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O caminho metodológico foi sendo traçado na prática discursiva a partir de Orlandi (2015). Segundo a autora, a Análise de Discurso (AD) trabalha com o discurso, que é a palavra em movimento, prática de linguagem; e, a linguagem é concebida como mediação necessária entre o ser humano e a realidade natural e social. Essa mediação, em termos de figuras e temas, concretiza-se pelo discurso, que possibilita, ao mesmo tempo, a permanência, a continuidade, o deslocamento e a produção do próprio ser humano e da realidade em que ele está inserido.

A AD lida com a língua no mundo, com maneiras de significar e produzir sentidos, enquanto sujeitos e membros de uma determinada sociedade. Nesse sentido, considera os processos e as condições envolvidas na produção da linguagem. Sendo o discurso um suporte abstrato de sustentação dos textos (concretos), a base da produção da existência humana, “através da Análise de Discurso é possível realizarmos uma análise interna (o que este texto diz?, como ele diz?) e uma análise externa (por que este texto diz o que ele diz?).” (GREGOLIN, 1995, p. 17).

Ao se analisar o discurso, estaremos “[...] diante da questão de como ele se relaciona com a situação que criou. A análise vai procurar colocar em relação o campo da língua (suscetível de ser estudada pela Linguística) e o campo da sociedade (apreendida pela história e pela ideologia).” (GREGOLIN, 1995, p. 17). Assim, nos estudos discursivos procura-se compreender a língua como acontecimento do significante em um sujeito impactado pela história, visto que o sujeito se constitui na relação com o simbólico, na história (ORLANDI, 2005).

Para Gregolin (1995) ideologia é a visão de mundo de determinado grupo social, como existem vários grupos sociais, várias ideologias estão em confronto na sociedade para

7 O termo in/exclusão abrange os diversos tipos humanos que vivem sob inúmeras condições desiguais, que

carregam consigo histórias negativas de discriminação; mostra que boa parte da população sofre com práticas sociais de inclusão excludente, visto que pessoas de grupos discriminados são impedidos e/ou limitados a participar das mesmas práticas, ações, espaços e políticas dos grupos que integram. (LOPES; FABRIS, 2013).

representar a ordem social. “Assim a linguagem é determinada em última instância pela ideologia, pois não há uma relação direta entre as representações e a língua.” (p. 17).

Essa determinação em última instância denomina-se para Pêcheux, citado por Gregolin (1995), de “formação ideológica” ou “condições de produção do discurso”.

Uma sociedade possui várias formações ideológicas, e a cada uma delas corresponde uma “formação discursiva” (“o que se pode e se deve dizer em determinada época, em determinada sociedade”). Por isso, os processos discursivos estão na fonte da produção dos sentidos e a língua é o lugar material onde se realizam os “efeitos de sentido”. (GREGOLIN, 1995, p. 17-18).

Desse modo, os processos discursivos oferecem lugar à várias interpretações, dependendo do contexto histórico, político, social e cultural em que o sujeito esteja falando.

Segundo Orlandi (2015) no processo de significação e de produção dos sentidos, na constituição dos sujeitos, há transferências, manifestações do inconsciente e da ideologia, elementos dos quais não temos o controle e nos quais a ambiguidade estão amplamente presentes. Assim sendo, o papel do/a analista de discurso não é interpretar, mas trabalhar (n)os limites da interpretação. Em vez dele/a se colocar fora do contexto histórico, do simbólico ou da ideologia, ele se posiciona de maneira deslocada, que lhe permite contemplar o processo de produção de sentidos, significados e suas condições.

Para tanto, esta pesquisa situa-se no Curso de Pedagogia Licenciatura Plena da UFSM (diurno), justificada por se tratar de um curso que contempla uma ampla complexidade, ora pela especificidade epistemológica da Pedagogia como Ciência, ora pelas fragilidades existentes em lidar com dicotomias presentes no ensino e na aprendizagem dos/as futuros/as professores/as. Desta forma, cabe prever para a formação docente uma produção curricular que considere os inúmeros sentidos e significados envolvidos nos processos formativos. É preciso salientar que o/a pedagogo/a não atua somente dentro da sala de aula, sua atuação como gestor(a)/coordenador(a) de diversos projetos educativos, estende-se para as diversas instâncias educativas e culturais da sociedade.

Para a compreensão das relações entre os discursos de cultura e a formação inicial do/a pedagogo/a a partir do processo de reformulação curricular do Curso de Pedagogia diurno da UFSM, realizamos a análise discursiva do Projeto Pedagógico do Curso (PPC) de Pedagogia Licenciatura Plena da UFSM (BRASIL, 2019) e das Atas do Núcleo Docente Estruturante (NDE), na modalidade diurno, imbricados às análises de políticas educacionais subjacentes à formação docente. Optamos em analisar as Atas de 2017 e 2018, pois “[...] foi a partir de 2017, [...] que, efetivamente, a proposta da reformulação passou a se configurar, contando com a

participação efetiva de um grupo de professoras representantes dos quatro departamentos do Centro de Educação.” (E5). Junto dessa materialidade enunciativa, também foram analisadas as quatro legislações que culminaram na definição de uma nova organização curricular para a Educação Superior, sendo elas a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), a Resolução CNE nº 1/2016 que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura, e a Resolução CNE/CP Nº 2/2015 que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada (BRASIL, 2015a) prorrogada por mais três anos (até 1º de julho de 2018), conforme a Resolução nº 1, de 9 de agosto de 2017 (BRASIL, 2017). Contudo, os materiais de análise (Quadro 1) foram os seguintes:

Quadro 1 – Materiais de análise

Designação Material de pesquisa

E1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

E2 Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

(LDBEN).

E3 Resolução CNE nº 1/2006 - Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de

Graduação em Pedagogia, licenciatura.

E4 Resolução CNE/CP nº 2/2015 - Define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação

inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.

E5 PPC de Pedagogia Licenciatura Plena da UFSM na modalidade diurno de 2019.

E6 Atas do Núcleo Docente Estruturante – NDE do curso de Pedagogia Licenciatura Plena da

UFSM na modalidade diurno do ano de 2017.

E7 Atas do Núcleo Docente Estruturante – NDE do curso de Pedagogia Licenciatura Plena da

UFSM na modalidade diurno do ano de 2018. Fonte: Elaborado pela Autora.

Mediante esses materiais e da mediação teórica, pretendemos estabelecer as vinculações entre cultura e a formação inicial do/a pedagogo/a no processo de reformulação curricular, prevista no próprio E4, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura) e para a formação continuada.

Para interpretarmos os resultados do processo de compreensão dos discursos, o corpus analítico recebeu um primeiro tratamento de análise, que forneceu pistas, em suas relações de

sentido e de forças, para compreendermos o modo como o discurso de cultura se textualiza na produção curricular. Nesse sentido, iniciou-se a leitura dos materiais de pesquisa apresentados no quadro 1. Como o objetivo geral da pesquisa era analisar como se produzem relações entre os discursos de cultura e a formação inicial de pedagogos/as a partir do processo de reformulação curricular, especificamente do Curso de Pedagogia diurno da UFSM, detivemos nosso olhar no PPC de Pedagogia Licenciatura Plena da UFSM na modalidade diurno de 2019 e nas Atas do Núcleo Docente Estruturante – NDE do curso de Pedagogia Licenciatura Plena da UFSM na modalidade diurno do ano de 2017 e 2018. Para isso, sublinhamos nesses materiais, as marcas linguístico-discursivas que se alinhavam e estabeleciam relação do currículo com a cultura. Após, passamos para o chamado esquecimento número 2 (do domínio da enunciação), nesse movimento de análise, trabalhamos no sentido de analisar o dito e o não dito dos discursos: (i) Discurso da identidade do/a Pedagogo/a; (ii) Discurso de visão epistemológica e pedagógica da prática; (iii) Discurso das temáticas educação ambiental, direitos humanos, diversidades étnico-racial, de gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional e direitos educacionais de adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, (iv) Discurso da formação para os/as formadores/as. Tais discursos podem ser ilustrados conforme a figura 1 abaixo.

Figura 1 – Articulação dos discursos para as relações entre a cultura e a formação inicial do/a pedagogo/a

Nesse processo, do discurso concreto passamos para o objeto de estudo, “[...] produzido por uma primeira abordagem analítica que trata criticamente a impressão de “realidade” do pensamento, ilusão que sobrepõe palavras, ideias e coisas.” (ORLANDI, 2015, p. 64).

Desse momento saímos de um produto acabado e passamos para a discursividade. No trabalho de análise ao se fazer recortes, retomamos conceitos e noções, em um caminho de ir- e-vir constante entre teoria, consulta ao corpus e análise, durante toda escrita. “Nessa nova passagem, agora do objeto para o processo discursivo, passamos ao mesmo tempo do delineamento das formações discursivas para sua relação com a ideologia, o que nos permite compreender como se constituem os sentidos desse dizer.” (ORLANDI, 2015, p. 65). A partir disso, tem-se a intenção de fazer funcionar esses enunciados de maneira que crie uma trama discursiva que possa explicitar o modo de constituição da cultura e de produção dos sentidos para o Curso de Pedagogia.

3 POLÍTICAS EDUCACIONAIS: A EDUCAÇÃO SUPERIOR E A FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS

Neste capítulo pretendemos analisar os discursos que estão sendo produzidos para a identidade docente e para a Educação Superior, considerando as estratégias discursivas dos organismos multilaterais e do projeto neoliberal e conservador. Tendo como ramo articulador dessa discussão a igualdade de oportunidade, a justiça, a equidade social, o bem social, o desenvolvimento científico, a promoção da cultura, do serviço à comunidade e a gratuidade para os/as estudantes, nos dedicamos a pensar nos diversos saberes que são in/excluídos no campo do saber, e, consequentemente, nas formas de construção das identidades e das subjetividades das novas gerações de profissionais da educação.

No subcapítulo 3.1 intitulado “Reforma educacional e políticas curriculares: os

discursos da identidade docente” analisamos os sentidos que estão sendo produzidos para a

identidade docente e a educação ao considerarmos os discursos dos organismos multilaterais e do projeto neoliberal e conservador presentes na reformulação das políticas educacionais. Diante de uma reforma e reestruturação educacional na Educação Superior fragmentária e aligeirada, que não prioriza os princípios de igualdade de oportunidade, de justiça e equidade social, estamos diante de discursos que culpabilizam os/as professores/as pelo fracasso do sistema público de ensino e os/as responsabilizam por um ensino que seja “significativo”, aplicável e útil para a demanda do mercado de trabalho, do mundo produtivo. Estando cientes que no processo educativo se dá a construção das identidades e das subjetividades, tanto dos estudantes como dos/as professores/as, consideramos que a valorização do magistério, as diferenças culturais, os problemas decorrentes de violências físicas e verbais, do uso de drogas, da autorreflexão do “eu” e do meio em que se vive, precisam ser destacadas como prioridade na produção curricular.

No subcapítulo 3.2 “Os discursos de equidade social para a Educação Superior” questionamos quais os discursos que estão sendo produzidos para a Educação Superior. Tendo como finalidade estimular, incentivar, divulgar e difundir conhecimentos culturais, científicos e técnicos para a população, o Ensino Superior se defronta com duas perspectivas de ensino, uma voltada para o bem social e outra, para o bem individual. Nesse embate, estratégias discursivas fortalecem uma concepção justificada por suas conexões com o mercado de trabalho, atribuindo a cultura acadêmica a dedicação a uma lógica de liberdade acadêmica, à concorrência e à meritocracia intelectual. Diante mecanismos eficientes de instituição e de constituição do que vem a ser “competência”, “eficácia”, “verdade”, “cidadania”,

“democracia”, “professor/a”, “estudante”, tomamos como prioridade uma Educação Superior que priorize o desenvolvimento científico, a promoção da cultura, do serviço à comunidade e a gratuidade para os/as estudantes, questionando o acesso, a permanência e o progresso contínuo dos diferentes grupos sociais para a equidade nos processos formativos.

3.1 REFORMA EDUCACIONAL E POLÍTICAS CURRICULARES: OS DISCURSOS DA

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