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6. SALINIZAÇÃO NA REGIÃO CENTRAL DE RECIFE

6.4 Descontinuidade do Aqüitardo

A recarga do rio para o aqüífero Boa Viagem é direta, mas também há a recarga de águas do rio para o aqüífero Beberibe, devido à não continuidade das camadas intercaladas de argila, que funcionam como aqüitardo entre os aqüíferos. A figura 6.12 mostra a descrição litológica do furo de alguns poços próximos às margens do rio. Por exemplo, o poço na figura 6.12b apresenta camadas de argila com baixa permeabilidade e grande espessura, neste caso, o aqüífero Beberibe está protegido contra o escoamento vertical. Mas, há outros pontos de descontinuidade, como pode ser visto nas figuras 6.12a e 6.12c que não têm camadas prévias que isolem com segurança os dois aqüíferos. A base do rio próximo ao poço do Edifício Barão da Torre é aproximadamente de 8m de profundidade, então a água do rio pode infiltrar pela camada de areia do aqüífero superior e, como pode ser visto, não há espessura suficiente de argila para proteger o aqüífero inferior. A descrição do poço Casa Grande Recepções mostra que não há camadas de proteção entre os dois aqüíferos, nesse caso, quando a água passar do rio para o aqüífero Boa Viagem, ela poderá passar facilmente para o aqüífero Beberibe.

Figura 6.11 - À esquerda: gráfico da variação do tempo do nível d’água no rio e em um poço 1 (jardim atrás do edifício garagem do Hospital Português), e com os dados de precipitação. À direita: gráfico com o poço 2 (ao lado do refeitório do Hospital Português).

Com as figuras 6.13 e 6.14 pode-se visualizar duas seções feitas pela ENSOLO (1984), num trabalho realizado com a finalidade de se fazer uma dragagem do rio Capibaribe, com dados de furos feitos no leito do rio. O primeiro realizado próximo à Ponte da Torre e o segundo em um trecho mais a oeste da área de estudo, a figura 6.15 mostra a localização dos furos. E também existem algumas sondagens realizadas no leito do rio para a construção de uma ponte, próxima a Ilha do Retiro. Mais uma vez, se verifica a complexidade da geologia local, com a grande variação do tipo de material e de espessuras.

Figura

6.13

- Seção litológica do

leito do rio Capibaribe, com os furos SP01

– SP07 (adaptado de ENSOLO, 1984).

Figura

6.14

- Seção litológica do

leito do rio Capibaribe, com os furos SP08

– SP17 (adaptado de ENSOLO, 1984).

6.5 Isótopos

Para ajudar no entendimento da fonte de água salina em alguns poços foram feitas algumas análises de isótopos. Foram coletadas amostras do mar, do rio Capibaribe na planície de Recife e a montante da área de estudo, de um poço profundo com água de boa qualidade, a qual representa água subterrânea original no aqüífero Beberibe e de outros quatro poços (2 rasos e 2 profundos) com diferentes estágios de salinização. Na tabela 6.3 são apresentadas as informações dos pontos de coleta com os horários de coleta, e nas figuras 6.16 até 6.24 são ilustradas algumas fotos dos pontos de coleta e dos equipamentos utilizados. A concentração de sais, dessas mesmas amostras, foi medida através de um condutivímetro no Laboratório de Hidráulica da UFPE.

Tabela 6.3 - Informações dos pontos de coleta para análise de isótopos.

Ponto de coleta Coordenadas Horário da

Coleta Observações

Mar N 9129739m

E 0300495m

31/08/2003 13:00

Coletada em mar aberto, em um barco a vela. Amo stra de água superficial.

Rio na Planície de Recife N 9108400m E 0290550m 07/08/2003 13:30

Sobre a Ponte Pref. Lima e Castro, com a utilização da garrafa Van Dorn.

Profundidade de 2,50m. Rio à Montante da Área de Estudo N 9109700m E 0283500m 16/12/2003 14:00

Coletada a 2m da margem do rio, amostra superficial. Poço Profundo do Colégio da Polícia Militar N 9108554m E 0290650m 11/12/2003 14:30

Água de boa qualidade, coloca-se apenas cloro.Coletada na boca do poço.

Poço Profundo do Empresarial Miguel de Cervantes N 9108029m E 0291289m 12/12/2003 10:00

Água muito salinizada. Poço abandonado. Coletada na boca do poço, após 6h de bombeamento. Poço Profundo do Hospital Português N 9108000m E 0290800m 07/08/2003 16:00

Faz-se tratamento com cloro. Coletada numa torneira logo após a boca do poço. Poço Raso do Hospital

Português

N 9108200m E 0290700m

15/09/2003 16:00

Água salinizada, utilizada apenas para o jardim. Coletada diretamente do poço por bombeamento manual.

Poço Raso da Padaria Poly Bom

N 9108747m E 0290904m

11/12/2003 16:00

Água salinizada, pouco utilizada. Coletada na boca do poço.

Figura 6.16 - Ponto de coleta no Colégio da Polícia Militar.

Figura 6.17 - Ponto de coleta no Empresarial Miguel de Cervantes.

Figura 6.19 - Ponto de coleta na Padaria Poly Bom.

Figura 6.20 - Ponto de coleta no Hospital Português, poço profundo.

Figura 6.22 - Ponto de coleta no Hospital Português, poço raso.

Figura 6.23 - Equipamento utilizado para a coleta de água no Rio Capibaribe (garrafa Van Dorn), e frascos para armazenamento da amostra.

A tabela 6.4 mostra os resultados de análises de isótopos, com a condutividade elétrica medida. A salinidade (S) foi calculada pela estimativa de 2/3 da condutividade elétrica (CE) utilizando a relação S = 2/3 * CE, segundo ANA (2002). A tabela 6.5 mostra percentagens estimadas da mistura de água do mar e água do rio que teria infiltrado para o interior do aqüífero. Esta percentagem estimada foi calculada utilizando o comando SOLVER, do EXCEL, para otimizar a menor diferença entre os valores calculados e os obtidos pelas amostras:

simultaneamente para a razão de isótopos O18/O16 e para a concentração de sais.

Outra opção com valores do Resíduo Seco é usar a relação RS = 0,6581 * CE + 96,413, conforme visto no capítulo 2.

Tabela 6.4 - Análise de isótopos de 18O no mar, no rio e em alguns poços da área de

estudo.

Ponto de Coleta δδ18O 18O / 16O Condutividade Elétrica (μS/cm)μ Resíduo Seco (mg/L) Salinidade (mg/L) Mar 1,18 ± 0,06 0,002007566 55.500,00 36.620,96 37.000,00 Rio na Planície de Recife 0,21 ± 0,11 0,002005521 34.600,00 22.866,67 23.066,67 Rio à Montante da Área de Estudo 0,16 ± 0,10 0,002005621 551,00 459,03 367,33 Poço Profundo do Colégio da Polícia Militar -0,91 ± 0,01 0,002003375 247,00 258,96 164,67 Poço Profundo do Empresarial Miguel de Cervantes -0,46 ± 0,03 0,002004278 24.600,00 16.285,67 16.400,00 Poço Profundo do Hospital Português -1,04 ± 0,06 0,002003115 1.000,00 754,51 666,67 Poço Raso do Hospital

Português -0,97 ± 0,14 0,002003255 6.200,00 4176,63 4.133,33 Poço Raso da Padaria

Tabela 6.5 - Estimativa da origem da água baseada nas razões de isótopos 18O/16O e a salinidade.

Estimativa da origem da água

% mar % rio (planície) % água subterrânea velha 18 O / 16O Salinidade (mg/L) Poço Profundo do Empresarial Miguel de Cervantes 7,90 58,18 33,92 0,002004955 16.399,97 Poço Profundo do Hospital Português 0,00 2,19 97,81 0,002003422 666,69 Poço Raso do Hospital Português 0,00 17,33 82,67 0,002003747 4.133,34 Poço Raso da

Padaria Poly Bom 0,49 0,00 99,51 0,002003396 344,68

Os δ18O foi determinado no Laboratório de Isótopos Ambientais, Centro de

Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da Universidade de São Paulo (USP). O isótopo de oxigênio estável foi analisado utilizando a versão modificada do método de Epstein e Mayeda (1953) proposto por Matsui (1980), e os valores são relativos à Água do Oceano no Padrão Médio de Vienna (VSMOW - Vienna Standard Mean

Ocean Water). Os dados do δ18

O do mar se mostraram equivalente as informações próximas a costa litorânea de Recife num levantamento bibliográfico feito por Schmidt et al. da NASA (1999), no qual consta o valor de 1,08 e de 36,62ppm para a salinidade. No anexo 9.5 pode ser visto um mapa com valores de isótopos de oxigênio-18 de amostras do oceano para o mundo todo.

Para uma melhor clareza dos caminhos que a água percorre até alcançar os aqüíferos e os poços, seria necessário um maior número de análises de isótopos, porém ficamos limitados pelo custo dessas análises. No entanto, essas amostras fornecem algumas idéias do que pode estar acontecendo:

1) A contribuição do rio para o poço raso no Hospital Português é bem maior do que para o poço profundo na mesma área, o que é lógico, pois o aqüífero superior é o que está em contato direto com o rio;

2) A contribuição do rio para o poço raso da Padaria Poly Bom é desprezível, uma razão para isso pode ser devido o poço estar a aproximadamente 500m do rio, o que não acontece com o outro poço raso.

3) O poço profundo do Empresarial Miguel de Cervantes está com água altamente salina, e o poço está aproximadamente a 300m do rio. O resultado de isótopos nesta área indica significativamente a contribuição da água salina para esse poço podendo ser do rio ou do aqüífero superior pelo espaço anelar.

4) Como era de se esperar, o poço profundo do Hospital Português tem quase que 100% de contribuição de água subterrânea original do aqüífero, já que é um poço com água de boa qualidade.

A figura 6.25 mostra o gráfico dos valores de isótopos δ18O versus a

salinidade. A linha reta indica a mistura de água doce / água do mar, como

apresentado por Araguás (2003). A equação dessa linha é δ18O = 0,07 * S - 1,4, com

um coeficiente de correlação de 0,98. Os poços rasos do Hospital Português e do Empresarial Miguel de Cervantes estão plotados próximos a linha reta, indicando que suas águas foram misturadas pelo processo de avanço da água do mar. O poço profundo do Hospital Português está longe da reta, mas está mais próximo do que o poço considerado como origem da água subterrânea, o que já poderia ser um indício de salinização. Este poço é um poço perfurado há pouco tempo. Alguns poços profundos desse hospital foram perfurados e apresentaram água de ótima qualidade, e com o decorrer do bombeamento passaram a apresentar a salinização até serem abandonados.

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