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CAPÍTULO I – DEMÊNCIA E VIH/SIDA

1.2. Demência e VIH: Convergência entre Duas Doenças Crónicas

Falar de doenças crónicas, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Centers for Disease Prevention and Control (CDPC), é falar de doenças com longa duração (pelo menos três meses) e de progressão lenta e que, normalmente, não têm cura, pois são adquiridas (CDPC, 2008 cit. in Guerra, 2009; WHO, 2018). De acordo com Ribeiro et al. (2017, p. 626), sustentando-se nas ideias de Mont (2007), tratam-se de “doenças de longa duração e, em geral, progressão lenta, que não melhoram e raramente têm cura total: por vezes são condições recorrentes. Estas doenças podem ter um impacto grande no estado emocional, físico e bem-estar mental dos indivíduos, podendo dificultar as tarefas diárias e as relações pessoais”.

No continente europeu prevalecem e destacam-se, não pelos melhores motivos, diversas doenças crónicas, entre as quais os problemas de saúde mental (acrescentando-se ainda as doenças cardíaca e respiratória, o cancro e a diabetes) (WHO, 2005). A principal característica das doenças crónicas é a falta de cura para as mesmas, compreendendo

quadros clínicos multifacetados, frequentemente, reflexo de comorbilidades (consequência da doença primária) ou, de outras doenças coexistentes, que dificultam, por vezes, o cumprimento integral do plano de tratamento e que apresentam uma série potencial de consequências deletérias para o doente, familiares, entidades empregadoras, sistemas de saúde e sociedade. (Guerra, 2009, p. 5)

Atualmente, verifica-se que as doenças crónicas representam um dos principais desafios com que os sistemas de saúde do século XXI se deparam e predominam a transição

epidemiológica (Guerra, 2009; Schramm et al., 2004), isto porque “a emergência de doenças crónicas levou a que a morte passasse a acontecer com frequência no final de um percurso prolongado de doença. No entanto, o facto de passar a viver mais tempo nem sempre implicou que se morresse melhor” (Pulido et al., 2010, p. 226). Desta forma, estes desafios devem-se à possibilidade e existência de intervenções mais eficazes e as quais permitem que as pessoas vivam mais tempo e com mais qualidade de vida, o que exige uma prestação contínua de cuidados (Institute of Medicine, 2001). E este facto é defendido pela OMS, quando refere que a população que carece de cuidados domiciliários, ou não, inclui, entre vários, os portadores de doenças crónicas e os portadores de VIH (WHO, 2000).

De facto, começa a ser visível que as doenças crónicas afetam mais pessoas quando em comparação às doenças infeciosas, nomeadamente na Europa, abrangendo a população juvenil, mas também a população adulta (Guerra, 2009). Aliás, no ano de 2005, do número total previsto de 58 milhões de óbitos por todas as causas, as doenças crónicas foram responsáveis por 35 milhões, o que abrange mais de metade do número total previsto de óbitos por todas as causas e o dobro do número de mortes provocadas por todas as doenças infeciosas (VIH, tuberculose e malária), condições maternas/perinatais e deficiências nutricionais combinadas (Guerra, 2009).

Apesar da sua grande prevalência, é necessário reconhecer que cada doença crónica tem diferentes características e por estes motivos, implica diferentes necessidades (Pulido et al., 2010).

Seguindo esta linha de raciocínio, e tendo em conta as características de uma doença crónica, constata-se que o VIH e também a demência são duas doenças crónicas, uma vez que se prolongam no tempo e vão evoluindo de forma gradual.

Em relação ao vírus do VIH, de acordo com Watkins e Treisman (2015), atualmente, muitos indivíduos controlam o VIH como uma doença crónica, uma vez que se tem assistido a uma diminuição da evolução do vírus para DAS. Por sua vez, a demência traduz-se na “degeneração crónica, global e geralmente irreversível da cognição. A demência associada ao VIH (complexo AIDS-demência) pode ocorrer nas fases tardias da infeção por VIH. Ao contrário de quase todas as outras formas de demência, esse tipo tende a ocorrer em pessoas mais jovens” (Huang, 2018). Diz respeito a uma síndrome provocada por uma patologia encefálica, onde se encontram diferentes défices nas funções corticais superiores, de caráter adquirido, afetando a memória, a orientação, o pensamento, compreensão, linguagem, cálculo, a capacidade de aprendizagem e de julgamento (Knoll, Serrano & Vieira, 2010).

Distress Psicológico e Gestão do Regime Terapêutico em Utentes Portadores de VIH/SIDA no Norte de Portugal

Portanto, existe uma diminuição da inteligência e, embora a consciência não seja afetada, os défices cognitivos são acompanhados e, por vezes, precedidos por perdas, ao nível do controlo emocional, conduta social e motivação (Knoll, Serrano & Vieira, 2010).

Os atuais sistemas nacionais de saúde (SNS) adotam uma organização da prestação de cuidados que tem por base o modelo biomédico (focado na cura da doença aguda), o qual prevê uma prestação de cuidados, maioritariamente, episódica, fragmentária e reativa, o que não se coaduna com as doenças crónicas (Guerra, 2009).

O modelo biomédico preocupa-se com a cura e no caso dos doentes crónicos, a preocupação deve estar voltada para os cuidados (Guerra, 2009) pois, mediante a falta de um tratamento que cure o indivíduo da doença, este deve usufruir de um tratamento que vise diminuir, ou pelo menos amenizar e controlar os sintomas da mesma. Assim sendo, as doenças crónicas caracterizam-se pela sua incerteza, pois não tendo cura, mas sendo tratadas a fim de combater o seu desenvolvimento, apenas se retarda a morte do indivíduo, o que provoca a tal incerteza (Mantovani, 2014). Sendo que também as doenças crónicas têm impacto e interferem negativamente nas atividades da vida diária (AVD), no desempenho dos papéis sociais e na dependência do próprio utente (Mantovani, 2014).

Assim sendo, é necessário sublinhar que além da complexidade que subjaz à demência e ao vírus do VIH e da importância de se desenvolverem terapêuticas e intervenções adequadas, é necessário abordar o VIH e a demência em conjunto e reconhecê-los e abordá- los como doenças crónicas.

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