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DESCRIÇÃO DO FENÔMENO – ANATOMIA DA CORRENTE NÃO

Na água, as correntes de densidade não conservativas ou correntes de turbidez podem ser divididas em três partes distintas: a cabeça, o corpo e, algumas vezes, a cauda. Na figura 3.8 pode-se visualizar melhor estas partes.

Figura 3.8: Esquema da corrente de densidade não conservativa (Fonte: Altinakar et al., 1996).

A cabeça da corrente de densidade não conservativa possui um papel importante na dinâmica do escoamento, pois é uma zona instável e de intensa mistura condicionando a definição do comportamento geral da corrente (Simpson, 1997). Middleton (1966a) investigou o movimento do fluido e de partículas dentro e na frente da cabeça mostrando que as linhas de fluxo divergem dentro da cabeça, deslocando o fluido ambiente. Middleton (1993) destaca que o balanço de massa e de quantidade de movimento da cabeça difere significativamente daquele do corpo e da cauda.

Não existe um perfil universal para descrever a forma da cabeça de uma corrente de gravidade (Simpson, 1997). Porém, essa zona quase sempre é maior que a do corpo e da cauda, devido à resistência imposta pelo fluido ambiente ao avanço da corrente. Isso ocorre, pois, à medida que a cabeça vai avançando, ela desloca e acelera o fluido no seu entorno (ambiente). Esse fluido, por sua vez, sofre uma resistência à corrente que é maior do que a resistência junto ao fundo e junto à interface. Logo, a cabeça da corrente, deve ser maior para compensar esta força, enquanto que a parte atrás da cabeça, possui somente a resistência de fundo e interface agindo contra o escoamento (Middleton, 1993).

Middleton (1966a), investigando a influência da declividade na cabeça, na velocidade e na forma da corrente, encontrou que, para ângulos menores que (<2.3o), a velocidade da cabeça independe da declividade. Outros experimentos sugerem que a velocidade da cabeça adimensionalisada é somente dependente da declividade (5-90o) devido ao incremento da força gravitacional contra o incremento da resistência na interface da camada superior, aumentando as taxas de carreamento de água ambiente (Britter e Linden, 1980).

O ponto mais avançado da corrente é chamado algumas vezes, de nariz da corrente. Sua posição é um pouco acima da superfície inferior, resultado da condição de não deslizamento do fundo e da resistência na interface superior.

Na cabeça, dois tipos de instabilidades são responsáveis pela mistura do fluido ambiente com o fluido da corrente. O primeiro é uma série de vórtices presentes atrás da cabeça os quais são formados pelo cisalhamento viscoso na interface superior da corrente com o fluido ambiente, criando uma zona para a mistura turbulenta, de grande escala, atrás da cabeça (Middleton, 1993). Britter e Simpon (1978) utilizando um sistema de visualização de fluxo, onde figuras em câmera lenta eram extraídas e utilizadas para traçar a forma dos vórtices na camada superior, mostram que a razão de amplitudes com o comprimento de onda é a mesma que os de vórtices de Kelvin-Helmoltz. Estes vórtices podem crescer em comprimento de onda e amplitude no tamanho da cabeça, colapsando o fluido mais denso e carreando água para a região de mistura, em aproximadamente, a espessura da amplitude do vórtice. Fabian (2002) utilizando, também um sistema de aquisição e tratamento do imagens, verificou a influência do despreendimento de vórtices atrás da cabeça na dinâmica da corrente na tentativa de explicar a sua variação de velocidades.

O segundo tipo de instabilidades é um complexo padrão de lobos e rachas que são causados pela instabilidades gravitacionais de segunda ordem do fluido menos denso na interface inferior da corrente (Simpson, 1997). Essas estruturas são formadas através de instabilidades convectivas produzidas pelo fluido menos denso (ambiente), quando a corrente passa por cima de uma pequena camada desse fluido. Esse líquido é carreado para cima e misturado pelos movimentos que ocorrem dentro da cabeça formando essas instabilidades. Simpson (1972) visualizando as estruturas de lobos e rachas, demonstra que elas se prolongam por uma distância significativa atrás da cabeça.

Simpson e Britter (1979) utilizando traçadores para visualizar o fluido ambiente sendo carreado para dentro da cabeça através da superfície inferior, notaram que um fluxo pouco espesso move-se sobre a cabeça, sendo responsável por apenas 1% da mistura, com o restante sendo causado na interface superior da corrente.

O corpo da corrente é caracterizado por possuir uma velocidade maior do que a velocidade da cabeça da corrente de densidade, podendo chegar a 30% ou 40% (Kneller e Buckee, 2000). Isto ocorre devido à formação de vórtices atrás da cabeça da corrente, que provocam uma diluição maior nesta região. Então, para manter a taxa constante de avanço, a corrente tem que compensar esta região diluída, o que é feito através do aumento de velocidade do corpo. Elisson e Turner (1959) descrevem o corpo como uma região de velocidade estável que possui uma camada fina e densa de fluido próximo à base da corrente.

Simpon e Britter (1979) dividiram o corpo em duas regiões distintas: uma junto ao fundo, onde a densidade é maior e outra acima desta, onde ocorre o processo de mistura com o fluido ambiente. Esse processo de mistura, além de acontecer atrás da cabeça da corrente, se

desenvolve por todo o seu corpo à medida que a corrente avança através do carreamento de fluido ambiente.

Quanto à erosão e deposição, Middleton (1993) sugere que a cabeça da corrente é o principal local de erosão de material e o corpo da corrente é o principal local de deposição. Isto se deve ao fato de que na cabeça temos uma condição de instabilidade do fluxo, enquanto no corpo esta condição é de quase estabilidade. Cabe salientar, que isto não é uma regra geral.

Devido à velocidade do corpo ser superior à da cabeça, esta última recebe um impulso do corpo. Para dissipar esta energia, a cabeça tende a aumentar sua geometria ou utiliza esse excesso de energia para carrear material para o seu interior. Assim, esta zona se caracteriza por ser predominantemente de erosão. Já no corpo principal do fluxo o sedimento é carregado em suspensão mantendo a espessura de fluxo quase uniforme. A cauda do fluxo afina-se repetidamente e torna-se mais diluída, depositando os sedimentos finos assim que o fluxo vai desaparecendo.

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