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CAPÍTULO II AS PLATAFORMAS INFORMÁTICAS NA GESTÃO ESCOLAR

1.2 Descentralização e participação

É inegável que legislação não implica, obrigatoriamente, ação12F14F

15, ou seja, embora os

discursos políticos se construam num contexto de influência, onde diferentes atores e conceitos vão adquirindo a sua legitimidade num processo de aceitação, ou de recusa, em “arenas públicas de ação” (cf. Mainardes, 2006), as soluções são patrocinadas e/ou impostas por agências internacionais13F15F

16, e.g. Banco Mundial, OCDE, UNESCO, FMI, com a natural reinterpretação

realizada pelo Estado-nação, o qual, naturalmente, tendo em conta a globalização da políticas internacionais, as recontextualiza dentro dos contextos nacionais. Como afirma Mainardes, isto implica

“a interpretação ativa que os profissionais que atuam no contexto da prática fazem para relacionar os textos da política à prática. Isso envolve identificar processos de resistência, acomodações, subterfúgios e conformismo dentro e entre as arenas da prática, e o delineamento de conflitos e disparidades entre os discursos nessas arenas” (Mainardes, 2006, p. 50).

Antes de mais, consideramos pertinente clarificar o conceito de centralização. Para Barreto “A centralização consiste no estabelecimento de uma autoridade global, em princípio

14 Neste artigo, Barroso refere-se ao trabalho que Meira realizou na “sua importante tese de doutoramento sobre o uso, em Portugal, de diversas

plataformas eletrónicas pela administração escolar e sua influência determinante na preservação da burocracia (ou neoburocracia) educacional.” (Barroso, 2018, p. 1087)

15 Segundo Mainardes, “Os textos das políticas terão uma pluralidade de leituras em razão da pluralidade de leitores. Os textos são produto de

múltiplas influências e agendas e sua formulação envolve intenções e negociação dentro do Estado e dentro do processo de formulação política. Neste processo, apenas algumas influências e agendas são reconhecidas como legítimas e apenas algumas vozes são ouvidas.” (Mainardes, 2006, p. 53)

16 Observe-se que Dale, que utiliza o vocábulo globalização, afirma que “A “globalização” é frequentemente considerada como representando um

inelutável progresso no sentido da homogeneidade cultural, como um conjunto de forças que estão a tornar os estados-nação obsoletos e que pode resultar em algo parecido com uma política mundial, e como reflectindo o crescimento irresistível da tecnologia da informação.” (Dale, 2004, p. 424), embora alerte para a utilização indiscriminada do termo e para o seu uso promíscuo.

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governamental ou estatal, que regule e presida às actividades de todas as unidades do sistema integrado” (Barreto, 1995, p. 160).

Ora, o conceito de centralização surge, em múltiplos discursos, associado ao conceito de descentralização que, julgamos, também importa, desde já, clarificar. A descentralização pressuporia e permitiria

“decisões de proximidade, com mais e melhor informação sobre os problemas, mais adequadas à realidade de cada território e das pessoas que o compõem, possibilitando o envolvimento da comunidade local e reforçando a responsabilização política dos decisores e o incentivo à boa gestão” (Educação, 2016, p. 9).

Formosinho e Machado, por seu turno, falam em “tensão entre centralização e descentralização administrativas, entendidas como formas políticas de organização do Estado e não como meros processos técnicos para assegurar a eficácia da administração” (Formosinho & Machado, 2013, p. 27).

Importa, por isso, neste momento, refletir ainda em torno de conceitos como administração centralizada (concentrada e desconcentrada) e administração descentralizada.

Assim, e tomando por base a análise que destes conceitos realiza, de forma exímia, Formosinho (1986, pp. 63-65), poderemos considerar, grosso modo, que a administração pode ser centralizada (quando e se as decisões se operam no topo) ou descentralizada (quando e se existirem órgãos locais que são independentes hierarquicamente da administração, ou seja, in casu, do Estado). No que diz respeito à primeira, a administração centralizada pode, ainda, ser concentrada ou desconcentrada. Se apenas os serviços centrais – superiores na cadeia hierárquica – tiverem poder de decisão e os seus inferiores, “agentes dos escalões inferiores” (Formosinho, 1986, p. 63), se limitarem a executar o que o topo decidiu, estamos perante uma administração centralizada concentrada. Pelo contrário, ela será desconcentrada se a lei permitir que chefes, em quem se delegaram poderes, possa tomar decisões que nele foram delegadas, mas cuja delegação pode cessar a qualquer momento.

Dito por outras palavras, as de Formosinho & Machado:

“A desconcentração difere da descentralização e tanto pode ser um instrumento ao serviço da centralização do poder como um corolário da descentralização. Colocada ao serviço da centralização do poder, a aplicação do princípio da desconcentração justifica-se por “razões técnicas que têm a ver com a celeridade, a eficácia e o ajuste da decisão administrativa às situações concretas

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verificadas a nível local”, bem como com a libertação dos órgãos centrais de “um acervo de decisões instrumentais” para poderem concentrar as suas actividades nas funções de direcção, supervisão e controlo. Entendida como corolário da descentralização, a desconcentração dá conta dos efeitos da distribuição de poderes operada num modelo descentralizado desconcentrado por oposição ao modelo centralizado concentrado que era dominante antes da LBSE” (Formosinho & Machado, 2013, p. 31).

É muito interessante verificar, aliás, que Formosinho defende que “Uma rede desconcentrada multiplica a presença do poder central em todos os locais mantendo-se a cadeia hierárquica de comando e proporcionando-se a possibilidade de acção de controlo indirecto” (Formosinho, 1986, p. 64). Quanto ao que acontece à utilização das plataformas informáticas em contexto escolar, parece evidente que “No topo formula-se, nos escalões inferiores executa-se apenas” (Formosinho, 1986, p. 63).

Numa referência, ainda que necessariamente sucinta, aos conceitos de descentralização e de desconcentração, Daniela Vilaverde e Silva também nos oferece uma síntese interessante:

“O binómio descentralização-autonomia é fundamental para que o processo de descentralização adquira uma existência real e se distancie de outros conceitos, nomeadamente do conceito de desconcentração, o qual é muitas vezes confundido ou até mascarado em nome da descentralização. Assim, enquanto na desconcentração a autonomia é inexistente, na descentralização a autonomia das organizações representa a consagração de um poder real emanado pelos próprios, cujas organizações possuem não só a capacidade de definirem a sua própria lei como a capacidade de a executar. Esta capacidade advém do conceito de autonomia” (Silva, 2017, p. 141, sublinhado nosso).

Do atrás exposto se conclui que, se a descentralização implica que existam organizações independentes em alguns domínios do Estado, com competências próprias (por exemplo, autonomia financeira e/ ou administrativa), já a desconcentração é mais limitada, prevendo-se, quando muito, que a tomada de decisões seja mais célere e que a resolução dos problemas que surgem nas organizações não dependa dos serviços centrais, sendo, por isso, resolvidos de forma mais rápida e eficiente. Não obstante, mantém-se um modelo de gestão centralizado, ao contrário do que acontece em casos de efetiva autonomia.

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“o primeiro elemento da autonomia é a transferência de poderes e de liberdades para uma instituição criada pelo Estado, seja como distinta e como separada dele (descentralização) seja como parte integrante supervisionada (desconcentração). Este primeiro elemento não existe nos serviços centralizados, integrados no Estado e dirigidos por Ele. Porém, a capacidade social de autonomia pode existir por parte dos actores sociais e organizacionais” (Formosinho, Fernandes, Ferreira, & Machado, 2010, p. 100).

A participação na organização educativa parece, por isso, algo bastante questionável, embora Veloso, Craveiro e Rufino afirmem que

“Em Portugal, têm ocorrido importantes mudanças relativas aos modelos de gestão e organização escolar. No âmbito das recentes inovações legais introduzidas, assiste-se ao reforço da participação da comunidade educativa por meio do órgão colegial de gestão escolar (Conselho Geral), que possui a função de aprovar as regras fundamentais de funcionamento das escolas e detém o poder de destituir o director (Decreto-Lei n.º 75, PORTUGAL, 2008)” (Veloso, Craveiro, & Rufino, 2012, p. 817).

Numa visão ciberburocrática da gestão escolar, Lima afirma, também, que “A autonomia e a descentralização, hoje tão invocadas, tendem, porém, a revelar-se compatíveis com a centralização das decisões político-estratégicas, dada a natureza predominantemente técnica e operacional da autonomia de execução” (Lima, 2012, p. 144). Nesse sentido, com esta interação de conceitos, podemos referir que a autonomia da gestão escolar está dependente da centralização decisória do poder central, sendo fantasioso referir que as escolas estão dotadas de autonomia, dado que cada decisão tomada não é mais que o cumprimento de decisões superiores.2F14 F16F

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Considera ainda Lima que

“A crítica ideológica à burocracia pública estatal, ignorando os fenómenos de burocratização empresarial e das organizações privadas, e a tentativa da sua superação através de modelos de governação pós-burocrática, considerados inovadores e flexíveis, mas à margem de soluções governativas mais democráticas e participadas, tem resultado, contraditoriamente, na emergência de uma hiper-burocracia” (Lima, 2010).

17 Como afirma Gareth Morgan, "na prática, a tecnologia é frequentemente utilizada para aumentar o poder central" (2007: 174). No entanto, "em

princípio, a tecnologia pode ser usada para aumentar o poder daqueles que estão em níveis ou locais da organização periféricos, fornecendo dados relacionados ao seu trabalho, mais claros, imediatos e relevantes que facilitam o autocontrole em lugar de controle centralizado" (Pereira, 2009, p. 10).

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CAPÍTULO III - ENQUADRAMENTO TEÓRICO - OLHAR A ESCOLA SOB AS LENTES

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