• Nenhum resultado encontrado

Para fixarmos aspectos da representação formal da metáfora é necessário, primeiramente, uma definição de metáfora. À medida que a definição “científica” requer todo um arcabouço teórico-metodológico que a sustente, a metáfora só pode ser definida cientificamente dentro de uma concepção particular. É por isso que, em geral, os modelos não respondem à pergunta “como a metáfora é definida?”, pois a metáfora é compreendida quando o modelo é compreendido: a definição emerge da compreensão do modelo. O que muitas vezes se encontra é uma caracterização da metáfora ou um recorte de definição pré- estabelecida (delimitada a partir de um modelo particular ou da miscelânea de modelos), como ocorre na maioria, senão em todos os aplicativos computacionais que, de alguma forma, visam codificar a metáfora.

Um outro ponto que desfavorece a delimitação de uma definição diz respeito a fatos lingüísticos, responsáveis pela variedade de tipos de metáfora lingüística inventariados na literatura. Esses tipos são, tradicionalmente, classificados em dois grupos: o grupo das “metáforas congeladas” (também referidas como metáforas convencionais, cristalizadas, mortas ou literais) e o grupo das “metáforas novas” (também designadas metáforas criativas, poéticas, vivas ou ad hoc). As metáforas “Maria está com dor no coração”, “A corrupção deve ser combatida com armas de fogo”, “Laura é uma fera”, “Esse remédio mata os germes”, “Os boatos corriam solto”, “Precisamos amadurecer as idéias”, “A asa da xícara fica do lado de fora”, por possuírem uma interpretação cristalizada, exemplificam o grupo das metáforas congeladas. Já, as metáforas “As células do câncer são os insurgentes iraquianos”, “A sua fúria é um café poderoso”, “Estou com pensamentos octogonais”, “Júlia tem promessas hipocondríacas”, “O céu está gripado hoje”, por não possuírem uma interpretação fixa, exemplificam o grupo das metáforas novas.

Desconsiderando a crueza dessa proposta de classificação da metáfora, que desconsidera os diferentes “graus de metaforicidade” 49 e tendo em vista os exemplos esboçados, perguntamos: até que ponto é possível ser objetivo frente a essa classificação? E ainda, até que ponto essa classificação sustenta as fronteiras que separam as metáforas, em particular, as metáforas congeladas, das expressões idiomáticas? Por exemplo, considerando a expressão “saia justa”, em uma frase como “Maria ficou na maior saia justa durante a reunião”, será que essa expressão deve ser inserida no grupo das metáforas congeladas ou no grupo das expressões idiomáticas?

Segundo Glucksberg (2001, p.68), o que separa uma expressão idiomática de uma expressão fixa é a natureza “não-lógica” da expressão idiomática, entendida como a falta de qualquer relação discernível entre o significado lingüístico e o significado idiomático.50 Seguindo essa definição, a expressão “saia justa” não deve ser classificada como idiomática, já que o significado “situação complicada”, apesar de não ser derivado da composição “saia + justa”, emerge de um esquema de imagem de “impedimento de movimentação” (no sentido conceptual e físico), o que, de certa forma, sugere uma relação discernível entre os significados lingüístico e idiomático. O que não ocorre, por exemplo, com a expressão “rei da cocada preta”, exemplificada em “Ele se acha o rei da cocada preta”.

Entretanto, a fronteira que separa as metáforas congeladas das expressões idiomáticas, torna-se, muitas vezes, obscura face à delimitação uniforme (e não gradativa) de ambas (cf. nota 49). Mesmo em vista de tal fato parece-nos, entretanto, que a distinção entre as expressões idiomáticas e as metáforas congeladas constitui o primeiro passo para a delimitação de uma definição de metáfora.

Um segundo passo seria o esboço de uma definição que abarque o mecanismo de produção/compreensão de, pelo menos, algumas metáforas.

Assim, para não nos comprometermos com um modelo particular e também para não formularmos uma definição metafórica ad hoc, propomos, para fins computacionais, uma “proto-definição” que visa a explicar o mecanismo de produção/compreensão da metáfora, em particular, no âmbito dos modelos metafóricos tradicional, interacionista e cognitivista (analisados no domínio Lingüístico-Cognitivo), os quais acreditamos ser os mais apropriados

49

Por “graus de metaforicidade” estamos entendendo os diferentes níveis ou a gradação das metáforas. Por exemplo, se pensarmos em uma escala metafórica, as duas extremidades dessa escala seriam preenchidas pelos pólos +metafórico e –metafórico, que representariam a gradação máxima e mínima, respectivamente, dos tipos metáfora nova e metáfora congelada. Assim, a metáfora “João quebrou o pé da mesa” estaria mais próxima do pólo “–metafórico” que, por exemplo, a metáfora “João é uma baleia”.

50 A expressão idiomática é comumente definida como “uma construção, cujo significado não pode ser derivado

para fins do PLN. Essa proto-definição poderia ser assim caracterizada: “a metáfora é um mecanismo de co-relação entre duas entidades concretas ou abstratas”.

É a partir dessa proto-definição que os modelos, em geral, fixam suas definições de metáfora. Por exemplo, a teoria tradicional a reescreveria como “um veículo de transferência de similaridades entre dois objetos”, a teoria interacionista, como “um processo de interação entre o foco e o frame” e a teoria conceptual como “um mapeamento conceptual entre os domínios fonte e alvo”. Cada um desses modelos pressupõe um tipo de relação (seja unidirecional, seja bidirecional) entre as duas entidades, genericamente entendidas como objetos, idéias ou conceitos. À medida que a relação envolve algum tipo de transferência, essa proto-definição poderia também ser reescrita como “um mecanismo de transferência de algum tipo de conhecimento entre dois conceitos”. Nesse caso, o termo “conhecimento” seria especificado, nos três modelos, respectivamente, pelos termos “similaridades”, “características” (considerando que os “sistemas de lugares comuns” são constituídos de características) e “estruturas conceptuais”.

Assim, quando analisamos a representação formal da metáfora, é a essa concepção de metáfora, especificada como “qualquer palavra ou expressão que pressupõe, em um enunciado, algum tipo de relação entre duas idéias ou dois conceitos”, a que nos referimos. Mencionamos que essa definição não dá conta da distinção entre a metáfora e a metonímia. Mas, à medida que as relações de inferência metonímica existentes, por exemplo, entre “escola” e “aluno”, em contextos como “A escola exigiu uma explicação do governo”, de certa forma, não deixam de ser metafóricas, acreditamos não haver problemas com essa indistinção.

Evidenciamos ainda que essa proto-definição, aqui fixada, não abrangeria, por exemplo, as abordagens metafóricas sustentadas por Searle e Davidson, já que esses autores não atribuem a metaforicidade a um tipo de relação entre idéias. 51

51

Se a metáfora (nessas abordagens) fosse para ser entendida em termos de algum tipo de relação, a relação seria interpretada como uma relação falante-ouvinte; mas, ao envolver a instância discursiva e, portanto, um outro nível de análise, o sentido da proto-definição deveria ser redimensionado.

Documentos relacionados