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1. DEMOCRACIA E DIREITOS HUMANOS: UMA DISCUSSÃO CONCEITUAL

1.3 Democratização

Além do processo de liberalização, a democratização é um desses movimentos históricos determinantes para a transformação de um regime autoritário em democrático; e ainda mais importante para a consolidação democrática.

Algumas considerações são importantes antes de entrarmos de vez nesse tema. Samuel Huntington lembra a relação essencial entre democracia e Estado- nação. Apesar da causalidade direta dessa relação ser discutível, a história mostra que, em geral, as democracias mais duradouras nasceram a partir de uma vontade nacional. Para Huntington, a democracia se caracteriza, prioritariamente, pelo sistema de voto, mas ele acrescenta a necessidade de funcionamento de instituições democráticas, embora isso seja um aspecto relativizado por ele. O autor explica que a democratização é um movimento que leva regimes autoritários rumo a um sistema democrático.

A democratização depende de três fatores indispensáveis, como: o fim do regime autoritário, a instalação de um regime democrático e, possivelmente, a consolidação do regime democrático. Ele lembra que nem sempre um regime autoritário deixa lugar a uma democracia, portanto, é importante que essas fases se realizem por completo, ainda que as causas para cada uma delas sejam às vezes independentes umas das outras.

A democracia implica a realização de eleições que geralmente apresentam resultados incertos. O problema da democratização é saber se os grupos políticos de importância estarão dispostos a aceitar tais resultados e a institucionalizar a resolução dos conflitos políticos. Está em jogo aqui, também, a questão de custo político da aceitação da derrota eleitoral, exposto por Dahl em sua teoria.

Igualmente, o estudo do processo de democratização exige o foco a partir de dois ângulos, relembra Przeworski: a emancipação pactuada e a constituição do novo regime. Muito daquilo que afirma Adam Przeworski corrobora as teses de Huntington. Por isso, certos aspectos parecerão repetitivos. Lembremos ainda que estas diferentes teses dizem respeito aos países da chamada “Terceira Onda” (Ásia, América Latina e Leste Europeu) e que, portanto, servem apenas como guia de reflexão para este trabalho. É imprescindível analisar o caso da Guiné-Bissau, a partir de suas próprias dinâmicas e contingências.

No mesmo livro de Adam Przeworski, encontramos a elocubração de O‟Donnell e Schmitter, que indica “quatro atores políticos envolvidos no processo de democratização: os linhas-duras e os reformistas no interior do bloco autoritário; e os

moderados e os radicais, na oposição” (apud PRZEWORSKI, idem: 96). Os autores afirmam a importância de negociações e articulações entre reformistas e moderados para que haja emancipação. É necessário lembrar que os quatro grupos atuam nesse jogo pensando em seu futuro papel no novo regime democrático a ser instalado. Isto é uma condição essencial para uma solução pacífica. Para que a emancipação seja possível, as seguintes condições têm que ser efetivas:

“(1) Reformistas e moderados chegam a um acordo para criar instituições que garantam às forças que representam uma presença política significativa no sistema democrático; (2) reformistas obtêm consentimento das linhas-duras, ou os neutralizam, e (3) os moderados conseguem controlar os radicais” (PRZEWORSKI, idem: 98).

A virtude do jogo democrático é que ele permite a participação de todos. Basta aos participantes aderirem às regras do jogo, e aceitarem, consequentemente, suas implicações em termos de perdas e ganhos. Isto não acontece sempre nos países africanos. Outro aspecto importante da democratização é o estatuto das forças armadas. O governo democrático deve tolerar a autonomia dos militares ou deve suprimí-la por completo? O palpite de Adam Przeworski é que esse problema tem a ver com o grau de nacionalismo de um país (idem: 109). Devo voltar a este tema na segunda parte do trabalho, quando tratarei brevemente das forças armadas congolesas e sua influência na política.

Todos os autores elencados até aqui, mostram o caráter instável dos processos políticos que sucedem a um regime autoritário. Assim, Przeworski afirma que: “a característica essencial da democracia é que nela nada é definitivamente decidido. Se a soberania pertence ao povo, ele pode decidir solapar todas as garantias obtidas na mesa de negociações” (idem: 112). Isto mostra que, apesar da vontade dos atores políticos envolvidos, há elementos futuros que independem de suas ações.

Em segundo lugar, a democratização envolve a constituição de um novo regime. Um regime democrático necessita de instituições democráticas. Para Przeworski, duas questões são importantes: (1) que instituições serão escolhidas? (2) serão elas espontaneamente respeitadas? As instituições são o campo da

resolução dos conflitos. Os grupos políticos escolhem instituições que defenderão ou se adequam a seus valores, seus projetos e interesses (PRZEWORSKI, idem: 113). Sabe-se que essas escolhas são frutos de um vasto processo de negociações com parceiros variados. Durante essas negociações, os atores políticos se confrontam com problemas que podem ser apresentados da seguinte forma: substância contra procedimentos, acordo contra competição, majoritarismo contra constitucionalismo.

Esses dilemas determinam, posteriormente, a natureza das democracias que serão instaladas. Isto acaba influenciando seu desempenho e seu compromisso com a situação de precariedade social, bem como no valor que se dá ao controle do governo, à prestação de contas, à extensão do voto e do sistema eleitoral.

Em suma, pode-se dizer que a partir dessas questões, as novas democracias revelam seu grau de afastamento ou de aproximação do regime autoritário anterior, bem como o compromisso de suas elites políticas para com a nova ordem.

É notável a conclusão de Przeworski, seguindo o raciocínio de Dahl, que afirma que as novas democracias devem “passar a prova de fogo” de vinte anos sem interrupção para que se possa afirmar que nenhum processo interno poderá derrubá-las (idem: 121). Se isto for verdade, Guiné-Bissau está apenas no início de sua marcha para a consolidação democrática.