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Definindo Quase-Experimentação

3. P OSSIBILIDADES DA Q UASE E XPERIMENTAÇÃO

3.1. Definindo Quase-Experimentação

A literatura metodológica sobre a quase-experimentação é dominada por perspectivas que enfatizam a experimentação com delineamentos entre-grupos

(Campbell & Stanley, 1966/1979; Kidder, 1987; Reaves, 1992). Nesta literatura, realizar um experimento é quase sempre igualado a distribuir aleatoriamente sujeitos entre grupos experimentais (onde há exposição à VI) e grupos controle (onde não há exposição à VI). Essa perspectiva afeta o modo como a quase-experimentação é definida e caracterizada. Por comparação com a experimentação (associada a delineamentos entre-grupos), a quase-experimentação é muitas vezes apresentada como um método para se abordar relações funcionais (ou causais) quando não é possível distribuir aleatoriamente os sujeitos ou grupos entre as condições do experimento. Campbell e Stanley (1966/1979), por exemplo, definem quase-experimentos como o conjunto de pesquisas no qual o investigador:

pode introduzir algo semelhante ao delineamento experimental em sua programação de procedimentos de coleta de dados (por exemplo, quando e quem medir), ainda que lhe falte o pleno controle da aplicação dos estímulos experimentais (quando e quem expor e a capacidade de casualizar [sic] exposições) que torna possível um autêntico experimento. (p. 61, itálicos no original)

Definir quase-experimentação desta forma é um equívoco, já que supõe a comparação entre-grupos como a única possibilidade de experimentação (Skinner, 1956; Johnston & Pennypacker, 1993a, 1993b). Uma definição mais genérica de experimentação (como a apresentada anteriormente e adotada neste trabalho) deve levar a uma demarcação também mais genérica da quase-experimentação. Nesta perspectiva, a quase-experimentação pode ser entendida como um método que se assemelha à experimentação na busca por relações funcionais entre eventos, mas que difere desta em outros aspectos. De fato, podemos conceber os métodos que objetivam estabelecer relações funcionais como um contínuo cujos extremos são o máximo e o mínimo possíveis de controle sobre aspectos relevantes da situação estudada. No extremo de máximo controle estaria o experimento de laboratório, enquanto no extremo de mínimo controle estaria a especulação (ou interpretação) (Tourinho & Sério, s/d)10. A quase- experimentação estaria situada entre estes dois extremos, seria “um compromisso entre

10 Considera-se que há controle de variáveis quando se estabelece uma correlação entre variáveis. No

entanto, é apenas quando variáveis são manipuladas (o que ocorre em estudos experimentais ou quase- experimentais) que de fato obtém-se controle sobre as variáveis; apenas nestes casos é possível demonstrar que a correlação estabelecida é sistematicamente mudada quando variáveis estão presentes ou ausentes. Quando se rotula o método como de interpretação, implicitamente reconhece-se a impossibilidade de tal demonstração. O que não significa reconhecer-se a impossibilidade de afirmar certas relações/correlações entre variáveis e, por conseguinte, que se supõe haver certo controle sobre as variáveis de que se fala.

um autêntico experimento e as realidades do mundo. Quando experimentos não são possíveis, a pesquisa quase-experimental pode descartar algumas das possíveis causas dos eventos, mas não todas.” (Reaves, 1992, p. 143) A lógica da busca por relações funcionais deveria ser a apontada por Campbell (1969): sempre visar o melhor método possível tomando a experimentação como ideal, mas onde ela não for possível, utilizar criticamente quase-experimentos ou outros métodos.

Assim, a quase-experimentação pode ser definida como: 1) uma busca

sistemática pelo estabelecimento empírico de relações funcionais entre eventos 2) com limites ao controle de variáveis estranhas (VEs) e independentes (VIs) (quando introduzi-las, a quem e como exatamente aplicá-las) ou à medida das variáveis dependentes (VDs), mas 3) com dados sobre condições nas quais a VI está presente e condições em que a VI está ausente, e conseqüentemente, 4) com alguma dificuldade na afirmação dos efeitos das VIs sobre as VDs. A própria definição de quase-

experimentação, portanto, já estabelece a importância de uma avaliação criteriosa das limitações impostas ao pesquisador em termos das conclusões que podem ser derivadas dos dados produzidos. Mesmo quando um quase-experimento é adequadamente conduzido, a afirmação de relações funcionais pode não ser possível ou não ser justificada.

Vale destacar que quase-experimentos podem ser desenvolvidos tanto com VIs deliberadamente introduzidas pelo pesquisador quanto com VIs que ocorram naturalmente, e tanto com dados coletados pelo próprio pesquisador quanto com dados de arquivo (Campbell & Stanley, 1966/1979). O controle sobre a introdução das VIs é certamente uma vantagem para o pesquisador, mas sua ausência não deveria excluir a possibilidade de se buscar relações funcionais entre eventos a partir de uma lógica quase-experimental. Dados de arquivo (coletados provavelmente visando objetivos diferentes dos do pesquisador) envolvem dificuldades particulares, mas podem ser legitimamente utilizados como parte de quase-experimentos.

Outra questão relevante à caracterização dos quase-experimentos é sua distinção com relação às pesquisas aplicadas e aos experimentos de campo. As pesquisas aplicadas definem-se não por uma diferença entre pesquisa em que se “descobre” e pesquisa em que se “aplica” e nem pelos métodos empregados, mas pelos objetivos que busca alcançar. Na definição clássica da Análise do Comportamento Aplicada, proposta por Baer, Wolf e Risley (1968), o aspecto aplicado de uma pesquisa refere-se ao compromisso de se assumir como problema de pesquisa questões relevantes para os

seus participantes. Isto quer dizer que se pode realizar pesquisa aplicada, em princípio, com qualquer método, desde que não se viole a relevância social do estudo e que o método permita responder ao problema de pesquisa. Em decorrência disso, podemos ter pesquisas aplicadas com métodos quase-experimentais ou não, e quase-experimentos aplicados ou não.

Os experimentos de campo, por sua vez, distinguem-se dos quase-experimentos por serem efetivamente experimentos, situações nas quais um alto grau de controle das VIs e VEs é possível (Kerlinger, 1973). É claro que há toda uma série de dificuldades envolvidas no planejamento e execução de tais pesquisas (dificuldades de mensuração e de controle sobre as VIs, por ex.). Desde que os requisitos básicos de um experimento sejam atendidos, contudo, o fato de serem conduzidos em campo em nada altera o modo como os resultados desses experimentos são analisados e interpretados.

Em suma, quase-experimentos não são necessariamente pesquisa aplicada e distinguem-se dos experimentos de campo, como de todos os experimentos, por não envolverem um alto grau de controle das variáveis estudadas.