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CAPÍTULO II – FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E METODOLÓGICA

2.1. A TEORIA DA PERSONALIDADE DE SARTRE

2.1.2. A Demarcação do Objeto: A Personalidade

Neste parte estamos preocupados em compreender a ontologia do Ego, isto é, o fundamento do ser do Ego , da personalidade. Vimos que a consciência é pura relação, não substancial, nela nada habita, nada

contém, nada a governa. Entretanto, ao descrevermos o ser, constatamos que ele independe da consciência que o intenciona.

Há necessidade de distinguir o aspecto psicológico do ontológico do Ego. No primeiro trabalhamos a teoria do desenvolvimento da Personalidade, ou seja, como se estruturam as personalidades e, no segundo a sustentação ontológica do Ego.

Para abrir a discussão, vamos pontuar algumas questões de relevância para a demarcação da Personalidade:

Qual a necessidade de esclarecer o ser do Ego e suas implicações para a Psicologia em sua atividade científica?

A sustentação ontológica do Ego tem alguma repercussão sobre o cotidiano das pessoas e com elas mesmas?

Se compreendemos o Ego segundo a metafísica, é impossível fazer ciência, bem como, intervir para resolver os problemas psicológicos. O Eu está dentro de nós, fora do nosso corpo, e da relação com o mundo. Ao descrever o Ego, nos deparamos com um ser transcendente, ou seja, o mundo, que está ao nosso alcance e dos demais, que é constituído historicamente e passível de intervenção segura em Psicologia. Como assinalou Sartre:

"Para a maioria dos filósofos, o Ego é um "habitante" da consciência. Nós vamos mostrar aqui que o Ego não está na consciência nem formal nem materialmente: ele está fora, no mundo; é um ser no mundo, tal como o Ego de outrem”. (SILVA, p.45)

Para que possamos compreender a relação ontológica do Ego com a consciência, iniciaremos nossa reflexão retomando os pontos essenciais referentes à ontologia da consciência, isto é, da intencionalidade, que como vimos é pura relação e, que nada contém e nada a determina. Retomar esse aspecto é fundamental para termos claro que é a própria realidade da consciência que não comporta o Eu no seu interior.

São as atitudes da consciência, ou seja, consciência de primeiro grau irrefletida e consciência de segundo grau refletida, que serão indicativas da participação do Ego nestas consciências. Para que isto seja possível é necessário verificar em que consistem os estados, as ações, e as qualidades que são os elementos constitutivos desse ser transcendente que é o Ego, e de que forma estão articulados.

Com a descrição da consciência, evidencia-se já o fato que rompe com as filosofias e conseqüentes psicologias metafísicas: O Eu não pode habitar a consciência porque ela não tem interior para ser habitado, conforme figura I a seguir.

Fig I. CONSCIÊNCIA O R P O Realidade Transcendente Mediações Psicofísico (singular) M MOOII Ser-no-horizonte Em-si - Ontologia Fonte:SILVA. 2000

MODELO DA PERSONALIDADE

Outros e Coisas (Relações) Perfi

A possibilidade do Ego se dá na consciência reflexiva crítica que é de segundo grau. Nas consciências de primeiro grau ou irrefletidas não aparecem o Eu. Isto implica que não é o EU que nos possibilita refletir. Como também pelo fato do Eu não aparecer nas consciências irrefletidas, não significou que a consciência não pudesse refletir.

Quando a consciência refletida que é de segundo grau, toma outra consciência de primeiro grau como objeto, surge o EU. O Eu somente tem condições de aparecer ontologicamente para uma consciência, que se vê no que faz, ou seja, quando ela põe uma consciência irrefletida como objeto de reflexão.

Outro dado a considerar é que a consciência irrefletida não precisa ser refletida para existir, são independentes entre si. Ao mesmo tempo que toda consciência reflexionante, para ser posicionada precisa de uma consciência de terceiro grau para refleti-la. Assim o Ego existe por causa da consciência e não o contrário.

O estado é um objeto para minha consciência reflexiva. Assim, compreendemos que o mundo objetivo tem qualidades que não precisam do Eu para atribuir-lhes as qualidades. Simplesmente precisam de uma consciência que os demarque. É dessa forma que constituímos os estados, através da existência, nas relações com as coisas, com os outros, implicando um passado e um futuro para nosso ser. Assim, compreendemos que os estados são segundos em relação as experiências irrefletidas, que precisam ser tomadas como objeto de reflexão para serem totalizadas num Eu.

Os estados só se constituem, porque a consciência fez o movimento da reflexão, ligando passado e futuro de modo a possibilitar a totalização de minhas experiências num estado, seja de amor ou de ódio, como objetos transcendentes à consciência. Os estados também são psicofísicos. As ações, assim como os estados, são elementos

constitutivos do Eu, são vividos concretamente como sendo intervenções pessoais no mundo.

As qualidades são abstrações, totalizações dos estados e das ações. Elas são objetos transcendentes, mas não são experimentadas concretamente numa relação. Por sua vez, as qualidades devem ser vistas, através de como a própria pessoa unifica, a totalização dos estados e ações dela no mundo. É fundamental compreender que os estados e ações não decorrem das qualidades, mas ao contrário, as qualidades são totalizações de estados e ações concretas no mundo. A constituição da personalidade começa com as experiências, e estas, por sua vez, totalizadas constituem objetos e ações. As totalizações destas possibilitam as qualidades. Da mesma forma não existe nada objetivamente comprovável que venha articular esses estados, ações e qualidades. A articulação toma as experiências, estados e ações como objetos de reflexão reconhecendo-os em processos relacionais. Se admitíssemos uma articulação, estaríamos aceitando a origem de tudo do Eu puro.

Para "Sartre o Ego aparece como fonte das consciências. Mas, exatamente face a isto, deveríamos considerar que ele aí aparece velado, pouco distinto da consciência, como uma pedra no fundo d'água e isto se deve a uma primeira impressão. Indo ao fundo desse fenômeno, verificamos que nada, salvo a própria consciência pode ser fonte dela".(SILVA, p.76)

O Ego como polo das ações, dos estados e qualidades é realizado pela criação contínua da consciência. As consciências se absorvem na relação com o mundo, que são autônomas em relação ao Eu, que não dependem deste, nem do seu julgamento para ocorrerem. Desta forma, fica evidente a especificidade desse objeto Ego: é continuamente mantido pela consciência, à qual transcende com a opacidade característica de qualquer objeto. O Ego é a unidade dos estados e das ações, ou seja, e polo de unidade transcendente, tal como todo polo objetivo de qualquer consciência irrefletida.

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