• Nenhum resultado encontrado

2. A COMPETITIVIDADE DA INDÚSTRIA DE CALÇADOS BRASILEIRA

2.4. Desafios e oportunidades

De maneira semelhante à indústria brasileira em seu conjunto, a indústria de calçados deverá centrar sua expansão produtiva no futuro na maior eficiência e nos ganhos de produtividade, ao invés de apenas crescer extensivamente, devendo, portanto, incorporar progresso técnico.

A indústria de calçados, como mostram os dados da Tabela 3, expandiu-se nas duas últimas décadas baseada na incorporação de novos recursos e com crescimento da produtividade relativamente lento e declinante após a segunda metade dos anos 80. Embora a incorporação de mão-de-obra seja importante em países como o Brasil, há necessidade de um ajuste em direção a maior eficiência para adaptar-se a um novo ambiente competitivo. O sucesso nos mercados dependerá cada vez mais do desenvolvimento de práticas produtivas onde a tecnologia - de produção e/ou organização -, a busca de melhor qualidade, menores prazos de entrega, maior agilidade em adaptar-se às exigências dos consumidores, entre outros, serão os atributos de vantagens competitivas.

A inserção da indústria brasileira no mercado internacional de calçados assentou-se no baixo custo da mão-de-obra. É inegável, por outro lado, que houve um upgrading da indústria em direção à melhor qualidade do calçado. No mercado internacional, o Brasil firmou-se no segmento de calçado feminino de couro de médio preço. Todavia, nesse segmento o fator custo da mão-de- obra é, ainda, um elemento chave na competitividade.

Entretanto, a manutenção de vantagem competitiva com base unicamente no custo da mão-de-obra tem sido dificultada, em anos recentes, pela entrada no mercado de outros países asiáticos (além dos já tradicionais Coréia do Sul, Taiwan e Hong Kong) como a China, Tailândia, Indonésia e outros, ademais da estratégia das empresas dos países desenvolvidos de instalarem-se nessas regiões. Estudo comparativo das estruturas de custos e preços de venda do calçado entre uma empresa chinesa e quatro empresas brasileiras, realizado pela Associação Comercial, Industrial e de Serviços de Novo Hamburgo (ACI/NH, 1992), mostra que a empresa chinesa consegue vender o calçado a um preço unitário cerca de 18,5% menor que o preço médio das empresas brasileiras. A vantagem competitiva da firma chinesa está baseada em uma menor participação dos custos industriais em sua estrutura total de custos. Dentre esses, a participação da mão-de-obra era 19 pontos percentuais inferior àquela das empresas brasileiras.

Assim, as empresas brasileiras têm se defrontado com duas ordens de pressões competitivas. De um lado, no segmento de calçados de baixo preço - os chamados huaraches - que requerem um grande volume de mão-de-obra na sua produção, o País vem tendo sua posição ameaçada por parte desses países asiáticos. De acordo com entidades vinculadas ao setor (ABICALÇADOS, ABAEX), estima-se que entre 1989 e 1991 o Brasil tenha perdido uma demanda de mais de 40 milhões de pares de calçado para a China e outros países asiáticos (Dirigente Industrial, abril/92).

No entanto, há perspectivas da região do nordeste brasileiro constituir-se em pólo alternativo de exportação de calçados de baixo preço. O crescimento extensivo por incorporação de mão-de-obra nos pólos tradicionais - Vale dos Sinos/Franca - vê-se dificultado pelo alto custo da infra-estrutura urbana necessária para abrigar o volume de mão-de-obra requerido para essa produção. No nordeste do Brasil há disponibilidade de força de trabalho, de modo que o deslocamento de segmentos da indústria para outras regiões do país apenas reproduz em escala nacional um movimento que tem ocorrido inter-países. Assim, empresas como Azaléia, Brochier e Alpargatas já possuem unidades instaladas naquela região (Tecnicouro, 1991). Adicionalmente, existe na região uma política de incentivos por parte de alguns estados para a atração de empresas e novos investidores, bem como a menor distância de importantes mercados consumidores no exterior.

Contudo, a pressão competitiva não se verifica apenas no segmento de mercado popular, de baixo preço, mas igualmente na faixa onde a qualidade do sapato passa a ser um atributo importante na disputa pelo mercado. Também nesse segmento os países asiáticos têm apresentado uma performance razoável: os calçados brasileiros vendidos no mercado norte-americano entre US$ 10 e US$ 12 o par, têm sofrido a concorrência dos sapatos provenientes daqueles países, comercializados a um preço inferior e com nível de qualidade que se aproxima dos brasileiros (Folha de São Paulo, 22.08.1992)18.

No segmento de calçados de maior valor agregado, de moda, de design mais elaborado, as empresas dos países desenvolvidos têm procurado defender suas posições no mercado através de intensificação da automação de base microeletrônica (CAD/CAM), adoção de novas técnicas organizacionais, diversificação de modelos e menores prazos de entrega. Paralelamente, têm instalado ou realizado associações com empresas de países de baixos salários na produção de linhas de calçados que requeiram o uso intensivo de mão-de-obra.

Nesse aspecto, as empresas brasileiras estão em uma fase inicial na aproximação da prática produtiva que tende a difundir-se no comércio internacional. Convém notar que o desenvolvimento dos fatores listados acima, associado aquele do custo de mão-de-obra, constituir-se-iam em elementos determinantes do fortalecimento da posição concorrencial no mercado externo e de preservação do mercado doméstico.

Entretanto, deve-se ressaltar que o custo de mão-de-obra continuará ainda a desempenhar um importante papel na competitividade da indústria brasileira devido, entre outros, aos seguintes motivos:

i) o gap salarial entre o Brasil e os países desenvolvidos ainda é acentuado. Mesmo que se verifique um aumento de salário real do trabalhador nesta indústria, a curto prazo não há perspectivas daquele diferencial ser anulado. Além disso, dada a natureza intensiva em mão-de- obra do processo de trabalho e as dificuldades de automação dessa atividade, dificilmente os ganhos de produtividade e a redução da mão-de-obra obtidos por esse meio seriam de magnitude tal que compensem a diferença salarial;

ii) no caso dos países asiáticos concorrentes dos calçados brasileiros, alguns deles como Coréia e Taiwan já estão sofrendo pressões de custos de mão-de-obra. Este fator vem diminuindo

18 De acordo com dados do Departamento de Comércio dos EUA (Gazeta Mercantil,31.03.1992), em 1991 aquele país importou 212,8 milhões de pares de sapatos de couro femininos e 65,3 milhões masculinos. A composição em termos de principais países exportadores para aquele mercado nesses segmentos é a seguinte (o primeiro percentual refere-se aos calçados femininos e o segundo aos masculinos): Brasil (36,3%; 11,5%); Taiwan (6,6%; 12,7%; Coréia do Sul (5,7%; 11,5%); Itália (9,3%; 6,6%); e China (25,1%; 32,8%). Não é demais lembrar que essas duas segmentações são amplas e contemplam ainda as subdivisões de calçados de baixa, média e alta qualidade. Nesse sentido, esses países não necessariamente estão concorrendo entre si em todos esses segmentos.

sua importância relativa para a competitividade desses países, o que cria dificuldades para que concorram no segmento de calçado de couro de médio preço, onde o Brasil é especializado.

Por outro lado, no segmento de calçado popular, intensivo em mão-de-obra, há dificuldades crescentes do Brasil manter-se competitivo nesse mercado devido ao deslocamento de produção para os países asiáticos - China, Tailândia, Indonésia e outros - com custos de mão- de-obra bastante reduzidos.

No segmento de calçados esportivos (tênis), tanto no mercado doméstico como no mercado externo, o consumo tem aumentado a um ritmo elevado. Esse é um mercado que se vislumbra continue com alto potencial de crescimento. No entanto, a participação da indústria brasileira nesse segmento vê-se obstaculizada pelos custos e qualidade de insumos sintéticos e a ausência de um maior desenvolvimento tecnológico de processo. A maior abertura da economia brasileira no futuro deve vir a pressionar a indústria no espaço doméstico, onde até o momento é praticamente auto-suficiente.

As oportunidades que se entrevêem para a indústria de calçados brasileira são, de um lado, a manutenção da competitividade no mercado interno e no segmento do calçado de couro de médio preço no exterior. Em função do custo e do aumento da qualidade e da produtividade, há perspectivas do Brasil ampliar suas exportações. De outro, surge oportunidade de ingressar na faixa de mercado de maior valor agregado em decorrência da maior capacitação tecnológica e organizacional. No caso dos calçados de baixo preço, na medida em que se consiga viabilizar a produção em regiões que ofereçam condições produtivas para tal, abre-se a possibilidade de a indústria recuperar a competitividade externa que já teve nesse segmento.

Documentos relacionados