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DEMOCRACIA SEGUNDO BRENNAN: NA PERSPECTIVA DE MICHELMAN

O juiz William Brennan, segundo a visão de Michelman (1999, p. 60-61), entendia que o constitucionalismo pressupõe padrões independentes de procedimento de justiça básico- legal. Para Brennan, as necessidades da sociedade quanto à equidade e ordem requerem a criação de algum órgão para decidir oficialmente, para a sociedade como um todo, quais são esses padrões e a sua aplicação às questões e disputas concretas. Brennan acreditava na prudência epistêmica de autorizar a Suprema Corte para dizer o direito constitucional por meio da interpretação. Para ele, “A fé na democracia é uma coisa”, mas “fé cega” é outra, e as maiorias judiciais, às vezes, podem ser mais confiavelmente protetoras dos direitos básicos do que as maiorias populares.

Ao mesmo tempo, Brennan também acreditava que a liberdade política – autogoverno – só existe quando as pessoas respeitam as resoluções da lei básica elaboradas pela maioria de votos das legislaturas, convenções e tribunais. Desta forma e, nessa medida, a carreira judicial de Brennan reflete um compromisso com o autogoverno através da democracia no nível de legislação básica (MICHELMAN, 1999, p. 60-61).

Certamente, Brennan viu sua Corte investida de autoridade e responsabilidade para interpretar para o país um padrão de procedimento independente de justiça para os conceitos básicos de seu regime político. De certo, Brennan buscou proteger e expandir os direitos e oportunidades de todos para imprimir suas opiniões, democraticamente, aos membros do Tribunal e outras autoridades legislativas. A democracia tornou-se, para Brennan, um nome para uma forma de vida social que valoriza cada pessoa e nutre a capacidade de cada cidadão como portador de opinião política digna de respeito, bem como de um conjunto de disposições constitucionais concebido para promover e manter uma vida social (MICHELMAN, 1999, p. 60-61).

Michelman, abordando a questão do autogoverno, ressalta que encontrar as leis merecedoras de seu respeito não significa propriamente criar as leis. Segundo o autor, embora Winston Churchill tenha afirmado que a democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram experimentadas de tempos em tempos, talvez a versão constitucionalista da democracia, comprometida como ela é, é a pior forma de democracia, exceto todas as outras que já foram e sempre serão tentadas. Michelman, no entanto, resiste a essa conclusão, pois entende que, na verdade, não temos como saber. Contudo, entende que a “Justiça

Brennan” forneceu um teste justo, mostrando tão bem uma interpretação da versão constitucionalista da democracia como nós e nossos descendentes alguma vez possamos vir a conhecer.

Michelman (1999, p. 46) acredita na possibilidade do autogoverno por meio do Poder Judiciário. O autor questiona como conciliar a democracia com o ativismo judicial e, por meio da análise das decisões do juiz Brennan, passa a demonstrar que tal conciliação, para ele, é possível. Então, estabelece condições para que a interpretação do sentido da norma, pelo juiz, possa representar o autogoverno. São elas: primeiro, deve ser utilizado um princípio com o qual todos concordem que é correto; segundo, o princípio deve ter uma aplicação mais ou menos objetiva, direta e decisiva sobre a cláusula constitucional em questão. Para o autor, o autogoverno de todos, então, é preservado na decisão de Brennan.

Mas se qualquer uma das condições não for cumprida – se houver divergência persistente sobre o acerto do princípio ou a sua correta aplicação para a decisão – então Brennan, ao decidir essa reivindicação, estará necessariamente fixando uma parte significativa do conteúdo das leis do país, e, neste caso, ele faria isso de uma maneira com a qual a parte do país não concordaria. Sob guisa de interpretação, aquela parte das leis seria escrita por Brennan e não, como o autogoverno de todos requer, por todos (MICHELMAN, 1999, p. 46).

O juiz Brennan, na visão de Michelman (1997, p. 69), teria expressado um compromisso com esta maneira de interpretação. Conforme o autor, o constitucionalismo de Brennan reflete um liberalismo “romântico” com o compromisso voltado ao respeito à personalidade humana do indivíduo e à emancipação social.

Para o autor, um objetivo principal da Constituição romântico-liberal deve ser para libertar “as chances de vida do indivíduo da tirania das categorias sociais” de “classes, sexos, e nações” (MICHELMAN, 1999, p. 71).

O benefício advém não só para os emancipados; é estrutural e sistêmico, e reverte a todos. Todo mundo, na visão romântica, tem razões para acolher o confronto e desafio de suas formas e valores costumeiros ou habituais, de todos os lados conhecidos e desconhecidos. Democracia consequentemente torna-se não apenas um procedimento, mas um ideal substantivo – um compromisso de capacitar os desempoderados e de reconectar o alienado. Da mesma forma, a liberdade de expressão figura para o constitucionalista romântico tanto como um direito individual de auto-apresentação – da participação eficaz ou cidadania – e uma provisão social-estrutural para imbuir a vida social com o enriquecimento, e política com

o conhecimento, provocada pelo atrito com perspectivas humanas e sensibilidades diferentes daquelas as quais cada um está acostumado (MICHELMAN, 1999, p. 71).

Assim, é possível defender tanto os direitos individuais básicos (como na concepção de democracia substantiva de Dworkin), quanto reexaminar a lei como forma de responder às diversas mudanças sociais (como no procedimentalismo de Post).

Michelman (1999, p. 90-91) observa, com base em sua análise sobre as decisões do juiz Brennan, o recurso à tradição com base em um compromisso com normas gerais, sem qualquer apelo ao comunitarismo e aos valores éticos, para conciliar autonomia individual e coletiva. Para o autor, de tradição republicana, o uso da tradição deve ser comprometido com normas gerais a fim de evitar apelo ao comunitarismo e a valores éticos.

Cabe observar que, na visão do pensador norte-americano, comunitarista é alguém para quem faz sentido pensar nos grupos humanos, organizados ou não organizados como tendo interesses do “grupo”, ou seja, interesses que o grupo como uma unidade é concebido para ter, acima e além de quaisquer interesses que os indivíduos possam ter no destino ou nos trabalhos desse grupo. Comunitaristas estão comprometidos com a proposição de que às vezes é certo dar peso normativo decisivo para um interesse do grupo, mesmo a um custo considerável, para o que poderia parecer ser uma reivindicação razoável e para as preocupações dos indivíduos. Da mesma forma, defender os “direitos de grupo” é tomar a posição de que o peso moral de um interesse do grupo pode dar a este um direito a alguma forma de ação governamental ou tolerância; que este direito pode muitas vezes prevalecer sobre concorrentes considerações públicas (MICHELMAN, 1999, p. 90-91).

Os comunitaristas entendem que uma comunidade política deve ser uma comunidade ética, integrada culturalmente, a fim de possibilitar a unidade social, o autogoverno democrático e a solidariedade entre os indivíduos. A noção de justiça, para eles, se relaciona com os valores, práticas e instituições sociais, constituída, ainda, pela identidade dos seus membros e das normas do que seria justo. De acordo com essa visão, ao modelo liberal falta o reconhecimento de cidadãos visando ao bem comum (FORST, 2010, p. 129-130.).

Portanto, em resposta aos críticos comunitaristas e com base nos exemplos de Brennan, afirma, em seu livro, que o liberalismo político americano é uma filosofia tanto individualista como decididamente não-atomista. Quanto aos críticos libertários, ele afirma que o liberalismo democrático é uma posição política coerente e atrativa, livre de qualquer coisa que pareça ser remotamente um tráfico totalitário com os direitos do grupo. Em suma,

para ele pode haver um amplo apelo, em uma comunidade consciente (mas não comunitária), da marca totalmente autêntica do individualismo liberal democrático. O juiz Brennan, segundo Michelman (1999, p. 91), representava este ideal.

2. DEMOCRACIA E CONSTITUCIONALISMO: AUSÊNCIA DE PARADOXO,