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A compreensão dos conceitos de descentralização e participação é essencial para o entendimento do processo de implementação dos organismos de gestão de água e solo no na Região Metropolitana de Curitiba e do modelo de gestão de recursos hídricos do Paraná.

Segundo Jacobi (2000), a questão da descentralização se coloca hoje como uma das principais pré-condições para formular uma efetiva democratização do Estado. Conceitualmente o termo define transferência ou delegação de autoridade legal e política aos poderes locais para planejar, tomar decisões e gerir funções públicas do governo central. Se relaciona, portanto com a distribuição territorial do poder e implica delegação de autoridade.

Segundo Smith (1985), citado por Jacobi (2000), a transferência de poder político através da descentralização dá-se das seguintes formas:

Desconcentração – a redistribuição do poder decisório entre os vários níveis do poder central;

Delegação – a transferência de responsabilidades e de poder do governo central para organizações semi-autonômas (órgãos públicos) que não são totalmente controlados pelo governo central, porém lhe são dependentes;

Devolução – é a transferência de poderes do governo central para unidades subnacionais independentes.

A descentralização em termos teóricos tem três objetivos gerais: obter mais democracia, mais eficácia e mais justiça social. A descentralização deve visar ao aprimoramento das relações intergovernamentais, capacitar os governos subnacionais para as funções que lhes são atribuídas e possibilitar o controle social da população organizada sobre o poder público (SMITH, 1985 apud JACOBI, 2000).

Para Bohn (2003), a descentralização pode ser analisada sob o ponto de vista político e administrativo.

Do ponto de vista político a descentralização ocorre por sermos um Estado Federal, com três instâncias de poder: o da União, o dos Estados e o dos municípios; que são autônomos, com capacidade de auto-organização, autogoverno e auto-administração que implica na repartição constitucional de competências, conforme o artigo 23 e artigos 24 e 30, inciso II, respectivamente (BARROSO, 2002 apud BOHN, 2003 p.273).

Ainda para Bohn (2003), descentralização administrativa implica: 1) atribuir personalidade política a um ente diverso da entidade matriz (União, Estados, Distrito Federal e municípios); 2) conferir ao ente descentralizado poderes de decisão em matérias específicas; 3) estabelecer normas a respeito do controle que o poder central exercerá sobre o ente descentralizado.

Como vimos anteriormente, um dos objetivos da descentralização é obter a efetiva democratização e para que ela ocorra se faz necessário que o processo seja participativo.

Participar significa, segundo Ferreira (1986), fazer saber, informar, anunciar, comunicar, “ter ou tomar parte”. E de acordo com Bohn (2003), juridicamente, todos os fenômenos participativos são reconduzíveis a idéia geral de ter ou tomar parte nas decisões.

Sendo assim, a idéia de Demo (1996) é que a qualidade da sociedade se retrata em seus canais de participação, no sentido das oportunidades e processos atuantes que levam ao fenômeno participativo autêntico. São cinco os canais de participação que podem ser experimentados:

a) organização da sociedade civil – forma mais operacional de levantar cidadania e que puxa pela competência dos grupos (representatividade das lideranças, legitimidade do processo, participação da base e planejamento participativo auto-sustentado).

b) planejamento participativo – formas de planejamento e administração sob o regime de auto-sugestão e co-gestão em conjunção com os Estados.

c) educação básica – universalização do 1º grau é entendida como canal de participação, sua finalidade é política: aprende-se a ler, escrever e contar “saber das coisas” para poder ser menos objeto das prepotências e destino (perceber melhor o mundo).

d) identidade cultural e comunitária – para deixar de ser objeto o sujeito necessita de identidade que é constituída na história cultural da humanidade. Ela é parteira da participação, porque planta a fé do grupo em seu futuro já que viveu um passado válido.

e) conquista de direitos – em teoria direitos são devidos incondicionalmente. Na prática precisam ser conquistados.

Demo (1996) ainda diz que participação é um processo histórico de conquista das condições de autodeterminação. Só existe se é conquistada, é uma questão de educação de gerações.

Segundo Abers (2003), a partir dos anos 90, surgiram no Brasil espaços de participação nos mais variados formatos: conselhos locais e nacionais, nas áreas de saúde, educação, meio ambiente e nas políticas de alocação de recursos orçamentários. Os critérios de qualidade de participação variam substancialmente entre esses grupos, mas todos parecem concordar que as políticas públicas serão mais eficazes quando os setores por elas afetados contribuírem para sua formulação. Algumas versões acrescentam a convicção de que a participação direta pode dar poder a grupos sociais que têm pouca influência sobre o processo de formulação de políticas públicas conduzidos por burocratas ou por tomadores de decisão eleitos.

Selznick (1949), citado por Abers (2003), sugeria que,

embora aparentasse o contrário, governos nunca devolvem poder a fóruns participativos. Desde então, inúmeros estudos de caso de experiências de participação têm mostrado que os governos não são inclinados a entregar poder de decisão, exceto para aqueles que já dispõe de tal poder.

Abers (2003), baseado em estudos de dois tipos de planejamento participativo induzido pelo Estado, diz que tanto atores do estado quanto da sociedade precisam ter motivações para construir uma nova política participativa.

Olson (1965), citado por Abers (2003), mostrou que os indivíduos tendem a considerar que não vale a pena participar de ação coletiva a menos que recebam recompensa direta. Mas inúmeros estudos demonstram que algumas pessoas participam de ação coletiva mesmo na ausência de tais recompensas.

A participação na política pública (gestão) é o diferencial, fazendo com que o cidadão passe a exercer atividades complementares àquelas desenvolvidas pelas instituições.A ênfase na participação e na responsabilidade coletiva são estratégias para a organização da sociedade em bases mais efetivas.

A institucionalização da participação não deve substituir obrigações do estado, mas deve ser agente capaz de fazer com que a sociedade civil se dinamize, visando a redução de riscos que a ameaça. Um exemplo é a Lei nº 9.433/97, que institucionaliza a descentralização e a participação social na gestão de recursos hídricos.

A Lei nº 9.433/97 não prevê a continuidade da participação social. Ela destaca a necessidade da participação nos comitês de bacia hidrográfica, mas se a participação se encerra aqui, há apenas a transferência de responsabilidades e não a manutenção das responsabilidades coletivas até a solução dos problemas práticos (MUNIZ, 2002).

Desta forma a descentralização gera maiores espaços para a participação de setores organizados da população na definição de gestão e políticas sociais com a criação de conselhos consultivos e deliberativos de caráter paritário em sua composição (HERMEGER, 2002). Há evidências que os ideais da participação não são sempre realizados na prática e no caso do Paraná se questiona, se houve ou não uma democratização das decisões no processo de implementação dos organismos de gestão do Paraná.

Abers (2000) apresenta três problemas da participação:

1. Implementação – o poder público dificilmente dá poder aos que não tem poder, porque aqueles que possuem o poder inviabilizam a tentativa de sua transferência.

2. Desigualdade – como os espaços participativos são abertos, sem restrições, as desigualdades tendem a se reproduzir dentro dos espaços, pois quem tem mais recursos (sociais, políticos e econômicos) também tem mais capacidade de participar.

3. Cooptação – o poder público tende a reter muito mais poder sobre informação do que os participantes, possibilitando a manipulação dos resultados, e definindo agendas, etc.

Enfim, existe uma vasta literatura que levanta os problemas da participação e aqui será examinado se estes problemas apareceram no Paraná.

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