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DENTRE INUMERÁVEIS POSSIBILIDADES, O AR: A DANÇA AÉREA

Como vimos, foram várias as transformações que se fizeram notar na dança, abrindo- lhe uma gama de possibilidades para a inovação, dentre as quais destacaremos aquelas referentes aos espaços de apresentação utilizados por esta arte, que foram ampliados significativamente. A dança começa a invadir mais intensamente as áreas externas, tal como parques, topos de prédios, dentre outros espaços. Além disso, os limites do que poderia ser apropriado para coreografia se expandiram, de forma que diversas suposições sobre a dança

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Em artigo publicado no site idança, disponível em www.htttp://idanca.net/2006/04/17/esta-tal-de-dança- contemporanea/, acesso em janeiro de 2011.

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Em seu artigo: O corpo como mídia do seu tempo. Disponível em: <www.itaucultural.org.br>. Acessado em: 10 jan. 2011.

foram questionadas, ignoradas ou vieram abaixo. “As plateias viram os coreógrafos mudando as orientações espaciais, dançarinos colocaram seus corpos suspensos no ar” (BERNASCONY; SMITH, 2008, p. 4)34.

A exploração de novos espaços para a dança teve fundamental importância na busca por uma transformação nas relações entre os artistas e o público. Podemos citar, como exemplo de experiência onde houve uma investigação do movimento em espaço não convencional, o trabalho de Trisha Brown, que, na década de 1960, explorou a dança no topo de “arranha céus” e em paredes, alterando a perspectiva do público. Em Man Walking Down

the Side of a Building (1970), o dançarino descia do alto de um prédio, caminhando pela

parede, suspenso em cordas de segurança, brincando com a gravidade no espaço vertical (BERNASCONY; SMITH, 2008, p. 4).

Figura 5:“Man Walking Down the Side of a Building” (1970).

Fonte: site da Trisha Brown Dance Company: Disponível em: <www.trishabrowncompany.org/>. Acesso em: 10 jan. 2011.

Em Skymap (1969), Brown fez uma coreografia dançada no teto, na qual a plateia deitava-se no chão para que pudesse assistir ao trabalho, rompendo claramente com as fórmulas estabelecidas anteriormente. Procedimentos desestabilizadores como este, além de denunciar as incertezas das fronteiras entre campos artísticos, também trazem para o espaço das discussões vias não convencionais de interpretação e criação, lançando ao mundo perspectivas diferenciadas sobre o fazer artístico. As perguntas sobre quais espaços poderiam ser dançados, e que movimentos poderiam ser dança, alimentaram as discussões. Quanto ao púbico, a proposta de um novo modo de ver e apreciar a obra de arte se fez presente, tirando-o

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Jayne Bernasconi é dançarina, coreógrafa e professora adjunta de dança na Universidade de Towson. Nancy E. Smith é Mestre em dança pela UCLA (Universidade da Califórnia – San Diego).

do lugar de observador para o território da experiência.

Alwin Nikolais, um dos pioneiros na escola germânica de dança, foi outro artista cuja investigação focalizou, dentre outras coisas, o uso do espaço não convencional. No começo dos anos de 1960, durante um de seus processos coreográficos, ele trabalhou a colocação de obstáculos no caminho dos dançarinos para confundir-lhes o processo da dança. Assim, conseguia que eles pusessem muito mais atenção em uma dificuldade física para ultrapassar aqueles obstáculos do que em estar tentando contar histórias com a dança (BERNASCONI; SMITH, 2008). Em 1960, ele criou “Sorcerer”, colocando um dançarino pendurado em uma corda, o que permitia que ele suspendesse o corpo em alguns momentos e depois voltasse ao chão, com a coreografia se desenvolvendo neste contínuo. Seguindo essa mesma linha de trabalho, também coreografou “Ceremony for Bird People”, na França. Esta coreografia foi apresentada numa rua da cidade por ginastas locais suspensos por cordas penduradas nas árvores (BERNASCONI; SMITH, 2008).

Vemos aqui, mais uma vez, a proximidade desta vertente da dança com o material que antes servia apenas ao circo, além, é claro, da utilização do espaço aéreo, tão presente no espetáculo circense. Há, também, algo em comum com certo aspecto da dramaticidade característica dos números de risco no circo, onde a representação está em demonstrar e vivenciar, em público, o próprio processo de adaptação do corpo a situações extra cotidianas e de risco.

Parece-nos que alguma referência ao que hoje é denominado de “dança aérea”35 pode ser encontrada em algumas das experimentações supracitadas. A dança-aérea é um tipo de dança em que o dançarino fica suspenso com a utilização de aparatos como trapézios, elásticos, tecidos, cadeiras suspensas, dentre outros, e a investigação do movimento se dá a partir dessa situação do corpo suspenso, podendo eventualmente ocorrer o contato com o solo. Este tipo de dança possui convergências com os números aéreos de circo, já que envolve aparelhos, técnicas e riscos característicos dos mesmos, e também das práticas de escalada, apesar de trazer abordagens investigativas mais relacionadas à área da dança.

Pareceu-nos interessante aproximar o leitor de alguns exemplos práticos que podem ter esboçado, de certa forma, uma perspectiva de aproximação entre os campos da dança e do circo, muito embora não se trata aqui de sugerir um marco exato, uma data precisa na história

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Já encontrávamos esta denominação no meio circense em períodos anteriores para tratar dos números aéreos como corda indiana, trapézio e lira. Mas, aqui, estamos nos referindo a esta denominação dentro do meio da dança, que vem sendo cada vez mais utilizada na atualidade. Apesar de não a encontrarmos como conceito em muitos trabalhos acadêmicos, já encontramos muita referência a esta categoria em programas, críticas, festivais e

para algo como a hibridização entre tais campos de conhecimento. Partilhando da proposta do historiador Peter Burke (2003): “devemos ver as formas híbridas como o resultado de encontros múltiplos e não como o resultado de um único encontro, quer encontros sucessivos adicionem novos elementos à mistura, quer reforcem os antigos elementos” (BURKE, 2003, p. 31). Tudo está se transformando o tempo todo, e o começo de um processo é dificilmente identificado de forma unívoca. O que aqui se propõe é que, como já foi apontado, nesse período, em que a dança se encontrava num momento de busca intensa por novos territórios de investigação, houve um ambiente propício ao diálogo entre linguagens distintas, o que favoreceu não apenas uma aproximação entre dança e circo, mas também com outras áreas de conhecimento.