• Nenhum resultado encontrado

Delegado Orlando Zaccone D’Elia Filho Delegado da Polícia Civil – Rio de Janeiro

Boa tarde!

Queria primeiro manifestar minha imensa alegria de estar aqui hoje, tendo a oportunidade de presidir a mesa do último painel.

Inicialmente, quero convidar o Diretor da EMERJ, Desembargador Sergio Verani, para compor a mesa de encerramento.

Em nome da LEAP BRASIL, não posso deixar de agradecer mais uma vez à Escola da Magistratura por estar nos recebendo em nosso primeiro evento: é o primeiro seminário da LEAP BRASIL. O apoio da Escola da Ma- gistratura é fundamental. Agradeço também ao Instituto Carioca de Cri- minologia, nas pessoas do Professor Nilo Batista e da Professora Vera Ma- laguti, ela que vai estar daqui a pouco em nosso painel de encerramento. Antes de chamar à mesa os nossos convidados que, na verdade, são a grande atração, queria só refletir um pouco sobre um modo de ver a construção dos saberes críticos, em vários campos. Na mesa anterior, tivemos a área médica, a economia; mais cedo, a área da criminologia, do saber jurídico, e lembrei a ideia que Foucaulttraz de que a política – e o Professor Nilo Batista falou sobre isso na abertura do Seminário – é a guerra prolongada por outros meios. Então, na verdade, estamos aqui, num campo político, nos preparando como guerreiros para uma guerra, uma guerra política. Muitos que estão aqui presentes são policiais civis e militares, acostumados, no seu dia a dia, nas suas ações, com esse cam- po da guerra. Mas é uma guerra diferente; uma guerra em que não que- remos eliminar o nosso inimigo. Queremos sim trazer o inimigo para o nosso campo de atuação, para nosso campo de batalha. A experiência deste seminário nos mostra que é possível se ver a guerra no sentido da construção política dos debates numa sociedade democrática, como algo que constrói a pulsão da vida e não a pulsão da morte.

A guerra política de que trata Foucault é uma guerra que realmente leva à vida. As ideias que estão sendo colocadas aqui hoje são muito im-

portantes. Neste último painel – sei que vocês estão cansados e eu tam- bém estou; todos nós estamos aqui desde cedo – quero inverter um pou- co a ordem de apresentação dos palestrantes. Vou fazer no estilo “MMA”. No “MMA”, primeiro se faz a leitura do currículo do lutador e depois é chamado o combatente para o octógono. Então, usando essa metáfora – mas, preciso da ajuda da plateia; vocês estão prontos para isso? Então, assim que eu terminar e chamar cada um dos palestrantes, vocês vão vê-los, cada um, como um lutador que está subindo no octógono. Eles não vão lutar entre eles, mas vão estar preparados para essa luta, essa batalha política tão necessária. E eu digo mais a vocês: todos que aqui falaram são muito importantes, grandes guerreiros, grandes lutadores, mas esses dois convidados, que vão subir aqui no nosso octógono agora, são muito fortes. Então, assim que eu acabar de chamá-los, vocês vão urrar e fazer assim: “Oh oh oh”. Vamos lá:

Bacharel em Ciências Políticas e Sociais pela PUC-RJ. Mestre em His- tória Social pela Universidade Federal Fluminense. Doutora e Pós-Doutora pelo Instituto de Medicina Social da UERJ. Professora convidada do curso de Pós-Graduação em Criminologia do IBCCRIM de São Paulo. Secretária-Geral do Instituto Carioca de Criminologia – Professora Vera Malaguti Batista!

Formou-se em Direito na Universidade de Buenos Aires. É Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Nacional do Litoral. Pro- fessor Emérito e Diretor do Departamento de Direito Penal e Crimino- logia da Universidade de Buenos Aires. Atualmente é Ministro da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina. Doutor Honoris Causa de quase trinta instituições e universidades da América Latina de grande prestígio, incluindo a Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Recebeu diversas premiações e condecorações, destacando-se o Prêmio Estocolmo de Cri- minologia em 2009, a Ordem do Mérito do Governo Alemão, a Ordem da Estrela da Solidariedade Italiana e o Prêmio Silvia Sudano no Capitólio de Roma em 2010. Vice-Presidente da Associação Internacional de Direito Penal e da Sociedade Internacional de Defesa Social. Membro do Painel Juristas Eminentes da Comissão Internacional de Justiça em Genebra – Eugenio Raúl Zaffaroni!

Uma das funções do mediador também é tentar manter a plateia atenta. Vou passar a palavra inicialmente ao Des. Sergio Verani para fazer suas considerações nesta mesa de encerramento – importante mesa – e, em seguida, passarei a palavra aos nossos convidados.

Intervenção do Desembargador Sérgio de Souza Verani:

Boa Tarde!

Eu vou repetir o que eu disse de manhã porque estava aqui na mesa abrindo a apresentação de Maria Lucia Karam e Nilo Batista. E para mim, na função de Diretor-Geral da Escola é uma grande honra, um orgulho de estar aqui presente com dois companheiros antigos de luta, de rebeldia, de mui- tas alegrias e dores também. Mas fundamentalmente de muita solidarie- dade, de muito trabalho coletivo. E agora, no encerramento do seminário, na presença de Vera Malaguti e Eugenio Raúl Zaffaroni, a honra também é tão grande. Quanto à Vera, todos conhecem o trabalho dela, fundamental na formação desse pensamento crítico. E o Zaffaroni, todos também o co- nhecemos, aprendemos com ele, eu não via o Zaffaroni havia muitos anos, mas estava lembrando a primeira vez em que eu estive com ele pessoal- mente; foi num seminário que houve aqui no Rio sobre os sistemas penais da América Latina, em 1984 ou 1985, organizado pela Cândido Mendes de Ipanema.

Mas aí conheci o Zaffaroni e a obra dele e guardo desse seminário o relatório sobre sistemas penais da América Latina, e uma expressão que o Zaffaroni usou, que eu não canso de citar: os sistemas penais da Améri- ca Latina produzem desigualdade e enquanto o sistema penal tiver como referência a punição, não deixará de ser um “espetáculo para sádicos”. Esse espetáculo para sádicos em que se constituiu, em que se constitui o sistema penal, ele vai cada vez mais se exacerbando. Hoje de manhã nós ouvimos as falas, à tarde infelizmente eu não pude estar, mas todas nesse sentido de como limitar esse espetáculo para sádicos. Porque é um espe- táculo para sádicos manter milhares de pessoas encarceradas, presas, so- frendo a produção de um sofrimento interminável. Nós que trabalhamos com o sistema penal, seja qual for a área, eu sempre achei que a nossa função é exatamente combater esse espetáculo para sádicos. E fazer com que o sistema penal possa, um dia, quem sabe, deixar de ser um espetá- culo para sádicos.

Eu acho que aí só exterminando ele, mas é uma luta permanen- te para coibir esse espetáculo para sádicos. Especialmente para que os trabalhadores do sistema penal não se deixem envolver pelo trabalho da reprodução da desigualdade, da punição, da vingança e da segregação. Então fico muito honrado de estar aqui presente. E parabenizando o Zac-

cone. Aliás o Zaccone é um show. O papel do Orlando Zaccone é funda- mental, o trabalho dele também. É um companheiro da luta contra esse espetáculo para sádicos.

Então parabéns ao Zaccone, à Vera, ao Zaffaroni. Muito obrigado pela presença de todos.

Delegado Orlando Zaccone:

Então, o painel que vai encerrar o primeiro Seminário da LEAP BRA- SIL intitula-se “Guerra às drogas e letalidade do sistema penal”. A ideia de encerrar o seminário com esse tema veio de uma pesquisa da Anistia In- ternacional, que eu gostaria de mencionar antes de passar a palavra para a Professora Vera Malaguti e depois para o Professor Zaffaroni.

Nesta pesquisa, a Anistia Internacional observou que, no ano de 2011, somando-se todos os países que preveem pena de morte no mun- do – são 21 países, mas a China não revela seus dados; assim, a pesquisa se refere aos restantes 20 países que forneceram os dados sobre a pena capital, a pena de morte legal – foram 676 pessoas executadas. Chamou a atenção da Anistia Internacional o número de pessoas que, nos estados do Rio de Janeiro e de São Paulo, foram mortas através de ações policiais – que eu reputo como mortes do sistema penal, porque essas mortes de- pois serão legitimadas através de uma forma jurídica intitulada “auto de resistência”. Foram mortas no Rio de Janeiro 524 pessoas e em São Pau- lo 437 pessoas. Somando-se, são 961 mortes por agentes do Estado em operação, ou seja, um número 42,16% maior do que as penas de morte aplicadas em todo o mundo.

Esse dado me chamou atenção especialmente porque, recente- mente, fizemos um evento da LEAP na Academia de Polícia Civil e um po- licial pediu a palavra na hora dos debates, falando assim: “Vocês estão muito atrasados. Nós deveríamos estar seguindo a China (a China para ele é a referência do avanço) porque lá se mata traficantes.” Eu falei: “Não! Você está errado, cara! A China é que teria de seguir o Brasil, porque, sob esse aspecto de matar traficantes, nós temos a liderança” e mostrei os números. Aí prossegui: “Acho que deveríamos chamar os chineses para virem ao Brasil aprender como se mata traficantes e, então, voltar para a

China e mudar a política deles, porque eles evidentemente iriam concluir que isso não resolve nada.”

Mas é uma tragédia, conforme colocou o Des. Sergio Verani, sádica, e é nesse espírito de tentar nos sensibilizar com essa tragédia que vamos ter esta última mesa. Temos de sair de um paradigma, que foi brilhan- temente colocado por Albert Camus na peça “Estado de sítio” em que o personagem “A peste” faz a seguinte fala: “Fareis parte das estatísticas e ireis enfim servir para alguma coisa”.

É nesse espírito que vemos como o Estado brasileiro e a socieda- de brasileira tratam dessa letalidade através de números. Foram 1.130 pessoas mortas em 2007 no estado do Rio de Janeiro a partir de ações policiais. Esse número cai drasticamente em 2011. Se, em 2011, quando já estávamos com toda essa letalidade em decréscimo, Rio e São Paulo mataram 42,16% a mais do que todas as execuções legais aplicadas em todo o mundo, imagina em 2007! Isso é alarmante. É nesse espírito, na seriedade, na compreensão da necessidade de que esses números sejam mais do que meras estatísticas, que passo inicialmente a palavra para a Professora Vera Malaguti Batista. 