheres,

ou seja, partindo das ideologias ocidentais dominantes/hegemónicas, caracterizada também por uma certa ideia de Oriente, tentar-se-á compreender de que forma esta influi na narrativa que justifica os discursos islamofóbicos. Com o objetivo de analisar estas conexões, recolher-se-ão fontes primárias textuais (e.g. relatórios de organizações internacionais e não governamentais, livros jornalísticos, entrevistas a ativistas iraquianas e sírias.) ou multimédia (e.g. documentários, reportagens jornalísticas, pequenas peças noticiosas etc.). Estas fontes serão tratadas de acordo com o método etnográfico e linguístico – análise crítica de discurso – para que se compreenda a relação acima mencionada, através da análise da dimensão psicossocial presente nos relatos analisados. Esta análise será complementada pela revisão da literatura relativa aos estudos pós-coloniais e de género.

Em suma, por um lado, os discursos ocidentais concernentes aos conceitos substantivos de violência sexual e género serão analisados nas componentes discursivas, filosóficas e psicossociais mencionadas e a partir daí extrair-se-ão e interpretar-se-ão as causas que originam a violência simbólica atrás mencionada, i.e., de que forma os componentes do discurso internacional se relacionam para representar este tipo de violência. Por outro, analisar-se-ão as repercussões que a narrativa internacionalmente vinculada tem na forma como o dito ‘ocidente’ lida com a violência sexual em cenários de conflito.

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