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3.2.5 – Uma Proposta Paleoambiental: clima, flora e fauna

Segundo Auler et al (2003), o conjunto de mamíferos que data do Pleistoceno superior é testemunha de uma paisagem caracterizada pela savana arbustiva, recortada por zonas de floresta, com um clima mais úmido que o atual. Esta fauna é contemporânea dos mais antigos vestígios, atualmente conhecidos, da presença do homem na América. 30

Ao sudeste da formação arenítica do PARNA, encontram-se restos fósseis de maciços calcários metamorfizados e, por isso, favoráveis à conservação do material ósseo. Ao contrário dos sítios da formação arenítica, que contêm solos com alto nível de acidez, os sítios calcários têm a particularidade de conservar melhor os esqueletos humanos e uma rica fauna do Pleistoceno. Essa fauna, que vem sendo estudada desde 1990 pelo paleontólogo Claude Guérin, fornece indicações de ordem biocronológica e paleontológica que permitem verificar o meio ambiente no qual o homem do paleolítico sul-americano vivia.

30 Segundo Auler, A. et al. 2003, “No nordeste brasileiro, uma série de datações foram realizadas em calcita

sobre ou sob ossadas fósseis. Estas idades representam, pois, idades mínimas ou máximas para os vestígios fossilíferos. As datações obtidas mostram uma grande variabilidade, sem qualquer tendência a se concentrarem na

Até o momento, foram estudadas as amostras de material ósseo fossilizado da mega-fauna de seis sítios: Toca da Janela da Barra do Antonião; Toca de Cima dos Pilão; Toca do Garrincho; Toca do Serrote do Artur; Lagoa São Vitor e Sumidouro do Sansão. O conjunto dos vestígios estudados apresenta uma homogeneidade suficiente para que os sítios sejam considerados contemporâneos. Artefatos paleolíticos e restos humanos foram encontrados associados a uma parte dos ossos de animais fósseis. Essa fauna também é contemporânea dos níveis paleolíticos de sítios da formação arenítica, onde não há a presença de fósseis, mas, as relações cronológicas dos jazigos e a tecnologia dos instrumentos demonstram a sua contemporaneidade. Trata-se dos sítios Toca do Boqueirão do Sítio da Pedra Furada, a Toca do Caldeirão do Rodrigues I, a Toca do Sítio do Meio e a Toca do Serrote da Bastiana (em calcário).

Dos sítios paleontológicos foram coletadas mais de 50 espécies de mamíferos, das quais 30 fazem parte da fauna atual da América do Sul. As espécies fósseis viveram durante o Pleistoceno superior e desapareceram no final desse período, há cerca de 10.000 anos AP. Vários gêneros presentes do Parque são bons marcadores cronológicos do Pleistoceno final. Também foram identificadas mais de 30 espécies de aves e, também, tartarugas, anfíbios e peixes. A Tabela 8 dispõe a relação dos mamíferos existentes no Parque Nacional Serra da Capivara que foram encontrados nos sítios paleontológicos estudados e classificados pelo profº Claude Guerin, até o momento, é o seguinte:

TABELA 08 – Fauna encontrada nos Sítios Paleontológicos

ESPÉCIE NOME VERNACULAR / Peso e idade aproximados

Catonyx cuvieri Preguiça gigante terrestre: 500 a 700 kg / entre 300 e 10 mil anos AP.

Scelidodon Preguiça gigante terrestre: 500 a 700 kg / entre 300 e 10 mil anos AP.

Eremotherium lundi Preguiça gigante terrestre:=/> 5 toneladas/entre 300 e 10 mil anos AP.

Megalonychidae xenocninae Preguiça fóssil (?): sem informação complementar

Dasypodidae div. Tatu: aproximado às espécies atuais em tamanho.

Pampatherium humboldti Tatu gigante: 100 a 200 kg / entre 700 e 10 mil anos AP.

Hoplophorus euphractus Tatu: espécime próxima = Glyptodon

Panochthus greslebini Falso tatu gigante: =/> 700 kg / conhecido até 9 e 8 mil anos AP.

Glyptodon clavipes Falso tatu gigante: =/> 700 kg / conhecido até 9 e 8 mil anos AP.

Cunniculus paca Paca: espécie atual

Kerodon rupestris Mocó: espécie atual de roedor

Galea spixii Pequeno roedor herbívoro (?)

Cricetidade div. Ratos: várias espécies, a maioria extinta no PARNA.

Thricomys Caviomorfo herbívoro: espécie atual

Protocyon troglodytes Raposa fóssil: =/> 60kg / desaparecida há +/- 10 mil anos AP.

Canidae indet. Lobo: espécie atual / desaparecida na área do PARNA

Mustelidae conepatus Ariranha (?): espécie atual / desaparecida na área do PARNA

Arctodus brasiliensis Urso de pequeno porte/fóssil: desaparecido há +/- 10 mil anos AP.

Felis yagouaroundi Gato vermelho: espécie atual

Panthera onça Onça pintada: espécie atual

Felis concolor Onça vermelha: espécie atual

Felis pardalis Gato verdadeiro: espécie atual

Smilodon populator Tigre-dentes-de-sabre: =/> 300kg/desaparecido há +/- 10 mil anos AP.

Macrauchenia cf. patachonica Herbívoro fóssil: =/< 1 tonelada / desaparecido há +/- 10 mil anos AP.

Toxodon sp. Herbívo gigante (animais próximos: rinocerontes e hipopótamos): =/> 1 tonelada /

desaparecido há +/-10 mil anos AP.

Haplomatodon waringi Elefante fóssil: =/> 5 toneladas/ desaparecido há +/- 10 mil anos AP.

Hippidion bonaerensis Cavalo fóssil: 400/500 kg/ de 3 milhões de anos até +/- 8 mil anos AP.

Equus neogaeus Cavalo fóssil: próximo do cavalo atual / até +/- 8 mil anos AP.

Dicotyles tajacu Porco-do-mato = caititu: desaparecido na área do PARNA

Tayassu pecari Porco-do-mato = queixada: desaparecido na área do PARNA

Paleolama major Lhama fóssil: 300/ 400 kg / desaparecida há +/- 10 mil anos AP.

Paleolama niedae Lhama fóssil: > 400 kg / desaparecida há +/- 10 mil anos AP.

Mazama gouazoubira Veado caatingueiro: espécie atual de cervídeo

Mazama americana Veado mateiro: espécie atual de cervídeo

Homo sapiens Homem: espécie atual

Caiman crocodilus Jacaré: espécie atual

Quelônio indet. Tartarugas e cágados: várias espécies atuais. > desaparecida da área do PARNA.

Didelphidae div. Gambás: várias espécimes fósseis e atuais.

Quiropteros div. Morcegos: várias espécimes atuais e desaparecidas do PARNA. A maioria é de frugívoros. Há uma única espécie de hematófago = Desmodus draculae (espécie gigante).

Dracaena sp. Réptil - (com costumes anfíbios): espécie atual

Plecostomus auroguttatus Peixe: espécie atual

Os dados apresentados nesta tabela são, segundo Guérin, os testemunhos de uma paisagem mista: de pradaria e de floresta, sob a influência de um clima quente e úmido.

“O quadro paleoambiental do Pleistoceno para a região do sudeste do Piauí, caracteriza-se por um clima mais úmido que o atual, com uma vegetação denominada de savanas abertas e arborizadas, é ecologicamente favorável aos grandes mamíferos, que estão bem representados por seus fósseis em alguns sítios da região”. 31

Os estudos antracológicos e as análises polínicas também têm se constituído em métodos fundamentais para a recomposição de paleoambientes em todo o mundo. Do Sítio do Meio, assim como de outros sítios arqueológicos locais, foram coletadas amostras de carvão vegetal para a análise antracológica. Entretanto, ainda aguardamos os resultados dessas análises que dependem do trabalho de especialistas e, sobretudo, de uma boa coleção de referência.

O trabalho de Palinologia, desenvolvido por Sérgio Chaves (2002) na região de interesse, tem fornecido dados valiosos à reconstituição do paleoambiente da Serra da Capivara. As coleções

de referência utilizadas para esse trabalho são provenientes dos herbários do Jardim Botânico do Rio de Janeiro e da Universidade Federal do Piauí.

Os pólens encontrados no interior de coprólitos coletados em sítios arqueológicos do PARNA têm fornecido também informações sobre a dieta alimentar de seres humanos e de animais. A partir das amostras de coprólitos foram identificados restos de plantas, principalmente folhas e sementes.

Poucas amostras apresentaram restos ósseos, mas a amostragem ainda não é suficiente para caracterizar a dieta das populações pré-históricas locais. No estágio atual das pesquisas ainda não é possível afirmar se era mais vegetal ou mais carnívora, por outro lado, a análise polínica dos excrementos humanos fósseis forneceu resultados paleo-etnológicos importantes, ao identificar algumas plantas que, provavelmente, foram utilizadas não somente na alimentares, mas também, para fins terapêuticos pela população pré-histórica.

A análise de coprólitos de animais permitiu a identificação de espécies vegetais características de períodos de chuva, como os taxa da família Combretaceae e, também, a presença de espécimes de climas úmidos e de solos argilosos, como a Apocynaceae, todos relacionados a espaços arbóreos. Os resultados desses estudos indicam que, por volta de 8.450 anos AP, havia um quadro ambiental mais úmido e arborizado que o dos dias atuais, com refúgios florestais de clima ameno, corroborando as pesquisas paleontológicas de Guerin. Entretanto, espécimes como a Acácia e a Mimosa verrucosa, por exemplo, indicam a existência de uma vegetação de transição entre o cerrado e a caatinga. Chaves propõe que, entre 8.450 e 7.230 anos AP, existiram na região algumas formações abertas com retomadas temporárias das vegetações do cerrado e do cerradão. Ainda hoje existem, na região, algumas manchas de brejo, vestígios do antigo período úmido.

- CAPÍTULO 04 –

4. A Paleo Bacia do Antonião

4.1 - Definições e delimitação da área

De acordo com o trabalho que já vem sendo desenvolvido na área cárstica do Médio Vale do Rio Piauí, observa-se que na subárea 3 (Mapa 07), o relevo cárstico se apresenta extremamente desnudado, suas cavidades evidenciam processos de preenchimento, desde pelo menos final do Terciário, ou seja, há mais de 2 milhões de anos, além de desabamentos internos e externos, depósitos de casca fina que são fortes evidências de mudanças climáticas, etc.

A delimitação da área de estudo entorno de uma única paleo-drenagem32 foi devido ao fato desta drenagem alimentar uma antiga lagoa à frente da Toca da Janela da Barra do Serrote do Antonião e, que sua nascente está em um dos boqueirões do Parque Nacional Serra da Capivara, no caso, o Boqueirão do Brejinho.

O Serrote do Antonião, assim como toda a subárea 3, se destaca das outras sub-áreas, devido à sua concentração de cavidades naturais com vestígios arqueológicos, paleontológicos e paleo- climáticos, assim como, ao fato de a Toca da Janela da Barra do Antonião ser um sumidouro33 e, o lado oposto, onde se encontram as Tocas do Serrote da Bastiana, do Barrigudo e do Espeleotema Caído, se caracteriza por uma ressurgência34.

Essa comunicação vem sendo preenchida por sedimentos há muito tempo. Outrora sua sedimentação ocorria do Antonião para o Barrigudo, até que essa comunicação ficou preenchida. Então, o que se observa já a algum tempo, talvez do Pleistoceno para cá, é uma sedimentação de material coluvial35.

32 Paleo-drenagem: antigo traçado produzido pelas águas fluviais, que modelam a topografia. 33 Sumidouro: depressões onde pode existir uma circulação subterrânea e, que, subitamente a água

desaparece.

34 Ressurgência: fonte de água que aparece em terrenos calcários, caracterizada não apenas pela grande

abundância de água, mas por sua intermitência. Na maioria dos casos, são antigos cursos de água sumidos, que ressurgem.

35 Material coluvial: material transportado de um local para outro por efeito da gravidade, geralmente

Da mesma forma que o sedimento foi carreado para o interior destas tocas, juntamente com ele também foi material ósseo de animais como Catonix e Eremoterium e material lítico e cerâmico dos grupos pré-históricos que ocuparam a área.

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