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2 QUADRO CRÍTICO: PANORAMA HISTÓRICO E GEOGRÁFICO

2.2 TERRITÓRIO DE MATO GROSSO

2.2.2 Desbravamento e consolidação

A geografia está na origem de muitos acontecimentos que marcaram a história de Mato Grosso, inclusive no campo arquitetônico. Tanto que as diferentes fases dessa história ditam-se, grosso modo, pelos sucessivos deslocamentos dos eixos de penetração econômica e demográfica da região, por forças das suas barreiras e potencialidades naturais. Em um quadro de expansão de f o tei asàguiadaàpo à a hadosà atu ais , a história acaba transpondo para a linha do tempo as descontinuidades do seu palco geográfico. Os ciclos históricos, nesse caso, decorrem da relação conflituosa mas fecunda, dialética portanto, entre forças concorrentes atuando sobre um mesmo território. Essa dialética de vetores e agentes históricos interligados em uma estrutura espa ialà o u à oà àest a haà à oç oà aisàa a ge teàdeà a po àp opug adaàpo àPie eà Bourdieu (2002). Para o sociólogo francês as relações de interesse e poder no interior de uma dada sociedade podem ser descritas como um campo estruturado de linhas de força em constante coação, sendo os elementos geográficos um fator condicionante dessa trama vetorial. A componente matemática desse modelo explicativo permite supor que as resultantes das referidas linhas de força possam ser rebatidas em um único plano, aqui representado pelo mapa de Mato Grosso. Nessa épura imaginária, a intrincada rede de linhas de força agindo indistintamente sobre o tempo e o rumo dos acontecimentos ver-se-ia organizada em quatro quadrantes. Do ponto de vista histórico, com efeito, tal mapa parece quadripartido por dois eixos ortogonais de desbravamento, discriminando espaços anteriores e posteriores às investidas colonizadoras, dentro e fora do seu alcance. Sobre esses eixos atuaram, desde o século 18, forças de dentro para fora (centrífugas, pode-se dizer), características do expansionismo do sistema colonial, gerando reações (centrípetas) ligadas aos esforços de centralização política e econômica dispendidos pela Metrópole. Pretende-se demonstrar que a história posterior manteve-se repleta de conflitos originários tanto da expansão das frentes colonizadoras, quanto da necessidade de integração econômica dessas frentes; conflitos simultâneos pela conquista da terra e dos meios de acesso a ela, disputas pela ampliação de fronteiras e redução de distâncias.

Durante mais de dois séculos, a navegação fluvial representou a principal ligação dos mato- grossenses com o mundo exterior. Como que partindo esse mundo em dois, um extenso divisor de águas formado pelos Planaltos dos Parecis e dos Guimarães corta a região central do Estado, entre afluentes da bacia Amazônica, ao norte, e da bacia do Prata, ao sul (figura 30). Os contatos com o sudeste brasileiro, com os países do Cone Sul e de além-mar dependiam dos rios da bacia platina, pelos quais chegaram os bandeirantes paulistas e quase todos os produtos e influências da civilização ocidental. Os leitos da bacia amazônica, por sua vez, conduziam ao universo autóctone representado pela mata virgem, pelas tribos, lendas e mistérios que a povoam. Na região central onde suas respectivas cabeceiras se cruzam, a confluência desses dois universos só não foi maior devido às dificuldades de navegação. Essa área partilha duas das principais redes fluviais de acesso ao sertão brasileiro, mas por corresponder ao ponto terminal de ambas, permaneceria ilhada àpelasà guasà asasàque partem dali.

Figura 30 – Encontro das águas amazônicas e platinas: mappa dos sertões de mar a mar... [17--]. Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

Figura 31 – Plan de Cuiabá Mato Groso, y pueblos de los chiquitos, y santa cruz, 1778.

Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

Significativamente, as primeiras vilas e povoados de Mato Grosso surgiram às margens dos leitos platinos, na parte meridional do seu antigo território indiviso, correspondente ao atual Estado de Mato Grosso do Sul. As particularidades hidrográficas dessa região, em particular, também foram determinantes na história de sua ocupação. Novamente, um divisor de águas interpõe-se entre duas realidades contrastantes. Mas diferentemente do Planalto dos Parecis,

que corta a parte norte do Estado no sentido leste-oeste, o planalto de Maracajú atravessa o território sul-mato-grossense no sentido norte-sul, entre as sub-bacias do Paraguai, que irriga a planície do Pantanal a oeste, e do Paraná, que flui para o leste (figura 32). Mapas do século 18 apresentam as serras de Maracaju como limite das terras portuguesas e paraguaias (figura 33). Não surpreende que, historicamente, o povoamento desse território tenha sido disputado, de um lado, pelos estrangeiros platinos, de outro, pelos bandeirantes provenientes da capitania de São Vicente.

Figura 32 – Encontro das águas paraguais e

paranaenses: Parte do governo de São Paulo e parte dos domínio da Coroa de Espanha, 1740.

Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

Figura 33 – Plano do territorio que circula a praça do Guatemy... [17--].

Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

Pelo estuário do Prata, chegaram inicialmente os conquistadores espanhóis e as reduções jesuíticas. Depois que Aleixo Garcia alcançou as terras meridionais do atual Mato Grosso do Sul rio Paraguai acima, ao menos quatro expedições espanholas empenharam-se em urbanizá-las. Coube, contudo, a Ruiz Días Gusmán fundar em 1593 aquela que pode ser considerada a primeira cidade construída em solo mato-grossense: Santiago de Xerez. Pesquisas arqueológicas sugerem que a cidade foi originalmente implantada dentro do que hoje constitui o cone sul de Mato Grosso do Sul, compreendido pelos rios Iguatemi e Paraná, em terras então dominadas pelos temíveis índios Guaicurus. Os sucessivos deslocamentos da cidade, até sua ruína definitiva na região do Pantanal (antigo Campo de Xerez) são reflexos das disputas travadas por espanhóis, portugueses e indígenas pelo controle da região e das hidrovias que a servem de leste a oeste.

Para Arruda (2009), parte da importância de Santiago de Xerez deve-se ao fato de seu provável traçado seguir a tradição do urbanismo hispano-a e i a o.à Oà espí itoà deà o uista à dosà espanhóis estaria expresso no desenho reticular de vias e quadras rigidamente dispostas em torno de uma grande praça quadrangular, para a qual estariam voltados a igreja e os edifícios públicos. O geometrismo desse modelo urbanístico, não subordinado aos acidentes naturais da paisagem, foi interpretado por Holanda (2000) nos seguintes termos:

[...] no plano das cidades hispano-americanas o que se exprime é a ideia de que o homem pode intervir arbitrariamente, e com sucesso, no curso das coisas e de que a história não somente acontece mas também pode ser dirigida e até fabricada (não excluída a influência direta dos modelos greco-romanos sobre o traçado de cidades). (HOLANDA, 2000).

A respeito da influência greco-romana, Mendes (2010) acrescenta que a praça definida pelo encontro de dois eixos ortogonais (o cardo e o decumanos dos antigos acampamentos o a os à se iaà ta à oà B asilà u aà at i aà ep ese taç o .à ássi ,à à deà supo à ueà oà urbanismo mato-grossense tenha nascido sob a égide da praça romana, definida pelo cruzamento dos dois eixos antagônicos do sagrado e ao profano. Em meados do século 16, Santiago de Xerez foi arrasada pelos bandeirantes paulistas, empenhados em transpor os limites ocidentais da colônia lusitana fixados pelo Tratado de Tordesilhas. Quanto aos dois eixos que teriam balizado de sua planta, uma análise do avanço das frentes colonizadoras em território mato-grossense mostra que, de certa forma, eles continuarão presentes na história da região. A ideia de paraíso teve papel crucial nos rumos da disputa territorial travada na região pela posse das suas riquezas. Com o interesse dos espanhóis desviado para a captura do mítico Rei Branco e sua Montanha de Prata peruana, os paulistas tiveram seu caminho facilitado rumo às riquezas igualmente míticas do sertão mato-grossenses. As lendárias minas da Serra dos Martírios, por exemplo, noticiada em 1682 por Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera, atraiu diferentes sertanistas às franjas da floresta amazônica. Aprisionando índios, os bandeirantes seguiam pelos rios Tietê, Paraná, Paraguai e seus tributários, por meio dos quais rumavam para o norte do Mato Grosso. Após a descoberta de ouro num afluente do rio Cuiabá, em 1718, esse mesmo trajeto fluvial seria repetido por garimpeiros e monçoneiros de todos os cantos da colônia.

Figura 34 – Plano do Cuyabá, 1770-1775. (Arquivo Histórico do Itamaraty). Fonte: Reis Filho (2001).

Figura 35 – Vista de Cuiabá, 1771-1780. Autor não identificado. (Casa da Ínsua, Portugal). Fonte: Freitas (2011, p. 29).

O Arraial do Senhor Bom Jesus de Cuiabá desenvolveu-se, desde então, sob a proteção de uma rudimentar capela ao Próprio consagrada. Os mapas mais antigos do arraial, do final do século 18, já revelam uma conformação viária informal, inseparável da configuração natural da paisagem (figura 34). As ricas minas de ouro abertas no leito do córrego da Prainha deram origem ao aglomerado urbano, esparramado pela sua margem direita, de topografia mais suave (figura 35). A trama viária acompanha de maneira irregular a curvatura do córrego e as leves

ondulações do terreno, que conferem destaque ao largo da sé e à praça vizinha onde seria erguido o palácio do governo. Outras duas capelas foram construídas nos barrancos da margem oposta, cuja inclinação representou uma barreira ao avanço da mancha urbana naquela direção. O crescimento deu-se no eixo norte-sul definido pelo garimpo da Prainha e o porto da cidade, no Rio Cuiabá. Tanto no distrito-sede quanto na região do porto, construiu-se com técnicas simples de adobe e pau-a-pique, e materiais extraídos das imediações. Ao longo do século 18, foi se consolidando o modelo de construção e loteamento característico da tradição luso- brasileiro, com as ruas definidas pelo alinhamento das casas, coladas lateralmente umas às outras junto à testada do lote, ficando o quintal dos fundos reservado à criação de animais e ao plantio de subsistência.

Figura 36 – Lavra de ouro no arraial São José dos Cocaes (Nossa Senhora do Livramento), José Joaquim Freire, 1789-1792. (Acervo do Museu Bocage, Portugal).

Fonte: Siqueira (2002, p. 58)

Dentro dos mesmos padrões urbanísticos, surgiram outros municípios mineradores espalhados pelos vales do alto Paraguai e seus afluentes, tais como Diamantino (1728), N. Senhora do Livramento (1730, figura 36), Rosário Oeste (1749-51) e Poconé (1777). Ao longo do vale do Cuiabá, nasceram núcleos dedicados ao abastecimento agrícola e pecuário da população garimpeira, como Chapada dos Guimarães (1722, figura 37 a figuras 39) situado serra acima, e Santo Antônio do Leverger (1734) e Barão de Melgaço (1750), posicionados rio abaixo. Na formação e consolidação dessas localidades, merece destaque o papel desempenhado pelas

igrejas, colégios e missões fundados pelos jesuítas a partir de 1748. A primeira missão foi organizada em terras do atual município de Chapada dos Guimarães, onde índios de diversas etnias, sobretudo bororos, foram catequizados até a expulsão dos jesuítas da colônia, ocorrida em 1759.

Figura 37 – Projeto ampliação da Igreja de Santana do Sacramento, Chapada dos Guimarães, 1780. Fonte: Moura (1979).

Figuras 38 – Igreja de Santana do Sacramento, Chapada dos Guimarãres.

Foto: R. Castor, 2012.

Figuras 39 – Igreja de Santana do Sacramento, vista da nave. Foto: R. Castor, 2012.

A fim de consolidar-se no comando das minas, o Conselho Ultramarino da Metrópole decide pela defesa e povoamento das fronteiras ocidentais então conquistadas. Com esse propósito, foi criada em 1748 a Capitania de Mato Grosso. Seus limites, antes considerados área de expansão da Capitania de São Paulo, englobavam parte do atual Estado de Rondônia e todo o território hoje pertencente a Mato Grosso do Sul. Cidades e fortalezas rigorosamente planejadas foram construídas em pontos estratégicos da nova Capitania, começando pela sua primeira capital Vila Bela da Santíssima Trindade (1751, figura 40). A vila foi instalada no limite oeste da colônia, assinalada pelo rio Guaporé, afluente do Madeira e do Amazonas. Optou-se, dentro do possível, por construções duráveis e um traçado viário ortogonal previamente elaborado. A ortogonalidade do plano reclamava um terreno plano, apartado das margens irregulares do Guaporé. Em troca, garantia lotes e ruas uniformes interligados a uma praça quadrada, faceada pela matriz e pelos principais edifícios públicos. Se a planta original da cidade parece desafiar a natureza bruta, seu êxito em domesticá-la fica sugerido pelo enquadramento do extenso pomar aos fundos do palácio do governador.

Figura 40 - Plano da capital de Vila Bela do Mato Grosso, 1789. (Acervo Casa da Ínsua, Portugal). Fonte: Siqueira (2002, p. 47).

A fim de garantir a ocupação das terras entre Cuiabá e Vila Bela, foram projetados pela coroa portuguesa a Vila Maria do Paraguai (1778), atual Cáceres, nas franjas do Pantanal, e as

povoações de Casalvasco (1782, figura 41 e figura 42) e Viseu, estas últimas no vale do rio Guaporé. (SIQUEIRA, 2002) Até onde for possível falar de confronto entre rigor geométrico e natureza, a Amazônia não seria derrotada tão cedo. O isolamento e insalubridade do vale guaporeano, agravados pelas dificuldades de navegação até os portos do Pará abortaram o desenvolvimento de Vila Bela, forçando a transferência da capital para Cuiabá, em princípios do século 19. Abandonadas, Viseu e Casalvasco foram literalmente engolidas pela selva.

Figura 41 - Planta da povoação de Casalvasco, cerca de 1780. Fonte: Biblioteca Nacional Digital

Figura 42 –Casalvasco. José Joaquim Freire, 1790. (Acervo do Museu Bocage, Portugal). Fonte: Siqueira (2002, p. 54).

Melhor sorte coube à Villa Maria do Paraguay (figura 43 e figura 44), atual Cáceres, fundada em 1778 pelo engenheiro militar Luiz de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, quando governava a capitania. Nascida para povoar e defender as terras recém-conquistas da colônia, o núcleo encontrou no rio Paraguai sua vocação econômica. Do porto de Cáceres dependeram o abastecimento e o escoamento da produção de toda a zona mineradora compreendida entre Cuiabá e Vila Bela. Interligado tanto aos portos de Buenos Aires e Assunção, quanto ao de Cuiabá, a nova vila pode se beneficiar comercialmente de todos os ciclos extrativistas que, de tempos em tempos, reanimavam a economia do médio-norte mato-grossense. Essa dependência do trânsito fluvial parece ter sido pressentida no plano original da cidade, com sua grande praça aberta para o rio. A exemplo da contemporânea Casalvasco, o cais do porto de Cáceres concorre com a igreja de São Luiz, os prédios oficiais e os blocos de moradias para delimitar o espaço central da cidade. Sua população pioneira, constituída basicamente de índios, logo seria ampliada e diversificada pelos contatos regulares com os povos de colonização espanhola, fenômeno comum a outros núcleos servidos pela bacia platina.

Figura 43 – Planta de Villa Maria do Paraguay (Cáceres), 1784.

(Acervo da Casa da Ínsua, Portugal). Fonte: Reis Filho (2001).

Figura 44 – Vista de Villa Maria (Cáceres), século 18. Autor não identificado.

(Acervo da Casa da Ínsua, Portugal).

Fonte: Siqueira (2002, p. 52).

Se esse tipo geométrico de traçado viário simula a vitória da motivação humana sobre o acaso ou o arbítrio da natureza, como defende Holanda (1997), nem todo núcleo de traçado irregular representa o oposto. Retomando as metáforas celebrizadas em Raízes do Brasil, pode-se dizer ue,à e à Matoà G osso,à ta toà asà idadesà lad ilhadas à ua toà asà se eadas ,à esti e a à associados a estratégias de posse ou controle territorial, conquanto os objetos desse controle

tenham variado conforme a localização. Ao longo de toda a fronteira ocidental, as cidades planejadas nasceram de um propósito militar, ao assinalar um limite defensivo ao expansionismo espanhol. Já nas terras do lado oriental, próximas à divisa com São Paulo e Goi s,àoàdese ol i e toàdoàt açadoàditoà espo t eo àde e-se muitas vezes ao controle ou exploração comercial das rotas que demandam o sudeste brasileiro. Nesse caso, a ideia de determinação ou vontade humana se expressa mais na dimensão temporal que na espacial. Não deve ser procurada na geometria do espaço urbano, que tende a acompanhar a tortuosidade dos caminhos que lhe deram origem, mas no caráter de permanência e estabilidade de sua implantação, criteriosamente escolhida junto aos cruzamentos de rotas ou pousadas dos tropeiros.

Compreensível que essas duas formas de ocupação sejam muito mais presentes no território sul-mato-grossense, colado de um lado à capitania de São Paulo, grande centro irradiador de migrantes e mercadorias para o interior, de outro, com a província do Paraguai, foco renitente de conflitos políticos. É significativa a localização limítrofe dos dois municípios mais antigos de Mato Grosso do Sul, Corumbá e Paranaíba, nascidos respectivamente de uma remota vila fortificada e de um ponto de repouso de viajantes. A história dessas localidades mostra que entre suas respectivas as vocações e características urbanas não existe oposição, senão complementaridade.

Figura 45 - Planta de Vila Albuquerque (Corumbá), século 18. Fonte: Arruda (2009).

Figura 46 - Planta urbana de Corumbá, início do século 19. Fonte: Arruda (2009).

Figura 47 – Desenho de Corumbá, século 19 Fonte: Arruda (2009).

Acompanhando o desenvolvimento de Corumbá, antiga Vila de Albuquerque, percebe-se quão impreciso é o limiar entre o papel proteção de fronteira e o de passagem obrigatória de viajantes. A vila fortificada foi construída por determinação da Coroa Portuguesa em 1778, num platô a salvo das inundações periódicas do rio Paraguai, na pantaneira divisa com a Bolívia (figura 45 a figura 47). O núcleo original, projetado pelo engenheiro militar português Ricardo de Almeida Serra, compunha-se três alas retilíneas de casas geminadas, delimitando um pátio retangular dotado de uma capela e um portão voltado para o lado do rio. Essa praça balizou o crescimento posterior de Corumbá na forma de um tabuleiro de xadrez. A disciplina formal da idadeàalta àde e-se ao fato de ter sido planejada como guardiã da fronteira mais avançada da colônia portuguesa até aquela época (DELSON, 1997). Em contraste, as vielas que se ramificavam pela parte baixa e acidentada da vila, junto ao porto fluvial, atestavam sua correlata vocação de entreposto no transporte de passageiros e mercadorias.

Situada na face da ilha do Paraguai-Mirim esse centro fortificado proporcionava até certo ponto, aos navegantes, vantagens idênticas à que oferecia a fazenda de Camapuã. Proporcionava, principalmente, a possibilidade de repouso durante uma viagem trabalhosa e árdua. (HOLANDA, 2000).

Datam da segunda metade do século 18 os fortes que guardaram os limites ocidentais da colônia, definidos pelo tratado de Madri (1750) como aqueles efetivamente ocupados pelos portugueses. A construção da praça fortificada de Iguatemi (figura 48), concluída em 1767, ficou a cargo do governador da capitania de São Paulo, Luiz Antônio de Souza Botelho e Moura, o Morgado de Mateus. O projeto compreendia uma praça central entre 16 quarteirões quadrados envoltos por uma paliçada de madeira, formando um heptágono irregular, com quatro de seus baluartes adaptados aos acidentes do terreno. Sua localização na beira do rio Paraná, no extremo sul da capitania de Mato Grosso, representava uma proteção à rota dos monçoneiros paulistas, que desciam por aquele rio em direção a Cuiabá. Até sua destruição pelos espanhóis, em 1777, o forte era abastecido pelo Armazém Real de Araritaguaba, situado no mesmo porto do rio Tiete (atual Porto Feliz) de onde partiam as monções.

O quarto governador-geral de Mato Grosso, Luis de Albuquerque de Mello Pereira e Cáceres, ordenou a construção dos fortes de Coimbra (1775, figura 49 a figura 51) e Príncipe da Beira (1776, figura 52), ambos em pontos forçados de passagem para potenciais invasores estrangeiros. O primeiro foi instalado sobre um morro fronteiro ao rio Paraguai, constando, inicialmente, de uma paliçada quadrangular de madeira e moradias de taipa cobertas de palha. A retomada do principio uti possidetis pelo tratado de Santo Ildefonso (1777) motivou a reconstrução do forte em pedra e cal. A obra confiada em 1797 ao tenente coronel Ricardo Franco, apresentava uma muralha externa tão irregular quanto seu terreno em declive. Entre muros de arrimo e pátios internos, distribuíam-se os edifícios da capela, da casa de pólvora e dos alojamentos.

O forte Príncipe da Beira, sobre as margens do Guaporé hoje pertencentes a Rondônia, e o Presídio de Miranda (figura 53), núcleo inicial da cidade homônima, no atual Mato Grosso do Sul, são outros dois pontos de defesa que caíram em ruína juntamente com a importância geopolítica das rotas fluviais que resguardavam. Guardadas suas diferenças de escala e material, distinguem-se ambos pela regularidade geométrica de suas muralhas e acomodações internas. Fundado em 1776, o forte Príncipe da Beira foi prejudicado tanto pela consolidação da presença portuguesa na região, quanto pela extinção do monopólio comercial da Companhia Geral do

Grão-Pará e Maranhão, cuja frota circulava pelo Guaporé sob a proteção das suas muralhas de pedra.

Figura 48 – Configuração da Praça Nossa Sehora dos Prazeres do Rio Iguatemi.

Fonte: Biblioteca Nacional Digital.

Figura 49 - Planta do Novo Forte de Coimbra, início do século 19 (Biblioteca do Exército Brasileiro).

Fonte: Ferreira (2006).

Figura 50 – Forte Coimbra, às margens do rio

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