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2. Revisão bibliográfica

2.9. Modelação no processo de lamas ativadas

2.9.1. Descrição geral da modelação no processo de lamas ativadas

O tratamento de águas residuais envolve a interação de reações complexas entre os diferentes componentes presentes, que é simplificada através de modelação matemática. Um modelo de lamas ativadas consiste basicamente num conjunto de parâmetros estequiométricos e cinéticos que estão relacionados através de equações diferenciais representativas dos processos que ocorrem no sistema. Tendo em conta a complexidade do último, os modelos têm de ser rigorosamente desenvolvidos com base na descrição dinâmica de todos os processos relevantes das linhas de tratamento de águas residuais e de lamas. A modelação dinâmica do tratamento de águas residuais baseia-se no estado estacionário do sistema (comportamento inalterado ao longo do tempo) e no balanço de massa observado para cada componente envolvido. A utilização adequada de modelos dinâmicos torna-se uma ferramenta valiosa com vista a melhorar a estabilidade do processo, a qualidade do efluente e os custos de operação (Grau et al, 2007).

Ao longo dos anos, foram desenvolvidos vários modelos matemáticos com o objetivo de entender, descrever e prever o comportamento dinâmico do processo de lamas ativadas. Em 1983, a IAWPRC (International Association on Water Pollution Research and Control), atualmente denominada IWA (International Water Association), reuniu um grupo de académicos a fim de combinar, a nível internacional, os modelos mais relevantes num modelo comum, unificado e concetual, mas com uma grande capacidade para prever realisticamente o desempenho do tratamento de águas residuais por lamas ativadas. Este modelo clarifica os processos presentes no sistema e cria uma plataforma sólida para o desenvolvimento de modelos futuros (Henze et al, 1986; Van Loosdrecht et al, 2015).

Os modelos ASM (Activated Sludge Models) são fruto de trabalho do grupo estabelecido pela IWA, e permitem simular a remoção biológica de matéria orgânica, azoto e fósforo num processo de lamas ativadas. O primeiro modelo desenvolvido, que é conhecido por ASM1 (Henze et al., 1986), permite simular a oxidação de carbono orgânico, a nitrificação e a desnitrificação, e serviu como referência para o desenvolvimento de mais três modelos deste tipo. Face a este modelo, o ASM2 (Henze et al, 1995) inclui microrganismos capazes de remover fósforo, que são conhecidos por PAO (Phosphate Accumulating Organisms) e que se desenvolvem apenas sob condições anaeróbias. Cerca de quatro anos depois, e suportado pelos conhecimentos adquiridos respeitantes à influência da desnitrificação em relação à remoção biológica de fósforo, o modelo ASM2 foi alargado com a inclusão de PAO capazes de desnitrificar ao utilizar produtos armazenados no interior das células. Esta versão do modelo foi designada ASM2d (Henze et al. 1999). O modelo ASM3 (Gujer et al, 1999) serve para resolver algumas limitações práticas do

modelo ASM1, pois permite uma melhor calibração do processo de decaimento da biomassa ao incluir o armazenamento interno de substratos orgânicos. No entanto, a utilização do modelo ASM1 continua a ser adequada pois é uma referência para diversos projetos práticos e científicos que, com uma calibração adequada, é capaz de alcançar valores muitos próximos à realidade (Ferreira, 2011; Gernaey et al., 2004; Silva Lopes, 2017; Van Loosdrecht et al., 2015).

Os modelos ASM têm sido aplicados em estações de tratamento com grande sucesso e representam bem a relação entre a complexidade dos processos envolventes e a previsão do comportamento do processo de lamas ativadas sob condições dinâmicas (Vanrolleghem et al., 2003). Atualmente, existem vários programas de software destinados a modelar um sistema de tratamento de águas residuais utilizando os modelos ASM, nomeadamente o ASIM.

Um modelo é baseado nas reações representativas do sistema de lamas ativadas que atuam em um ou mais componentes, sendo englobadas pelo termo “processo”. Por conseguinte, os modelos ASM devem quantificar a cinética (velocidade de reação) e a estequiometria (relação entre os componentes numa reação) de cada processo. Devido à complexidade das reações envolvidas no sistema, o modelo é apresentado em formato de matriz, também conhecido por matriz de Peterson (1965), que facilita o acompanhamento de todas as interações entre os componentes envolvidos (Henze et al., 1986). Um exemplo conhecido desta matriz é a remoção de matéria orgânica em condições aeróbias, que envolve os processos de crescimento e decaimento da biomassa heterotrófica (Tabela 2.4).

Tabela 2.4 – Matriz de Peterson para a remoção de matéria orgânica em condições aeróbias (adaptada de Henze et al., 2000). Componente, i 1 XBH 2 SS 3 SO Taxa do processo, ρj (ML-3T-1) Processo, j 1 - Crescimento heterotrófico 1 - 1 Y - 1 - Y Y μ̂ SS KS+SSXBH 2 - Decaimento de biomassa -1 -1 kdXBH Taxa de conversão observada [M(CQO)L-3] 𝑟𝑖= ∑ vijρj j Parâmetros cinéticos: - Taxa específica máxima de crescimento: µ̂ - Constante de meia saturação: KS - Taxa específica de decaimento: bH Parâmetros estequiométricos: Coeficiente de rendimento celular: Y Biomassa [M(CQO)L-3] Substrato [M(CQO)L-3] Oxigénio (CQO negativo) [M(CQO)L-3]

Como referido anteriormente, os compostos carbonatados e azotados da água residual são divididos em frações com base na sua biodegradabilidade (ver Figuras 2.2 e 2.3). Em modelação, estes compostos são divididos principalmente em material particulado e solúvel, que são representados pelos símbolos X e S, respetivamente. Por sua vez, estes materiais são subdivididos em frações ou componentes mais específicos, sendo designados individualmente por um índice de uma ou duas letras, logo à direita dos símbolos X e S. Na matriz da Tabela 2.4, é atribuído o símbolo “i” a estes componentes, que se localizam na parte superior da área central. Assim, neste caso, os componentes em questão, nomeadamente a biomassa heterotrófica, substrato e oxigénio dissolvido, são representados por XBH, SS e SO, respetivamente. Na mesma

matriz, a coluna mais à esquerda refere-se aos processos envolvidos (representados por j), enquanto que na coluna mais à direita, se encontram as suas taxas (representadas por ρj). Os elementos incluídos na área central da matriz dizem respeito aos coeficientes ou parâmetros estequiométricos (representados por vij), que estabelecem as relações mássicas entre os componentes envolvidos (i) nos processos individuais (j). Estas relações mássicas têm como unidade de medida a CQO (em modelação, a sua utilização é preferível em relação à CBO), que torna a estequiometria mais simplificada. Consoante o consumo ou a produção dos componentes em cada processo, os coeficientes estequiométricos podem ser negativos ou positivos, respetivamente. Por exemplo, o crescimento de XBH (+1) ocorre devido ao consumo de SS (-1/Y)

e de SO [-(1-Y)/Y] (Henze et al., 1986; Orhon & Artan, 1994).

Cada componente está sujeito a diferentes processos, como se pode observar ao longo da sua coluna, cada um com uma determinada taxa de reação (ri). Esta é calculada através do

somatório do produto dos parâmetros estequiométricos (vij) envolvidos num processo pela taxa

deste (ρj), como se pode visualizar na equação (2.16)

ri = ∑ vj ijρj (2.16)

Estas taxas de reação refletem toda a informação sobre as reações cinéticas numa forma que pode ser diretamente incorporada nas equações de balanços de massa dos componentes. Por exemplo, para este caso, e desprezando o transporte hidráulico do componente, o balanço de massa de XBH no sistema é representado pela equação (2.17) (Henze et al., 1986; Orhon &

Artan, 1994).

r

XB

= µ̂

SS

KS.SS

XBH

kdXH (2.17)

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