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POR CARTAS, A EDUCAÇÃO CHEGA ÀS VISTAS DO INTERVENTOR

3.5 Demandas “exclusivas”

Em nosso fundo documental sobre a educação, algumas cartas trazem casos “exclusivos”, digamos, desagregados em relação às categorias que formamos nesse trabalho. Contudo, não descartamos a possibilidade de terem existido cartas com outros dilemas parecidos, eles só não foram encontrados até o momento.

Por carta, o Delegado de Ensino e Secretário da Prefeitura de São Caetano, Joaquim Ribeiro da Rocha, no mês de janeiro (pela referência no documento de recebimento pelo gabinete)210, comunicou-se com o interventor para tratar de seu caso, trazendo uma cópia da petição encaminhada por ele à Secretaria do Governo. Funcionário há mais de 14 anos, o trabalhador expôs sua queixa:

O suplicante foi exonerado das primeiras funções acima referidas em 11 de dezembro último, sem causa justificada; na primeira audiência pública desse Governo, teve a honra de comunicar-se com V. Excia., pedindo uma reparação para o ato precitado211.

Explicando ter servido “na administração de cinco prefeitos”, estando pela segunda vez ocupando cargo na cidade de São Caetano, “não só o cargo de Secretário, como também o de Escriturário, Tesoureiro (sem fiança), voltando, por

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fim, ao cargo que acaba de ser dispensado”, Joaquim não só falou dos cargos, como indicou ao interventor os números dos ofícios expedidos que apresentavam os encargos assumidos por ele, aos quais culpava pelo “esgotamento de sua saúde precisando licenciar-se em princípio de Janeiro do ano findo, por ato do Sr. Prefeito, com metade dos vencimentos de sem ônus para os cofres municipais”.

Mesmo com a licença, o trabalhador afirmou ter exercido outras funções, como “a Gerência da 'Cooperativa Agropecuária de São Caetano', organizando toda a escrituração, o que fez a contento de todos, passando a aludido cargo ao seu substituto legal”. Além desses cargos prestou serviços à empresa internacional “Great Western” por seis anos, “donde se retirou por motivo de moléstia, indo fixar residência no Município de S. Caetano”, à 'Usina de São Caetano, pertencente à Companhia Industrial de Algodão e Óleos”, por doze anos, como escriturário e professor da “Escola de Operários e Encarregado da Estação Climatologia Gratuita”, deixando a função “em face das dificuldades financeiras da mencionada Companhia” e aceitando o convite para o cargo na prefeitura de São Caetano no ano de 1930.

Alegando ter a documentação necessária para comprovar sua fala, afirmou esperar de Agamenon:

Fazendo-lhe justiça e ainda agindo bondosamente, dada a sua situação econômica ser a mais vexatória possível, [...], o seu aproveitamento num dos cargos municipais, ou a sua aposentadoria, na forma da Lei212.

Subscrevendo-se, o trabalhador encerra a missiva afirmando sua confiança “na justeza dos elevados sentimentos de grandeza de coração” do governador, e diz aguardar seu despacho favorável, visto a difícil situação financeira na qual se encontrava.

O ato do interventor, caso o atendesse, fora colocado não só como “benevolente”, mas também “na forma da Lei”. O que Joaquim fez na carta foi relatar seu merecimento, não somente por doação bondosa, mas por tempo e encargos de serviço, inclusive, indicando possuir uma documentação comprobatória. Portanto,

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não agiu passivamente, sua carta foi um meio para agilizar esse processo junto ao interventor.

Outro caso foi o apresentado na carta enviada em dezembro de 1937, do Recife, pelo Secretário do Ginásio Pernambucano desde 1933, Manuel de Almeida Grothe Leão213 esclarecendo seu problema em relação ao cargo que ocupava como Diretor da Escola Técnica Profissional Masculina, para o qual fora indicado. Inicialmente, Manuel afirmou ao interventor que sua indicação ao cargo “não obedeceu nenhum imperativo de ordem subalterna”, conforme diziam menções feitas em processos antigos, na época do governador Carlos de Lima, dizendo que seu parentesco com o “Dr. Nelson Coutinho” e sua consequente indicação foram uma “compensação pelo fato do Dr. Nelson Coutinho não ter acusado o Dr. Lima Cavalcanti”, mesmo não expressando o motivo dessa suposta acusação.

Apresentando os feitos de sua gestão enquanto Secretário do Ginásio e construindo sua base argumentativa como um funcionário empenhado e comprometido, destacou o alcance daquilo que fez:

[...] Àquele departamento imprimi uma orientação de trabalho moderno e eficiente, introduzindo melhoramento e inovação, de maneira a torná-lo padrão. Entre outras providências, destaco com satisfação o sistema de fichas para alunos cujos modelos foram levados para o Colégio Pedro II e para o Instituto de Educação, respectivamente, pelo Dr. Antenor Nascentes e Anísio Teixeira e hoje estão oficialmente adotados naqueles importantes estabelecimentos [...]214.

A antiga diretora da escola foi retirada do cargo, segundo o mesmo, “em virtude dos acontecimentos de novembro de 1935”, sucedida pelo “Dr. Rodolfo Fucho”, o qual não desejou permanecer na instituição por atividades seculares, mas teve sua demissão negada por não haver ninguém para assumir o cargo. Indicado pelo próprio Fucho para o substituí-lo, alegando conhecer sua “atuação no Ginásio e [o] me considerava perfeitamente capaz para desempenhar o cargo”. O ato de sua

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nomeação foi lavrado e apresentado ao antigo governador, não havendo nenhuma objeção.

O missivista contou sua tentativa de solicitar demissão da Escola feita ao Secretário do Interior, Luiz Delgado, segundo ele, com quem não mantinha “boas relações” e o mesmo tinha negado o pedido. Mesmo assim, sua previsão era de demissão justamente por conta das “constantes desinteligências” ocorridas entre ambos e as dificuldades criadas pelo Delegado, no “andamento dos nossos papéis”. Manuel, na tentativa de argumentar em seu favor, falou do quanto já tinha reclamado à Secretaria do Interior sobre a construção de oficinas para a escola onde trabalha, quando “[...] foi aberto pela Câmara Legislativa e sancionado pelo Executivo um crédito de trezentos e cinquenta contos, dos quais nenhum vintém foi empregado na sua finalidade e, sim, desviados para outros serviços” por culpa do Delgado, que usava na “administração pública as suas preferências ou inimizades pessoais”. Sua defesa foi construída também na denúncia/reclamação de um terceiro, tática extremamente usada pela população que enviava cartas.

Em determinado momento da correspondência, Manuel aproveitou para apresentar suas concepções sobre o ensino profissional e, precisamente, para defender o que estava fazendo frente a Diretoria da Escola. No seu entender:

Em matéria de ensino profissional, assunto de tão relevante importância, Pernambuco está bem atrasado. Apenas encontrei a lei criando-o e regulando-o, porém, de uma maneira vaga e concomitantemente para todas as escolas, masculina, feminina e doméstica, sem precisar qual o regime escolar, programas, divisão do curso, sistemas de promoções e exames etc. Todas essas providências que no ensino primário, secundário e superior são codificados e obedecem a um regulamento definitivo e uniforme, entre nós, têm sido feitos mediante portarias dos diretores das escolas, variando ao saber de casa um deles e, em rigor geral, sem atender a eficiência do ensino, às necessidades do aprendizado e a uma norma de continuidade. É este o trabalho que atualmente estou fazendo e que terei pronto dentro de dois meses a fim de ser devidamente submetido aos poderes competentes215.

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A tática do trabalhador e o objetivo de sua carta aparecem ao final da correspondência, quando o diretor, após falar de tanta dedicação, depositou nas mãos do interventor os caminhos de sua vida profissional, evidentemente, esperando um reconhecimento pelos feitos.

Embora ponha desde já o cargo que exerço à disposição de V. Excia., se não fosse demais, solicitaria que a minha substituição só se efetuasse depois do prazo acima. Tal medida traria à Escola a vantagem de ter, depois de oito anos de vida, o seu primeiro regulamento e a mim a satisfação de ter concorrido com o meu esforço pessoal para uma tarefa tão significativa.

Por outro lado se V. Excia., depois de examinar a obra que venho realizando na Profissional, resolver confirmar de maneira definitiva, a minha permanência à sua frente, não terei a menor dúvida em solicitar a minha demissão do cargo de secretário do Ginásio Pernambucano, do qual me encontro afastado em virtude da comissão que ora exerço216.

Como anexo, Manuel apresentou cópia de uma carta enviada ao mencionado Luiz Delgado. Ao iniciar a correspondência, o Diretor apresentou sua posição e o tom de suas relações com o então Secretário, observando o quanto era “desagradável para um chefe [...] ter a frente das repartições que lhe são subordinadas um funcionário que não lhe inspira confiança ou que não lhe seja precisamente a pessoa indicada para o desempenho de determinada função”.

Na carta, suas queixas foram referentes a mudança da localização da escola, saída da Rua da Concórdia (centro do Recife) para o bairro da Encruzilhada (local mais afastado do centro), a qual considerou ser semelhante a “uma demolição”; reclamando das suas instalações irregulares, da consequente queda de 60% das matrículas e do fato de muitos equipamentos para as aulas não terem sido montados. Solicitou a construção de novas oficinas, segundo ele, já discutidas pelos seus antecessores e pediu a colaboração da Secretaria do Interior junto à diretoria da Escola Profissional. Ao final da carta, o Diretor da Escola solicitou ao Secretário sua exoneração do cargo (mesmo sendo “da alçada do governador”, como diz), afirmando a precariedade de suas relações.

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Manuel, certamente, não queria sua demissão do cargo de Diretor e, provavelmente, só requereu ao Secretário por saber da sua impossibilidade em fazê- lo, pois, como ele mesmo falou, era algo a cargo do interventor. Sua finalidade era atingir a quem não havia atendido seus pedidos para a Escola: o Secretário Luiz Delgado. Não foi à toa sua apresentação de seus feitos na Secretaria do Ginásio Pernambucano, as suas concepções sobre o ensino profissional e a referência à regulamentação na qual estava trabalhando para a Escola Profissional, apresentando-se como funcionário dedicado e, mais ainda, como intelectual entendido do assunto. Agamenon deveria dar credibilidade ao Secretário que, de acordo com Manuel, precarizou o desenvolvimento estrutural de um estabelecimento de ensino de grande importância para os objetivos do regime ou alçar à efetivação do cargo o trabalhador que se demonstra dedicado com a instituição? Parece que o nosso missivista enviou essa carta já prevendo uma resposta positiva para si.

CAPÍTULO IV