• Nenhum resultado encontrado

Descrição metodológica da pesquisa

No documento ANA CLAUDIA MAROCHI (páginas 68-72)

2. O CENÁRIO DA PESQUISA: DESENHO METODOLÓGICO E PERFIL DAS

2.1 Descrição metodológica da pesquisa

O presente trabalho que tem como método a teoria social de Marx e a compreensão de que para se conhecer o objeto estudado é importante conhecer a fundo a realidade socioeconômica na qual está inserido e que quanto mais o pesquisador for fiel ao seu objeto de estudo mais correta será a apreensão desta realidade.

Trazer para as discussões as mediações e inter-relações que se estabelecem entre o objeto estudado e o cotidiano é compreender que a totalidade se constitui por meio de relações reais correlatas, afetando o cotidiano dos sujeitos e sendo afetada por eles numa relação dialética, “[...] o objeto da pesquisa [...] tem existência objetiva, não depende do sujeito, do pesquisador,

para existir [...] o método de pesquisa que propicia o conhecimento teórico, partindo da aparência, visa alcançar a essência do objeto” (NETTO, 2011, p. 21- 22, grifo do autor)

A escolha do objeto de estudo e do campo de pesquisa não foi aleatória e se deu pela relação da autora com o ensino para jovens e adultos, sua dinâmica e proposta pedagógica. Tendo em vista que por diversas vezes ministrei aulas na EJA e, nesta pesquisa, conhecendo a trajetória destas trabalhadoras/estudantes, posso construir um paralelo com minha própria história, que foi permeada por vivências concomitantes entre o trabalho, a escola e as tarefas domésticas; e pela importância do estudo sobre as mulheres e suas relações com o uso do tempo nos diversos espaços sociais público e privado, uma vez que esta é a realidade da maioria das trabalhadoras no Brasil.

Esta aproximação do sujeito que pesquisa com as sujeitas desta pesquisa traduz o que Netto (2011) coloca sobre esta aproximação.

Isto significa que a relação sujeito/objeto no processo de conhecimento teórico não é uma relação de externalidade, tal como se dá, por exemplo, na citologia ou na física; antes, é uma relação em que o sujeito está implicado no objeto. Por isso mesmo, a pesquisa – e a teoria que dela resulta – da sociedade exclui qualquer pretensão de “neutralidade”, geralmente identificada com “objetividade” (NETTO, 2011, p.23)

A pesquisa aconteceu entre os meses de janeiro e abril de 2016 em três etapas: a primeira etapa foi a visita ao estabelecimento de ensino, conversa com a Diretora e autorização junto ao Núcleo Regional de Educação. Após a autorização, a segunda etapa teve como objetivo a leitura do Projeto Político Pedagógico do CEEBJA – Irati e o levantamento de alguns dados quantitativos, tais como quantidade de estudantes que frequentaram a escola nos últimos dez anos, bem como nos anos de 2015/2016, anos base da pesquisa.

A terceira etapa teve como foco o levantamento qualitativo de informações importantes e necessárias para a compreensão do objeto de estudo, tais como: perfil sócio econômico, composição familiar, percurso laboral e escolar das trabalhadoras/estudantes, bem como, organização das atividades domésticas diárias. Esta etapa aconteceu durante uma semana nos três turnos de

funcionamento da escola. As estudantes presentes nestes dias foram chamadas para uma sala reservada e convidadas a responder ao questionário31.

Foram aplicados 95 questionários com perguntas fechadas e abertas divididas em três temas: Tempo de trabalho, Tempo de estudo e Tempo de cuidados, além de um espaço reservado para as informações sobre situação socioeconômica e composição familiar. Ao final, o questionário dispunha de um espaço para o preenchimento de dados pessoais e era destinado àquelas trabalhadoras/estudantes que quisessem contribuir com a pesquisa através de entrevistas. Do total de respondentes, doze deixaram seus contatos para a entrevista, mas somente sete realmente deram o relato de suas vidas32.

Como a pretensão neste trabalho não era um relato de vida, mas compreender como estas trabalhadoras/estudantes organizam seu tempo entre o trabalho, a escola e os cuidados com a casa e familiares, foi elaborado um roteiro inicial assim organizado: a) A primeira parte destinada aos relatos da vida pessoal: onde nasceu, em que lugares viveu, qual a composição familiar, como era a rotina dos afazeres domésticos, com quem eram compartilhados, quais os cuidados com os familiares e com elas próprias; b) A segunda parte destinou-se à trajetória escolar de cada uma, desde o início dos estudos na infância até a chegada no CEEBJA – Irati. Além da trajetória foram questionadas sobre como as demais atividades, trabalho remunerado e cuidados, interferem ou não no tempo de estudos; c) Na terceira parte, as entrevistadas foram estimuladas a falar sobre as questões relacionadas ao tempo de trabalho remunerado, atividades laborais já desenvolvidas, bem como a rotina de trabalho remunerado e suas implicações nos demais tempos; d) A última parte destinou-se a entender como elas se percebem enquanto mulher.

O roteiro acima foi apenas um direcionamento para dar início à entrevista. Por vários momentos as respostas levaram a outras perguntas, lembranças e

31 No momento da conversa com as mulheres do CEEBJA-Irati, foi deixado bastante claro que os

dados seriam totalmente confidenciais e não identificáveis, e, de toda forma, aquelas que não se sentissem confortáveis para responder o questionário poderiam retornar às suas atividades em salas de aula, e, após isso, somente uma se recusou a responder.

32 Apesar dos esforços da pesquisadora, não foi possível contatar três mulheres, devido ao fato de

que não atenderam ao telefone. Uma delas justificou sua recusa por questões pessoais. Ainda com relação a uma última mulher, o endereço informado não foi encontrado. As entrevistas foram iniciadas no mês de março de 2016 e se estenderam até o mês de abril de 2016.

vivências que se misturaram ao objeto de estudo: o uso do tempo. Ao serem conduzidas para um passado não tão distante e um presente muito vivo, estas mulheres deixaram que a emoção aflorasse através de lágrimas, inquietações e raiva.

Nos relatos das Marias, além das questões sobre o uso do tempo outros temas apareceram, dando contornos diferentes do inicialmente proposto. Questões como a importância da família e como esta instituição influencia nas tomadas de decisões na vida destas mulheres, as diversas formas de violência sofridas por elas e que deixaram marcas profundas e a resiliência como forma de superação das dificuldades enfrentadas.

Ao escolhermos trabalhar com dados quantitativos e qualitativos, compreendemos que ambos são importantes para delinear o perfil das trabalhadoras/estudantes do CEEBJA–Irati, e que esta unidade contribui para uma maior aproximação com as sujeitas da pesquisa, sendo possível também dialogar com pesquisas mais abrangentes locais, regionais, nacionais e até internacionais. Além disto, seguindo os ensinamentos de Marx (2011) e Netto (2011), o estudo da materialidade destas mulheres parte de uma abordagem mais geral para a compreensão do sujeito particular.

Para tanto, o tratamento dos dados empíricos acontecerá em dois momentos distintos sem perder a conexão entre eles. Os dados quantitativos serão abordados neste capítulo por meio de gráficos e tabelas. Já os dados qualitativos trazidos pelos relatos das Marias e suas percepções, serão trabalhados no terceiro capítulo, divididos em quatro categorias que se destacaram das entrevistas realizadas: a) a família como uma instituição determinante na tomada de decisões destas mulheres; b) os diversos tipos de violências na sociedade patriarcal e capitalista; c) a resiliência presente em todas as falas como forma de superação das dificuldades enfrentadas e d) o sentido da escolarização para as trabalhadoras/estudantes e as percepções dos usos do tempo de trabalho, escola e cuidados.

Mesmo tendo como categoria central deste trabalho a questão do uso do tempo, nos diversos espaços sociais, ao darmos voz às Marias, outras categorias surgiram. No entanto, cada uma dessas categorias não pretende responder a

todas as indagações a respeito das relações sociais de sexo estabelecidas nos diversos espaços sociais, privado e público, mas sim dar voz a questões particulares das mulheres e apontar novas propostas de pesquisas.

Apesar de a pesquisa desenvolvida para este trabalho contar com dados estatísticos, tanto de órgãos oficiais como os da própria pesquisa, destaca-se o esforço empenhado para a escuta e a categorização realizada a partir das falas das sete mulheres entrevistadas, que confiaram os relatos de parte de suas vidas à pesquisadora. Emprestando as palavras de Souza-Lobo (1991, p. 73): “O objetivo desta comunicação é refletir sobre a experiência a partir de suas histórias de vida”. No nosso caso queremos conhecer e refletir sobre as histórias das Marias por meio de seus relatos, de sua vida tal como elas a vivenciaram e nos relataram, e todo arcabouço teórico e metodológico utilizado foi constituído especialmente para isso.

Neste momento da exposição chega-se mais perto das sujeitas da pesquisa, ao analisarmos a realidade local em que vivem as mulheres do município de Irati-PR, bem como ao trazermos os dados coletados dos questionários aplicados no CEEBJA-Irati, passo este necessário para que, no próximo capítulo, possamos adentrar nos relatos sobre os usos do tempo das Marias.

2.2 A realidade local como mediadora para a compreensão das

No documento ANA CLAUDIA MAROCHI (páginas 68-72)