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2 MÉTODO

2.1 Participantes

2.1.2 Dependência química: os casos de Adonís e de Apolo

Segundo a Organização Mundial da Saúde (2001), dependência química é um estado psíquico e físico que emerge no indivíduo reações de comportamento, como, compulsão para ingerir a droga e experimentar seus efeitos psíquicos e, por vezes, evitar o desconforto de sua falta.

Segundo o DSM-IV (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 1994), os critérios diagnósticos para dependência de substâncias são a manifestação de três ou mais sintomas dos itens abaixo no período de 12 meses:

1 - Tolerância

a) necessidade de quantidades progressivamente maiores da substância para adquirir a intoxicação ou efeito desejado;

b) acentuada redução do efeito com o uso continuado da mesma quantidade de substância.

2 - Abstinência – substância - é consumida para aliviar ou evitar sintomas de abstinência.

3 - A substância - é consumida em maiores quantidades por um período mais longo do que o pretendido.

4 - Desejos persistentes no sentido de controlar o uso da substância.

5 - Muito tempo gasto em atividades para a obtenção da substância, na utilização da substância e na recuperação de seus efeitos.

6 - Abandono de atividades sociais, ocupacionais e recreacionais. 7 - Não interrupção do uso apesar da consciência das conseqüências.

Focchi et al. (2001) aponta para 20 vezes maior o risco de tornarem-se dependentes indivíduos com diagnóstico psiquiátrico anterior, em destaque os transtornos de: conduta, personalidade anti-social, déficit de atenção, depressão e ansiedade.

Focchi et al. (2001) coloca que em relação aos estressores psicossociais: as dificuldades de funcionamento social, os aspectos culturais e sociais, as relações interpessoais, o fracasso escolar e a vulnerabilidade psicofisiológica são fatores importantes de predisposição para o desenvolvimento da patologia.

Ainda Focchi et al. (2001) em relação aos fatores de proteção os autores destacam a importância do ambiente estável, o alto grau de motivação, o forte vínculo pais- criança, a supervisão parental – disciplina consistente, as relações grupais saudáveis, o trabalho comunitário e a religiosidade.

Para a realização do processo de avaliação é importante destacar os estágios correspondentes à prontidão para o tratamento. Quatro estágios de avaliação foram descritos por Prochaska e Di Clemente (1992):

1º Estágio - Pré-contemplação:

Não há no indivíduo planejamento de mudança de comportamento. 2º Estágio - Contemplação:

O indivíduo avalia de forma mais realista o custo e o benefício da dependência, começa a pensar na possibilidade de mudança de comportamento que pode ter duração de minutos a anos.

3º Estágio - Ação:

O indivíduo começa a realizar mudanças concretas, com provável diminuição do consumo, pode buscar conversar com alguém de confiança e buscar tratamento. 4º Estágio - Final:

O indivíduo mantém as mudanças significativas no seu estilo de vida.

Muitas vezes o dependente químico circula pelos quatros estágios e a conquista do quarto estágio, muitas vezes não se mantém, podendo o indivíduo retornar para qualquer um dos estágios anteriores.

No tratamento, é importante levar em consideração três princípios (FERREIRA; LARANJEIRA, 1998):

1) A abstinência deve ser completa. A internação deve ser indicada caso haja abstinência parcial; complicações clínicas graves; overdose ou tentativa de suicídio e co-morbidades.

2) Na reabilitação física e psicossocial, é primordial que os familiares sejam responsáveis no auxílio da rede social (mudança de co-dependentes para co- terapeutas).

3) Prevenção de recaídas - mais de 70% dos dependentes tem recaídas entre seis meses até um ano depois da abstinência. Para a prevenção é necessário as seguintes intervenções: identificar situações de risco; praticar respostas a serem emitidas; equilibrar o estilo de vida e evitar violar a abstinência.

Olievenstein (1988) e Kalina (2000), autores que enfocam os aspectos psicodinâmicos da dependência química, tem enfatizado, além da estrutura de personalidade e a dinâmica familiar, a importância dos aspectos culturais e sociais no agravamento da psicopatologia. Utilizam termos como adicção e toxicomania para se referirem à dependência química.

Olievenstein (1988) afirma que é evidenciada, na toxicomania, a importância dos contextos macro e microssociais na sua formação, além da necessidade de uma abordagem qualitativa e biopsicossocial para o seu conhecimento e a sua intervenção terapêutica. Enfatiza que embora a toxicomania apareça em todas as épocas e sociedades, seu conteúdo e sua forma variam e evoluem constantemente, de acordo com as mudanças culturais e sociais, são variáveis entre as culturas tanto os limiares de tolerância do uso da droga quanto seu consumo e os próprios efeitos deste.

Simultaneamente à influência cultural no desenvolvimento da dependência química, há um indivíduo com uma estrutura de personalidade mais suscetível à toxicodependência. Contudo, salienta-se que, embora haja uma tentativa de definição de um modelo único de personagens farmacodependentes, é impossível negar as suas peculiaridades que, justamente, são produtos de uma interação entre os fatores biológicos, psicológicos e sociais.

É importante frisar que a constituição psíquica do ser humano individual está intimamente ligada à introjeção de valores culturais. Os ideais que reinam em determinadas épocas e sua relação com o desenvolvimento de diversas patologias tem sido foco de estudo de vários autores da psicanálise.

Olievenstein (1988) referindo-se aos valores da sociedade contemporânea refere que as relações competitivas e individualistas, o imediatismo, a obtenção do prazer fácil estimulam, no indivíduo, com particular violência, o desejo da aquisição imediata de um prazer intenso, solitário, muito mais restrito ao corpo, sem expressões culturais verdadeiras, limitando todos os possíveis investimentos dirigidos ao outro, quando não os extinguindo. Segundo este autor a solução pelas drogas pode expressar um meio e um refúgio. Trata-se, inicialmente, de uma reação ao desequilíbrio afetivo e a uma situação social intolerável, inicialmente destinada a reduzir o mal estar ou a ajudar a esquecê-lo.

No texto “Síndrome de Popeye”, Kalina (2000) refere que o desenvolvimento humano é marcado pelo enfrentamento das limitações reais e lógicas do princípio da realidade, sugere que o indivíduo que possui maior desejo de poder geralmente apresenta maior dificuldade de enfrentamento.

Se o poder de suportar a impulsividade é uma característica do adulto, que é capaz de conter as reações imediatas, o dependente químico, impulsivo, apresenta ausência dos elementos de reflexão, de autocrítica, que possibilitam a contenção do ato; a reflexão e a autocrítica são substituídas pela ação impulsiva, imediata. A adaptação ao princípio de realidade não se realiza ou, se o faz, é de maneira incompleta, o indivíduo age sempre da perspectiva infantil. Todas as ações estão voltadas para um objetivo negativo: o de fazer cessar a tensão existente, como o bebê quer fazer cessar uma sensação de fome, que lhe dá a impressão de ameaça à vida (OLIEVENSTEIN, 1988).

Kalina et al. (1999) afirmam que a intolerância ao sofrimento é uma das principais características da “depressão tensa”, base de toda toxicomania. A utilização da droga neutraliza este sofrimento, produzindo euforia, o que equivale a dizer que o ego reencontra a satisfação narcisista perdida. Entretanto, essa satisfação é passageira e, mais uma vez, sobrevêm à depressão e a necessidade de libertar-se dela; configura - se, assim, uma estrutura cíclica de comportamento do ego. A paixão tóxica, constitutiva dessa patologia, consiste em um tipo de amor muito específico: um amor caracterizado por uma economia

psíquica essencialmente narcísica. A busca imperiosa pela droga é, em si, extremamente narcísica; o investimento libidinal é retirado do mundo exterior e dirigido para o próprio indivíduo toxicômano através da droga – a droga é o seu objeto de amor. A libido, convertida em narcisista, não encontra, então, um caminho de regresso para os objetos (no caso da drogadição, para outros objetos que não a droga) e este obstáculo à sua mobilidade é o que passa a ser patológico. Esse caminho de retorno ao estado primitivo do narcisismo trata-se de uma verdadeira regressão. Essa regressão íntima e de comportamento altera completamente as relações do toxicômano com o mundo e, acentua impulsos agressivos ou sádicos (OLIEVENSTEIN, 1988). Outra característica encontrada em toxicômanos refere-se à falta de iniciativa para a ação, a qual existe em função da oposição feita ao mundo pelo drogadicto; a “vontade” está doente, ela só trabalha para que haja autonomia para a droga. Fala-se do futuro, mas dele não se espera nada, não há desejo por nada, a não ser pela droga, que novamente trará o prazer e o esquecimento. Todo o impulso vital dos adictos está modificado, desviado de qualquer tipo de ação concreta. Mesmo os impulsos sexuais estão subjugados pela busca narcisista do prazer.

Ainda que seja necessário o conhecimento dos aspectos relativos ao funcionamento psíquico do toxicômano, o ser humano é subjetivo e o terreno conhecido pode favorecer o risco de desprezar sua originalidade. É fundamental para o tratamento a busca contínua e incessante dos aspectos psíquicos através de uma abordagem predominantemente qualitativa, onde há a valorização do sujeito como eu individual.