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3 Índice de Tabelas

5.1 Organização e Gestão Farmacêutica

5.1.15 Descrição de situações práticas no exercício do estágio

Nesta seção irei referir alguns casos clínicos que tive a oportunidade de acompanhar no decorrer do estágio e que foram essencias para a minha formação. O primeiro e segundo casos descrevem intervenções do farmacêutico, apesar de pouco frequentes, aquando do atendimento. A meu ver, estes episódios são muito gratificantes, uma vez que demonstram, especificamente, a capacidade de os farmacêuticos adaptarem os conhecimentos aprendidos durante o curso do MICF ao contexto profissional. Já o último caso, apesar de muito comum, é apresentado por se tratar de uma situação que exigiu um aconselhamento muito personalizado.

Caso 1 - Uma senhora jovem, demonstrando alguma inquietude, solicitou um teste de gravidez. Apresentou duas receitas, uma prescrita por um médico de medicina geral e familiar, que incluía medicamentos cujas substâncias ativas eram varfarina, atorvastatina e levotiroxina sódica, e outra, prescrita por um médico dentista, que incluía medicamentos cujos princípios ativos eram eritromicina e paracetamol. Questionada sobre a toma do anticoagulante (varfarina), informou que já o tomava há seis meses, como terapêutica para um diagnóstico positivo de trombose venosa profunda, enquanto que a atorvastatina e a levotiroxina sódica já os tomava há mais ou menos dois anos. Neste atendimento, logo após uma breve análise das receitas apresentadas e da informação retirada do diálogo com o utente, pude observar duas interações perigosas e significativas para a saúde da utente.

A eritromicina é um antibiótico do grupo dos macrólidos de amplo espectro utilizada no tratamento de infeções bacterianas e fúngicas comuns e é uma substância inibidora do CYP1A2 e CYP3A4, isoformas do citocromo P450 [39]. Quando a eritromicina é prescrita para um doente que utiliza a varfarina há já algum tempo, como no caso desta utente, existe o risco do aumento excessivo da concentração sanguínea de varfarina e, consequentemente, do efeito anticoagulante, o que aumenta o risco de ocorrência de hemorragias e potencia a gravidade destas [40]. Isto ocorre porque a varfarina em quantidades relativamente pequenas é um substrato do CYP3A4, isto é, sofre metabolização e origina os seus metabolitos inativos pela atividade desta enzima potenciando a eliminação da substância do organismo, e a eritromicina é um potente inibidor dessa isoforma do citocromo P450 [40]. Para além deste mecanismo, também se conhece a ação da eritromicina e dos antibióticos em geral no microbiota intestinal, podendo levar ao seu desequilíbrio. Por sua vez, a síntese de vitamina K, fundamental no processo de coagulação sanguínea para a síntese hepática de proteínas envolvidas

na coagulação, fica comprometida, podendo potenciar as hemorragias. Sendo assim, a eritromicina na presença da varfarina pode desencadear problemas de saúde ao utente pelos dois mecanismos acima descritos [41].

A atorvastatina é metabolizada pela CYP3A4, que pela mesma razão da varfarina, vai ser inibida pela eritromicina e assim, a toma combinada desta estatina com o anticoagulante constituí uma interação grave, levando ao aumento dos níveis de atorvastatina no sangue o que pode também potenciar os efeitos secundários mais frequentes desta, tais como: dor nas articulações, nos músculos e nas costas, náuseas, obstipação, flatulência, má digestão e diarreia e, menos frequentemente, a hepatotoxicidade. [42, 43].

Face ao exposto, assegurei-me da adequação do meu aconselhamento com outro profissional da FM e expliquei à utente a situação, indicando-lhe que seria aconselhável contactar o seu médico dentista com vista a procurar uma alternativa farmacológica à eritromicina, na defesa da saúde da doente.

Relativamente à possível gravidez da utente, diz respeito à possível gravidez, esclareci-a sobre a técnica de determinação e interpretação do teste, referindo-lhe que, caso o teste desse positivo e pretendesse continuar com a gravidez, deveria dirigir-se ao seu médico para rever toda a medicação que faz, dado que a varfarina é um fármaco que atravessa a barreira placentária e é teratogénica, isto é, a sua utilização acrescenta riscos para o bom desenvolvimento do feto [44].

Caso 2 - Uma utente deslocou-se à farmácia com duas receitas; numa era prescrito esomeprazol e, na outra, omeprazol. O esomeprazol e o omeprazol pertencem ao grupo de medicamentos chamados “inibidores da bomba de protões”, mais conhecidos por “protetores gástricos”. Quando a utente foi questionada sobre o assunto, referiu que, na altura, fazia os dois medicamentos dado que não se lembrava do indicado pelo médico. Quer o esomeprazol quer o omeprazol (pró-fármaco) são medicamentos que reduzem a quantidade de ácido produzido pelo estômago. Contudo, tratando-se de substâncias diferentes, têm propriedades diferentes, uma vez que o esomeprazol possui uma maior atividade e biodisponibilidade do que o omeprazol, que é uma mistura racémica [45]. Desta forma, apesar de atuarem nos mesmos alvos e integrarem o mesmo grupo farmacoterapêutico, a escolha para utilização na terapêutica da utente é da responsabilidade do médico e depende das características da doente. Numa breve conversa com a senhora, reforcei o facto dos dois medicamentos, apesar de terem nomes parecidos, corresponderem a substâncias diferentes e que existem para se poder adequar o tratamento a cada pessoa. Para isso, deveria contactar o médico e esclarecer a situação, bem como identificar possíveis sintomas provenientes da toma conjunta dos dois medicamentos.

Caso 3 - Uma cliente habitual da farmácia pretendia adquirir medicamentos para a diarreia, pois receava o aparecimento desse transtorno, numa viagem a realizar brevemente. Referiu que já tinha tomado algumas precauções: ida à consulta do viajante, vacinação e aquisição de repelente. A utente referiu pretender adquirir todos os produtos disponíveis para o efeito referido. Inicialmente, analisei a informação que a utente me dera, confirmei o risco elevado de diarreia aguda e a necessidade de o prevenir. Sendo assim, recomendei soluções de rehidratação em carteiras, um probiótico e o Imodium rapid® (loperamida como substância ativa). Para além disso, referi as MNF recomendadas para o viajante: beber água engarrafada ou esterilizada com comprimidos de purificação, evitar gelo e gelados, evitar consumir saladas, vegetais não cozinhados, frutos com casca, leite não pasteurizado. Referi ainda a importância de lavar as mãos antes da preparação e do consumo dos alimentos, e depois de usar a casa de banho. Por fim, expliquei brevemente que a diarreia pode ser infeciosa ou não infeciosa e que se a ela estiverem associados febre, fezes com sangue ou muco, não deveria tomar o Imodium rapid®, sem a consulta prévia de um médico.

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