CAPÍTULO 3 - MIGRAÇÕES VENEZUELANAS: A PESQUISA E OS CAMINHOS
3.5 Percursos metodológicos traçados
3.5.1 Descrição das etapas metodológicas
Desse modo, a base da pesquisa qualitativa possui inerentemente multiplicidade de
métodos (FLICK, 2009). Para Taylor e Bodgan (1998, p. 141), a pesquisa qualitativa segue
fases, conforme é explicitado na figura 1
Figura 10 -Fases da pesquisa qualitativa
Fonte: elaborado pela autora com base em Taylor e Bodgan (1998, p. 141).
Nesse sentido, quanto à identificação do problema, tendo em vista a grande demanda de
migrações venezuelanas para o Brasil, a delimitação do tema iniciou-se com o entendimento da
nova realidade linguístico-cultural dos refugiados, em que a língua é uma das principais
dificuldades enfrentadas por eles. Isso me fez refletir sobre como o ensino de PBLAc para
refugiados pode promover experiências que acolham essas pessoas. Então, com base nesse
1 • Identificação do problema
2 • Estudos teóricos
3 • Geração de dados
4 • Análise de dados
contexto de ensino, busco desenvolver estratégias de elaboração de MD de PBLAc para
refugiados/migrantes falantes de espanhol, que levem em consideração as especificidades desse
contexto.
Em relação à segunda etapa, os estudos teóricos estão balizados pela Análise de
Discurso Crítica (FAIRCLOUGH, 2001, 2003, 2006), entre outros; Teoria da Semiótica
Social/Multimodalidade (KREES & van LEEUWEN, 2001, 2006); e Teoria Social do
Letramento (TSL) (STREET, 1984, 2001), (BARTON, 1994), (BARTON E HAMILTON,
1998). Esse desenho triangular permite-me elaborar análise em três níveis: textual, discursivo
e social. A ADC, a Multimodalidade e a TSL possibilitam-me fazer uma análise das
modalidades verbal e visual, em que as estruturas linguísticas e imagéticas podem revelar
caminhos possíveis para a elaboração de MD de PBLAc para refugiados/migrantes, visando aos
letramentos. É importante ressaltar que a ADC denota um enfoque teórico metodológico que,
conforme van Dijk (1992, p. 44), é definida “por seu objeto de análise, especificamente os
discursos, os textos, as mensagens, a fala, o diálogo ou a conversação”.
Quanto à terceira etapa, relativa à geração de dados, inicialmente fiz um levantamento
de LD e Websites, publicados nos últimos dez anos, com ênfase no ensino-aprendizagem de
PBLA (apresentado na Parte I do Capítulo 4). Após o levantamento do MD de PBLA, faço uma
análise multimodal de dois MD de PBLAc, respectivamente, no MD Pode Entrar: Português do
Brasil para Refugiadas e Refugiados (OLIVEIRA et al., 2015) e no curso on-line de português
oferecido pela Universidade Centro de Ensino Superior de Maringá (Unicesumar). As análises
são realizadas com base nas categorias analíticas da Gramática Visual propostas por Kress e
van Leeuwen (2006); das categorias analíticas da Análise de Clusters propostas por Baldry e
Thibault (2006); categorias analíticas da Ressemiotização propostas por Iedema (2003). Na
Parte II, utilizo outro método. Trata-se da entrevista semiestruturada, realizada com quatro
professores voluntários que atuam em cursos de PBLAc para refugiados.
Para análise do texto multimodal 1, apresento uma produção textual retirada do material
didático elaborado para refugiados denominado Pode Entrar: Português do Brasil para
Refugiadas e Refugiados (OLIVEIRA et. al., 2015). Foi elaborado pelo ACNUR em parceria
com o Caritas Arquidiocesana de São Paulo (CASP), especialmente para atender às
necessidades específicas do público em questão. Vejamos:
Figura 11 - Capa do MD Pode Entrar: Português do Brasil para Refugiadas e Refugiados
Fonte: Oliveira et. al. (2015).
O MD possui doze capítulos com as seguintes temáticas: Cheguei ao Brasil; Raça e
etnia; Sociedade e educação; Direitos das Crianças; Igualdade de Gênero; Eu quero trabalhar;
Respeitar os diferentes; Saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS); Transportes públicos;
Liberdade de crença; História do Brasil; Todos(as) por um(a). Ele ainda dispõe de glossário em
português, espanhol, francês, inglês e árabe, além de fornecer uma complementação
pedagógica. Nesse sentido, na apresentação do MD, os autores afirmam que:
Cada capítulo foi construído com o auxílio de pessoas com diversas formações
acadêmicas. O material foi pensado de acordo com as principais demandas
que surgiram no diálogo com refugiadas e refugiados e que também foram
trazidas pelas instituições que trabalham com ensino de português. Em cada
unidade você encontrará uma proposta de atividade final que faz uma ligação
com sua própria história, de seu país de origem e seu povo. Suas experiências
somam muito ao nosso aprendizado. (OLIVEIRA et. al., 2015, p. 4)
A escolha por esse MD deve-se ao fato de ter uma orientação específica para refugiados,
com base nas demandas do ensino-aprendizagem desse público em questão. Além de conter
unidades temáticas centradas no refúgio, o MD também propõe reflexões sobre identidade,
visando a reconstrução social das pessoas em condição de refúgio. Nessa perspectiva, De Sá e
Costa (2018, p. 100) afirmam que:
O material de PLAc diferencia-se dos manuais didáticos de PLE por conter
unidades temáticas centradas no refúgio e na reconstrução social. Em Oliveira
et al. (2015), por exemplo, nacionalidades, adjetivos pessoais e diferenças
culturais são atravessados pelo tema “Raça e Etnia” e em “Saúde e o SUS”,
itens lexicais sobre partes do corpo, advérbios de tempo e informações sobre
os direitos à saúde no Brasil são explanadas junto à prática da leitura. (DE SÁ;
COSTA, 2018, p. 100)
O MD traz a proposta de integração e acolhimento a partir do conhecimento da língua.
Oliveira et. al. (2015, p. 4) enfatizam que ele foi produzido para auxiliar refugiados a “darem
os primeiros passos linguísticos para sua integração ao nosso país. Acreditamos que todas as
pessoas podem aprender nosso idioma e colaborar para que o Brasil se torne um país cada vez
mais plural, fraterno e receptivo às diversas culturas”.
Em relação às temáticas, o MD aborda temas relevantes para os refugiados, conforme
as especificidades do ensino, como ressaltado anteriormente, e, também, temas que levam a
reflexões críticas, como, por exemplo, igualdade de gênero, respeito às difrenças, liberdade
religiosa, entre outros. Na complementação pedagógica, os autores chamam a atenção dos
professores para o trabalho com essas temáticas:
Sabemos também que muitos temas tratados pelo nosso livro são polêmicos e
enfrentarão alguns percalços para serem discutidos. Mas é essencial que todo
diálogo ocorra em um ambiente educativo e aberto, para que nossos(as)
estudantes possam encarar a realidade da terra que eles escolheram para viver.
(OLIVEIRA et. al., 2015, p.134).
Desse modo, com a riqueza das temáticas e o trabalho com as demandas socioculturais
específicas dos refugiados, o MD Pode Entrar: Português do Brasil para Refugiadas e
Refugiados, elaboradopor Oliveira et. al. (2015), tornou-se basilar para os cursos de PBLAc.
Na maior parte dos casos, os cursos adotam sua própria metodologia e elaboram seu próprio
material didático, em que muitas vezes utilizam esse MD como inspiração. De Sá e Costa
(2018, p. 100) corroboram que ele pode ser considerado como “livro-exemplo” para elaboração
de MD de PBLAc:
Essa obra, que encaramos como livro-exemplo para elaboração de outros
materiais, é organizada através de uma cuidadosa, criteriosa e bem planejada
combinação entre habilidades linguísticas e comunicativas, conhecimentos
sobre direitos e deveres sociais para o refugiado no Brasil e informações
culturais. Depreendemos que os materiais para ensino de PLAc devem seguir
um caminho didático similar, para que alcancem os objetivos de integração
social pela língua(gem).
A sala de aula virtual é um evento de letramento em que a participação nas atividades,
a ajuda mútua na compreensão dos conceitos que se destaca na construção do diálogo nos fóruns
de discussão criam significados na interação com os outros. O curso é uma proposta do Centro
Universitário de Maringá (UNICESUMAR) em parceria com a OIM. Segundo o site, “a
capacitação teve uma oferta inicial em 2020 de 3.000 vagas – que foram todas preenchidas - e
devido ao sucesso da proposta, em 2021 a oferta passou a ser ilimitada”26 (OIM BRASIL,
2021). Eles afirmam que o principal objetivo do curso é “oferecer para migrantes e refugiados
que já possuem um conhecimento básico da língua portuguesa a oportunidade de se aprimorar
no idioma, apoiando assim, sua integração socioeconômica no Brasil” (OIM BRASIL, 2021).
O curso é dividido em três módulos de 80 horas cada, de nível intermediário e avançado,
em que os alunos têm acesso a vídeoaulas, textos e materiais de apoio em PDF para auxiliá-los
no aprendizado da língua-alvo. Ele possui avaliação e prazo para finalização e, ao final da
formação, é emitido um certificado de conclusão de curso. Vale ressaltar que a iniciativa
baseia-se no projeto “Oportunidades – Integração no Brasil”, implementado pela OIM e realizado com
o apoio financeiro da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional
(USAID).
3.6.1.1.1 Categorias analíticas
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